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Além da floresta

Reduzir o desmatamento na Amazônia ou recriar estruturas destruídas não será suficiente

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Imagem: iStockphoto
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Avaliar a governança ambiental no Brasil é aferir o bom funcionamento do Sistema Nacional do Meio Ambiente, definido nos objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente recepcionada pela Constituição de 1988.

A lei da PNMA é um dos primeiros regramentos nacionais ambientais do mundo. Em conjunto com a riqueza natural, levou o Brasil ao status de liderança global. O País sediou a Conferência Rio-92 das Nações Unidas, produzindo tratados de combate à desertificação, proteção da biodiversidade e mudanças climáticas, entre outras temáticas do desenvolvimento sustentável.

O governo de Jair Bolsonaro deixou um rastro de desestruturação normativa e no aparato ambiental estatal. Assim, a missão de Lula deve ser restaurativa, além de retomar a inserção brasileira nos quadros de liderança ambiental global.

O DNA ambiental do Brasil é evidente. Os atributos envolvem um imenso território em área equatorial-tropical, florestas tropicais, biodiversidade, riqueza hídrica e matriz hidrelétrica. A característica essencial da boa governança ambiental é de respeito ao nosso Estado Democrático e Ecológico de Direito, protegendo e potencializando o capital natural e social com aporte científico e ampla participação.

A tarefa de analisar o primeiro ano do governo Lula passa pelos pilares da governança democrática-ambiental: aspectos legais, conhecimento e participação social, para enfrentar a obrigatória agenda ambiental contemporânea, delineada nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU. Um dos principais desafios nacionais é a redução do desmatamento da Floresta Amazônica, vinculado a compromissos internacionais assumidos pelo Brasil na agenda climática do Acordo de Paris. O desmatamento cresceu na gestão anterior, pois os comandos de controle ambiental foram desmantelados, assim como o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal. Em 2023, após a reativação da ação de fiscalização do Ibama e o retorno da aplicação e execução das multas ambientais, o desmatamento cedeu, com queda de 22%, em comparação ao ano anterior.

A retomada do controle do desmatamento a patamares anteriores a 2019 não é mais resposta segura para a Floresta Amazônica, que se encontra nos limiares do ponto de não retorno e com perspectivas de savanização. O valor marginal do remanescente florestal representa mais-valia, reveste-se de raridade e importância, fato constatado na limitação ecossistêmica da capacidade de sequestro de carbono. Portanto, a simples comparação numérica entre o atual desmatamento e o de uma década atrás será inadequada e trará resultados falsos.

Não está claro se o sistema de comando e controle do qual lança mão o governo terá condições de zerar o desmatamento até o ano 2030, conforme compromissos assumidos no Acordo de Paris. Especialistas apontam a necessidade de intensificar o combate do fluxo financeiro que alimenta a degradação, sua vinculação com o crime organizado e paraísos fiscais, de conter fortemente a exploração ilegal de commodities, fortalecendo a fiscalização em vias internas da Amazônia e em portos vocacionados para essa exportação, focando especialmente a madeira e os produtos da mineração ilegal, além de maior pressão sobre produtos agrícolas e de pecuária produzidos à custa da degradação ambiental.

Inexistem efetivos projetos de reflorestamento em escala desejável, especialmente determinados pelo Judiciário, para a obrigatória recomposição dos danos ambientais. Será precioso intensificar as ações de fiscalização na região do Cerrado, onde o desmatamento tem crescido, enquanto o da Amazônia diminui.

Quando se consideram os compromissos climáticos, notam-se mais emissões de gases de efeito estufa decorrentes do uso de fertilizantes, assim como de metano, devido ao crescimento do rebanho bovino.

A transição ecológica do País demanda uma agenda ambiciosa e maior participação da sociedade

Outro importante quesito da governança ambiental é a agenda da água, apontada como prioritária em recente pesquisa de opinião. Regida por dispositivos da Política Nacional de Recursos Hídricos, suas atribuições estão ligadas à pasta do Meio Ambiente, mas, devido à divisão de poder, a Agência Nacional das Águas e Saneamento Básico, sistema regulatório do setor responsável pelas outorgas, viu-se submetida ao Ministério de Integração Nacional, sem controle social, inclusive com a paralisação do Conselho Nacional de Recursos Hídricos.

Um terceiro ponto, com forte interface com mudanças climáticas, é a energia. A gestão ambiental estatal só transitará para a sustentabilidade se o binômio economia-energia apontar nesse sentido. Os investimentos governamentais, como o Plano de Aceleração do Crescimento, priorizam combustíveis fósseis sobre alternativas de energia limpa. O recente Plano de Desenvolvimento da Petrobras destina 95% dos recursos à exploração e produção de petróleo e gás. Portanto, não foi surpresa o Brasil cometer a gafe colossal ocorrida na COP28, nos Emirados Árabes Unidos, ao aderir à Opep+, conhecido cartel do petróleo.

Além disso, a ANP anunciou para 13 de dezembro, um dia após a COP, um dos maiores leilões de petróleo da história do País, que incluiu concessões de áreas ambientalmente frágeis, como o Atol das Rocas e Fernando de Noronha. O Brasil ocupa, desde 2022, o oitavo lugar no ranking global de produção e exportação de petróleo, e o governo Lula tem dado sinais claros de que ampliará essa atividade.

O conselho ambiental mais relevante da nação é o Conama, cuja missão visa, inclusive, estabelecer padrões de qualidade ambiental como solo, água e ar. A recomposição dos conselhos da gestão Lula teria sido um avanço democrático se as orientações decorrentes dos debates do STF, no questionamento das alterações nocivas promovidas por Bolsonaro, tivessem sido absorvidas. A atual reestruturação do Conama apenas retroagiu à composição anterior da gestão de Bolsonaro, mas não avançou na melhora da representatividade social, levando o Conama ao mesmo quadro anterior, de 2018, de insuficiência democrática.

Não é possível esgotar a matéria nem aprofundar a leitura ambiental sobre a atual conjuntura política adversa do Brasil. Mas, entre tantos outros temas da agenda ambiental, destaco a necessidade de o setor ambiental agir de forma intersetorial, para que a atuação da área ambiental não venha a se restringir a uma isolada agenda clássica, voltando-se à modernização dos outros setores estatais rumo à sustentabilidade.

Nesse sentido, a perspectiva de controle social para a elaboração e consecução de políticas públicas ambientais merece esforço adicional dos setores mais progressistas, no sentido de motivar o governo Lula a dar respostas mais satisfatórias para a efetividade da governança ambiental do Brasil. •

Publicado na edição n° 1291 de CartaCapital, em 27 de dezembro de 2023.

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