Sociedade
São mais que R$ 3,50
A verdadeira batalha por uma revolução no transporte público deve ser travada no Congresso Nacional
Os 20 centavos que detonaram as Jornadas de Junho de 2013 pairam como um lembrete de que a mobilidade urbana é tema explosivo. Por isso mesmo, o reajuste a 3 reais e cinquenta centavos da tarifa de ônibus em São Paulo deixou muita gente ouriçada, desde movimentos como o Passe Livre (MPL) até o prefeito Fernando Haddad, o PT, o governador Geraldo Alckmin, o PSDB, este que vos escreve aqui e possivelmente você, leitor.
Embora 2013 esteja fresco na memória, o contexto é outro e uma reedição daqueles dias de revolta parece pouco provável. Talvez seja a oportunidade de, então, fazer o debate da mobilidade a fundo, indo além dos 3,50.
A questão do preço da tarifa mora principalmente no custeio do sistema, hoje parcialmente subsidiado pelo poder público. Em São Paulo, são injetados por ano 2 bilhões de reais no transporte de ônibus. Para conter qualquer reajuste (ou diminuir a tarifa), ou se aumenta o subsídio, ou se limita o lucro das empresas. Não há milagre.
Considerando que o município de São Paulo está afundado em uma dívida que se arrasta há décadas (recentemente negociada, mas ainda assim impeditiva de maiores investimentos) o espaço de manobra é pequeno. Basicamente não há de onde tirar dinheiro para aumentar substancialmente o subsídio municipal, tampouco para financiar a totalidade do passe livre, que custaria 6 bilhões de reais. E a realidade não é diferente para a maioria dos municípios brasileiros.
No outro lado, segundo a auditoria contratada pela prefeitura depois de 2013, a taxa de lucro dos empresários é de 15% (dentro da média de retorno empresarial, embora ainda sobre alguma gordura para cortar).
Como estamos falando de um sistema com fins lucrativos em uma das pontas, sejamos realistas: anular os rendimentos empresariais sem reformar radicalmente o modelo de financiamento não vai mudar estruturalmente esse quadro. Pode até conter momentaneamente o aumento, mas não vai demorar para vermos ônibus sucateados por aí (ou alguém acha que tem empresário bonzinho disposto a financiar o passe livre?).
Ou seja, a revolução que queremos no transporte (mais barato e com mais qualidade) não será feita pela Prefeitura de São Paulo, nem pelo governo do Estado. A questão mora no Congresso Nacional em Brasília, já que é preciso redefinir toda a estrutura de impostos que hoje custeiam o sistema de transportes no País. É preciso dinheiro!
Uma das propostas é a municipalização da Cide, o imposto sobre combustíveis hoje coletado pela União (que repassa 29% desse total para os estados). Daí poderia sair o dinheiro para o Fundo de Transporte proposto pelo MPL (Movimento Passe Livre).
O chamado para ir às ruas contra o aumento da passagem é legitimo. Todos os cidadãos têm direito à cidade, de usufruir dos espaços públicos, de ir de vir. E a catraca de um busão caro não pode ser impeditivo desses direitos, sobretudo para quem vive na periferia (e 3,50 é salgado). Mas para onde direcionar a artilharia?
Talvez uma das melhores lições dessa temporada tenha vindo da aula pública promovida pelo próprio MPL no Anhangabaú, no último dia 5 de janeiro. Lúcio Gregori, secretário de Transportes na gestão Luiza Erundina, defensor do passe livre, foi claro ao dizer que este não é exclusivamente um problema do prefeito X, do governador Y, deste ou daquele partido. É uma questão estrutural. Por isso acho que devemos olhar para Brasília.
De quebra, ele lembrou da PEC 74, que estabelece o transporte como um direito social, hoje engavetada no Senado. Pode ser um ponto de partida para um transporte mais acessível, mais barato e de mais qualidade. Afinal, são muito mais que 50 centavos que estão em jogo.
*Maurício Moraes é jornalista e foi candidato a deputado federal em São Paulo pelo PT
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