Sociedade

Uma Copa pela tolerância com os refugiados

Estrangeiros de países como Mali, Costa do Marfim e Síria participam de torneio de futebol e tentam se integrar ao Brasil em busca de uma vida digna

Seleção de refugiados do Mali foi alvo de preconceito antes de chegarem ao torneio
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A Copa do Mundo trouxe ao Brasil, de um mês para o outro, milhares de alemães, ingleses, mexicanos, chilenos, entre várias outras torcidas. Os “gringos” lotaram ruas, bares, pontos turísticos e, em pouco tempo, o clima de receptividade ganhou espaço na imprensa. No último domingo 29, enquanto começavam os jogos das oitavas de final do mundial de futebol, um grupo de estrangeiros entrava em um ônibus em São Paulo a caminho de outra partida de futebol. “Aproveita e bota fogo com todo mundo dentro”, disse um brasileiro que passava pelo local. O alvo do ódio era uma “seleção” de jogadores do Mali, formada para disputar a Copa dos Refugiados.

Assim como no torneio da Fifa, o evento dos refugiados formou times separados por países: Mali, Costa do Marfim, Congo, Haiti, Colômbia e Síria foram os países participantes. A disputa ocorreu no gramado do Colégio Santa Cruz, local frequentado normalmente pela elite paulistana do Alto de Pinheiros, na zona oeste de São Paulo. Nenhum dos jogadores é profissional. A única coisa que eles têm em comum é que todos foram obrigados a deixar seus países em função de guerras, miséria, violência ou fome. Agora, tentam se integrar ao Brasil em busca de uma vida digna.

Enquanto sobra receptividade para os estrangeiros na Vila Madalena, bairro boêmio da zona oeste de São Paulo, os refugiados ainda tentam superar o preconceito e conseguir um emprego decente em São Paulo. “Eles sofrem preconceito, sim. E a gente geralmente é questionado: ‘Por que vocês fazem trabalho em prol de estrangeiro e refugiado se tem tanto brasileiro passando fome, sem espaço de acolhimento, educação?”, diz Marcelo Haydu, fundador do Instituto de Reintegração do Refugiado (Adus) e responsável pela Copa dos Refugiados. “Para a gente tanto faz se vem de Cuba, do Brasil ou da Síria. É indiferente. Importante é que são seres humanos”,

Mesmo diante desse tipo de dificuldade, esses refugiados costumam enxergar o Brasil como um país com estabilidade política e financeira para ir em busca de sonhos. Adama Konate, de 30 anos, saiu do Mali porque os poucos postos de trabalho que existem no país dele pagam muito pouco. “Eu falava francês, espanhol, inglês. Mas português, eu não sabia nada”, conta. Há pouco mais de um ano em São Paulo, ele já se destaca por conseguir se comunicar bem e agora conseguiu acesso a um curso do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai).

Muitos deles, no entanto, não gostam nem de se identificar quando dão entrevistas com receio de que familiares ou eles mesmos sofram as consequências se voltarem para a terra natal. É o caso do congolês José (nome fictício). Ele se diz perseguido político porque trabalhava na Comissão Eleitoral Nacional Independente (Ceni) do país quando a reeleição de presidente Joseph Kabila foi contestada pelos adversários. No poder desde 2001, Kabila teria perdido a eleição, segundo José, que era arquivista no Ceni e diz ter tido acesso aos votos. O congolês afirma que, na época, deu entrevista para um jornal do país e contou o que descobriu. Por isso, teria sido sequestrado e mantido preso durante um tempo até que foi obrigado a deixar a República Democrática do Congo.

Além de perseguições políticas, a guerra é outro motivo que obriga as pessoas a buscarem refúgio em outro país. O jovem Damane Traore, de 22 anos, saiu da Costa do Marfim quando já não havia mais confronto. Mas, por consequência da guerra, tinha dificuldade em conseguir trabalho e o mínimo para se alimentar. Agora, Traore pensa em voltar para o país onde nasceu apenas para ver a família. Não quer mais deixar o Brasil.

De acordo com o Comitê Nacional de Refugiados (Conare), o Brasil tem hoje pouco mais de 5.200 refugiados. Isso porque o governo brasileiro tem uma postura diferente de diversos países e costuma abrir as portas para que essas pessoas tenham chances de ter uma vida melhor aqui. Com isso, os refugiados têm acesso a todos os documentos necessários. Todo o restante, como auxílio para conseguir emprego e estudar o português, no entanto, fica a cargo da boa vontade alheia. “O governo permite que eles entrem e tem um papel importante ao dar segurança e promover a legalização”, diz Haydu. “Agora, para as questões mais práticas e de integração ainda falta (o governo oferecer) muito coisa. Eles dependem quase que exclusivamente de ONGs”, afirma.

Na Copa dos Refugiados, a vitória foi do Haiti, que venceu na final o time da República Democrática do Congo, por 2 a 0. A seleção de Mali ficou com o terceiro lugar, enquanto a Síria teve o pior desempenho e ficou na lanterna. Os árabes tinham uma explicação para o desempenho fraco. No dia do torneio começava o Ramadã, o mês sagrado em que os muçulmanos jejuam enquanto brilha a luz do sol.

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