São mais que R$ 3,50

A verdadeira batalha por uma revolução no transporte público deve ser travada no Congresso Nacional

Movimento Passe Livre faz protesto na Rodoviária do Plano Piloto, em junho de 2014

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Os 20 centavos que detonaram as Jornadas de Junho de 2013 pairam como um lembrete de que a mobilidade urbana é tema explosivo. Por isso mesmo, o reajuste a 3 reais e cinquenta centavos da tarifa de ônibus em São Paulo deixou muita gente ouriçada, desde movimentos como o Passe Livre (MPL) até o prefeito Fernando Haddad, o PT, o governador Geraldo Alckmin, o PSDB, este que vos escreve aqui e possivelmente você, leitor.

Embora 2013 esteja fresco na memória, o contexto é outro e uma reedição daqueles dias de revolta parece pouco provável. Talvez seja a oportunidade de, então, fazer o debate da mobilidade a fundo, indo além dos 3,50.

A questão do preço da tarifa mora principalmente no custeio do sistema, hoje parcialmente subsidiado pelo poder público. Em São Paulo, são injetados por ano 2 bilhões de reais no transporte de ônibus. Para conter qualquer reajuste (ou diminuir a tarifa), ou se aumenta o subsídio, ou se limita o lucro das empresas. Não há milagre.

Considerando que o município de São Paulo está afundado em uma dívida que se arrasta há décadas (recentemente negociada, mas ainda assim impeditiva de maiores investimentos) o espaço de manobra é pequeno. Basicamente não há de onde tirar dinheiro para aumentar substancialmente o subsídio municipal, tampouco para financiar a totalidade do passe livre, que custaria 6 bilhões de reais. E a realidade não é diferente para a maioria dos municípios brasileiros.

No outro lado, segundo a auditoria contratada pela prefeitura depois de 2013, a taxa de lucro dos empresários é de 15% (dentro da média de retorno empresarial, embora ainda sobre alguma gordura para cortar).

Como estamos falando de um sistema com fins lucrativos em uma das pontas, sejamos realistas: anular os rendimentos empresariais sem reformar radicalmente o modelo de financiamento não vai mudar estruturalmente esse quadro. Pode até conter momentaneamente o aumento, mas não vai demorar para vermos ônibus sucateados por aí (ou alguém acha que tem empresário bonzinho disposto a financiar o passe livre?).


Ou seja, a revolução que queremos no transporte (mais barato e com mais qualidade) não será feita pela Prefeitura de São Paulo, nem pelo governo do Estado. A questão mora no Congresso Nacional em Brasília, já que é preciso redefinir toda a estrutura de impostos que hoje custeiam o sistema de transportes no País. É preciso dinheiro!

Uma das propostas é a municipalização da Cide, o imposto sobre combustíveis hoje coletado pela União (que repassa 29% desse total para os estados). Daí poderia sair o dinheiro para o Fundo de Transporte proposto pelo MPL (Movimento Passe Livre).

O chamado para ir às ruas contra o aumento da passagem é legitimo. Todos os cidadãos têm direito à cidade, de usufruir dos espaços públicos, de ir de vir. E a catraca de um busão caro não pode ser impeditivo desses direitos, sobretudo para quem vive na periferia (e 3,50 é salgado). Mas para onde direcionar a artilharia?

Talvez uma das melhores lições dessa temporada tenha vindo da aula pública promovida pelo próprio MPL no Anhangabaú, no último dia 5 de janeiro. Lúcio Gregori, secretário de Transportes na gestão Luiza Erundina, defensor do passe livre, foi claro ao dizer que este não é exclusivamente um problema do prefeito X, do governador Y, deste ou daquele partido. É uma questão estrutural. Por isso acho que devemos olhar para Brasília.

De quebra, ele lembrou da PEC 74, que estabelece o transporte como um direito social, hoje engavetada no Senado. Pode ser um ponto de partida para um transporte mais acessível, mais barato e de mais qualidade. Afinal, são muito mais que 50 centavos que estão em jogo.

*Maurício Moraes é jornalista e foi candidato a deputado federal em São Paulo pelo PT

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