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Policiais admitem que jovens executados em São Paulo não atiraram contra eles

Dupla recebeu quase 50 tiros. A investigação da PM considera possibilidade de fraude processual, com a chance de armas terem sido plantadas

Créditos: Reprodução / Record TV Créditos: Reprodução / Record TV
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O Ministério Público do Estado de São Paulo se antecipou às investigações sobre os casos dos jovens negros executados pela Polícia na zona sul de São Paulo, no dia 9 de junho, e nomeou um promotor para acompanhar o caso antes mesmo que o inquérito policial seja finalizado, o que seria ‘praxe’ no processo.

 

Foi designado para acompanhar o caso o promotor de Justiça Thomas Mohyico Yakibi, do III Tribunal do Júri, órgão que tem a competência de julgar crimes dolosos ou intencionais contra a vida. A designação mostra que há fortes indícios de execução no caso.

Com base nas informações iniciais sobre o caso, obtidas a partir de um vídeo que flagrou a ação policial, o Ministério Público aponta que Felipe Barbosa da Silva, 23 anos, e Vinicius Alves Procópio, de 19, não efetuaram disparos, o que confronta a versão inicial da polícia de que os suspeitos estariam armados e teria ocorrido um confronto.

Armas podem ter sido plantadas

No primeiro boletim de ocorrência registrado pelos policiais, consta a versão de que, após colidir com o poste na rua Rubens Gomes Bueno, Felipe, um dos suspeitos, teria descido pela porta do motorista com uma arma na cintura. Ainda de acordo com os PMs, o sargento André Chaves da Silva teria pedido para que ele largasse a arma, mas não teria sido obedecido, e por isso ele e o colega, o soldado Danilton Silveira da Silva, atiraram. Felipe, segundo os policiais, teria caído sobre o banco do motorista.

Na versão dos policiais, o soldado Silveira teria então aberto a porta traseira esquerda do veículo e se deparado com Vinícius com um revólver em punho. O suspeito teria efetuado um disparo com a arma, mas o tiro falhou, momento em que o soldado disparou contra ele, atingindo-o.

Ainda de acordo com os policiais, as armas dos suspeitos — uma de calibre .38 e uma de calibre .32 — foram recolhidas e foi chamado o resgate para os jovens, que ainda apresentavam sinais vitais. O óbito dos jovens, na versão dos PMs, teria sido constatado posteriormente com a chegada do resgate, acionado pela corporação.

O policial militar que conduzia a ocorrência, Gildasio Oliveira Alves, ainda declarou que cerca de trinta minutos após os fatos foi dado o alerta de roubo para o carro encontrado com os suspeitos, via Centro de Operações da Polícia Militar do Estado de São Paulo.

Na segunda-feira 14, ao passarem por audiência de custódia, os PMs envolvidos na ação, e que se encontram detidos no Presídio Militar Romão Gomes, no Tremembé, zona norte da capital desde a noite de domingo 13, afirmaram que os suspeitos estavam armados, mas não chegaram a atirar.

A investigação da Polícia Militar trabalha também com a possibilidade de fraude processual considerando a possibilidade de que os dois revólveres apreendidos e atribuídos aos jovens terem sido “plantados na cena de crime”.

Os policiais tiveram a prisão preventiva mantida pelo juiz Ronaldo Roth. O terceiro policial envolvido na ocorrência, Gildasio Alves, também teve a prisão decretada na segunda-feira 14.

“Moiô, moiô, eles vão matar a gente”

Também em depoimento à Polícia, o irmão de Vinícius, que esteve no local do crime e acompanhou o desfecho do caso, negou ter visto a retirada de armas do veículo em que estavam Vinícius e Felipe. Em depoimento, ele contou ter ido ao local com o pai. Quando chegou, encontrou o veículo com as portas fechadas e muitos policiais em volta. Ele teria, então, pedido para reconhecer as vítimas no local, mas foi impedido pelos policiais

A mãe de Vinícius, também em depoimento, afirmou que Vinicius trabalhava com o pai em transporte escolar, mas estava parado por conta da pandemia. Disse ainda que o filho nunca teve arma, nunca tinha roubado e nem se envolvido com ilícitos.

Já a esposa de Felipe disse à polícia que recebeu uma ligação do marido no dia 9 de junho, por volta das 19h20, e que pode ouvir “moiô, moiô, eles vão matar a gente”. Segundo a esposa, Felipe se despediu dela e da filha dizendo que as amava e pediu para avisar a família de Vinícius sobre o caso. Felipe trabalhava com entregas e, segundo a esposa, também não tinha arma de fogo.

“A pena de morte não existe na legislação brasileira”

O advogado Ariel de Castro Alves, que acompanhou os depoimentos dos familiares de Vinícius e Felipe à Polícia, condena o desfecho da ação. Sobretudo pela quantidade de disparos efetuados pelos policiais militares. Os corpos foram encontrados com quase 50 tiros, ao todo.

“O grande número de perfurações nos corpos dos jovens — 27 em um deles e 23 no outro — demonstram um fuzilamento. Nas imagens também podemos notar isso, em nenhum momento os policiais estão se protegendo de um suposto confronto, em nenhum momento estão numa situação de defesa, mas sim de ataque, inclusive com execução a queima roupa. Temos ali, de fato, uma situação de fuzilamento, de execução sumária”, avalia.

“O papel da polícia é de prender, e não de assassinar, executar. Nesse caso, eles deveriam ter sido detidos, encaminhados a uma delegacia de polícia e depois responderiam a um processo criminal, por serem suspeitos de participação em em um roubo”, atesta.

“A pena de morte não existe na legislação brasileira e policiais não podem agir à revelia da legislação.”

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