Sustentabilidade

Batalha na Justiça tenta impedir que novo autódromo do Rio vire crime ambiental

Nesta sexta 7, está prevista uma audiência pública virtual que pretende dar o pontapé inicial ao empreendimento

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Rio de Janeiro – O que é mais importante para o Rio de Janeiro? Ter um novo autódromo e ser novamente capaz de receber eventos esportivos internacionais ou preservar um dos últimos remanescentes cariocas de Mata Atlântica e abrigo de várias espécies ameaçadas da flora e da fauna? A batalha de visões – e de interesses – travada em torno do projeto que prevê a construção do Autódromo de Deodoro na área onde hoje existe a Floresta do Camboatá terá momentos decisivos na noite de hoje 7, quando está prevista uma audiência pública virtual que pretende dar o pontapé inicial ao empreendimento.

A realização ou não da audiência foi, ao longo da semana, objeto de uma disputa de decisões judiciais que colocou em lados opostos ambientalistas e autoridades públicas. O projeto de construção do novo autódromo do Rio tem o firme apoio tanto do governador Wilson Witzel (PSD) quanto do prefeito Marcelo Crivella (Republicanos), além de contar com a simpatia, já declarada publicamente, da família do presidente Jair Bolsonaro.

Para evitar aquilo que os ambientalistas consideram um crime ambiental sem precedentes na cidade, os advogados Rogério Rocco e José Antônio Seixas entraram na segunda-feira 3 com ação popular contra a realização da audiência pública e conseguiram decisão liminar da juíza Roseli Nalin, da 15ª Vara de Fazenda Pública, suspendendo o encontro virtual. Na noite de ontem 6, no entanto, o desembargador Fabio Dutra, da Primeira Câmara Cível, atendeu a um pedido da Prefeitura do Rio e cassou a liminar, dando à audiência nova autorização da Justiça para acontecer.

Os ambientalistas não se dão por vencidos e pretendem reverter a decisão do desembargador até às 19h, horário marcado para o início da audiência pública virtual.

“Nós vamos recorrer dessa decisão. Entraremos com recurso hoje no Tribunal de Justiça do Rio e, se der tempo, também no STJ (Superior Tribunal de Justiça)”, diz Rocco. Novidades, portanto, podem surgir ao longo do dia.

Em sua decisão pela nulidade da liminar concedida em favor dos ambientalistas “por violação ao dever de fundamentação adequada”, o desembargador afirma “a possibilidade de realização de audiência pública na modalidade virtual, em razão do contexto de pandemia” e lembra que “o Supremo Tribunal Federal já autorizou a realização da referida audiência em outro processo”.

Em uma demonstração de juízo de valor quanto à supremacia do autódromo em relação à floresta, Dutra alega que “a paralisação infundada do procedimento administrativo ambiental pode fazer com que o município perca a oportunidade de sediar eventos relevantes, como o GP Brasil de Fórmula 1”.

Mais adiante em seu despacho, o desembargador diz: “Não se discute a importância da realização do referido licenciamento ambiental, muito menos a necessidade de que esse ato ocorra com a mais ampla participação possível de todos os interessados. Porém, não parece razoável, ao menos nesta análise perfunctória, impedir o prosseguimento desse processo presumindo-se que a realização de audiência pública por meio virtual obstará a efetiva participação dos interessados”.

Dutra defende o impacto econômico que será causado pelo Autódromo de Deodoro: “O novo autódromo do Rio de Janeiro é projeto que tem o potencial de contribuir para o reaquecimento da economia municipal e estadual, e o atraso no cronograma causado por paralisações desnecessárias do procedimento administrativo ambiental pode acarretar a perda de oportunidades de realização de eventos esportivos e culturais de grande benefício econômico”.

O magistrado pede “a observância do princípio do desenvolvimento sustentável, a fim de se resguardar a devida proteção e preservação da fauna e da flora afetadas, mas sem que isso implique a inviabilização do empreendimento”.

Irregularidades

Além de questionar o processo pouco democrático de discussão, para impedir a construção do autódromo os ambientalistas têm como estratégia questionar o próprio sistema decisório montado pelo governo estadual com participação da prefeitura.

A liminar que havia sido concedida pela juíza Nalin aponta irregularidades na criação do Conselho Estadual de Meio Ambiente (CEMA), novo órgão criado pelo governo para substituir o atual Conema.

“Apesar de não haver lei instituindo o Conselho Estadual de Meio Ambiente, o governo fluminense editou o Decreto Estadual n.º 46.739, de 14 de agosto de 2019, regulando a sua composição e funcionamento, o que ofende o princípio da legalidade administrativa por não ter sido formalmente criado”, diz o despacho.

A juíza afirma que a composição (art.6º do Decreto) do Conselho é inconstitucional por desrespeitar a paridade prevista na Constituição Estadual, não atendendo ao interesse público, apesar de o colegiado estar se reunindo regularmente desde 11 de setembro de 2019.

“Embora o Decreto disponha que as entidades indicarão seus representantes (titular e até dois suplentes), os mesmos não foram nomeados pelo Poder Executivo antes de tomarem posse, e sua composição não foi publicada na imprensa oficial, resultando inexistente o ato normativo específico, assim também o vínculo funcional dos conselheiros com a Administração Pública, sendo que os atos e decisões do CEMA ofendem o princípio da legalidade”.

Na liminar, Roseli Nalin também afirma que as resoluções do Conema que aprovaram o regimento interno do CEMA (nº 88/2020) e autorizaram a realização de audiências públicas virtuais (nº 89/2020) no âmbito do licenciamento ambiental durante a pandemia “são inconstitucionais e ilegais, por carecerem de publicidade, sendo insuficiente sua publicação na imprensa”.

Floresta de Planície

Espalhada pelos bairros de Deodoro e Ricardo de Albuquerque, na zona oeste do Rio, a Floresta do Camboatá tem aproximadamente 160 hectares onde permanece de pé o último trecho remanescente de floresta de planície na Mata Atlântica da cidade. Suas matas abrigam 19 espécies da flora e da fauna ameaçadas de extinção.

“Só por esse fato ela já deveria ser preservada, pois isso é o determinado para áreas que abrigam espécies em extinção”, afirma Rogério Rocco.

Responsável pelo equilíbrio da temperatura em toda a região, a floresta possui, segundo os ambientalistas, mais de 200 mil árvores, além de ser parte da rota de inúmeras espécies de aves migratórias.

“É uma região que sempre registra os maiores índices de calor da cidade. Não somente é preciso preservar essa floresta como também é preciso que se plante mais florestas e se aumente a arborização urbana no seu entorno. A Floresta do Camboatá tem capacidade de absorção de um milhão de metros cúbicos de água da chuva. A construção de um autódromo e de um condomínio residencial vai jogar toda essa água na superfície, aumentado a incidência de enchentes e inundações em dia de chuva, o que trará muitos prejuízos para toda a cidade e, especialmente, para as pessoas que vivem na região”, diz o ambientalista.

Outra denúncia dá conta de que o relatório de impacto ambiental feito pela empresa que venceu a licitação foi realizado em somente quatro meses, numa única estação e desconsiderou aspectos relevantes, conforme análise de biólogos e engenheiros florestais que integram o movimento SOS Floresta do Camboatá. Um estudo elaborado pelo movimento e encaminhado ao Ministério Público do Rio apontou outros quatro locais para a construção do autódromo, como o vizinho Campo do Gericinó, já desmatado.

“Todas as quatro alternativas são melhores, do ponto de vista ambiental, do que a opção na Floresta do Camboatá. Mas, eles alegam que essa opção é que tem o melhor potencial de mobilidade. Alegam também que em outros locais terá de haver remoção de residências. Para eles é melhor desmatar uma floresta com 19 espécies ameaçadas de grande importância do que construir o novo autódromo em algum lugar aonde tenha que haver investimento em infraestrutura de transporte ou fazer a remoção de algumas casas”, conclui Rocco.

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