Sociedade

Papa compara pedofilia a sacrifícios humanos

Francisco quer que se coloque a segurança das vítimas até mesmo acima da salvaguarda da instituição católica

O papa Francisco em reunião no Vaticano (Foto: AFP)
Apoie Siga-nos no

O papa Francisco prometeu neste domingo 24, no Vaticano, que a Igreja Católica “não se cansará de fazer todo o necessário para levar à Justiça qualquer um” que tenha cometido abusos sexuais, e “jamais tentará acobertar ou minimizar nenhum caso”.

Em seu discurso de encerramento da cúpula histórica sobre os abusos contra menores por membros do clero, o pontífice argentino admitiu que o flagelo “é universal e transversal”. Após citar vários relatórios de instituições internacionais, contudo, frisou que “isso não diminui sua monstruosidade dentro da Igreja”.

“A desumanidade do fenômeno em escala mundial é ainda mais grave e mais escandalosa na Igreja, porque contrasta com sua autoridade moral e sua credibilidade ética”, afirmou. Comparando a pedofilia aos sacrifícios humanos nos ritos pagãos, ele prometeu levar à Justiça todo e qualquer clérigo culpado de abuso sexual de menores.

Leia também: Igreja destruiu arquivos sobre abuso sexual, admite cardeal

Diante dos 190 representantes da hierarquia religiosa e 114 presidentes ou vice-presidentes de conferências episcopais de todo o mundo presentes, acrescentou que as estatísticas feitas por instituições e organizações internacionais são parciais, já que numerosos abusos são cometidos no âmbito familiar e não denunciados.

Francisco assinalou ter chegado a hora de “dar diretrizes uniformes para a Igreja”. Sem citar medidas ou mudanças concretas, propôs que, “ao desenvolver sua legislação”, a instituição se concentre em oito aspectos: proteção das crianças; seriedade impecável ao tratar dos casos; “mudar a mentalidade, a fim de combater a atitude defensiva de salvaguardar a Igreja”; purificação genuína; rigor na seleção e formação de candidatos ao sacerdócio; que as Conferências Episcopais tenham parâmetros com o valor de normas e desenvolvam uma nova e abordagem efetiva à prevenção; e, por fim, o acompanhamento dos que sofreram abuso.

Leia também: Surpreende que Bolsonaro trate a Igreja e o Papa como inimigos?

“O eco do grito silencioso dos pequenos que, em vez de encontrar [nos sacerdotes] pais e guias espirituais, encontraram neles torturadores, abalará corações dessensibilizados pela hipocrisia e o poder. É nosso dever prestar atenção de perto a esse grito silencioso, abafado”, exortou o pontífice.

Em relação à exigência de uma verdadeira “purificação” dos homens da Igreja, ele enfatizou a urgência de “transformar os erros cometidos em oportunidades para erradicar o flagelo, e jamais cair na armadilha de acusar os outros, que é um passo em direção à desculpa daquilo que nos separa da realidade”.

Leia também: "É da Igreja para a Igreja", diz bispo sobre evento na mira do governo

A cúpula

O encontro iniciado na quinta-feira foi marcado tanto por muita autoanálise e autorrecriminação por parte dos representantes da Igreja, quanto por histórias de horror de vítimas. Uma das testemunhas relatou ter sido forçada a fazer três abortos de um papa que abusou dela durante anos e a espancava; outro contou como fora molestado mais de 100 vezes.

Leia também: Pedofilia e conservadorismo entre os muros da Igreja Católica

O pontífice argentino acrescentou que a Igreja passaria a se inspirar nas “melhores práticas” das “Sete estratégias para dar fim à violência contra criança”, uma lista de medidas elaborada sob a orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Em sua homilia do domingo, antes do discurso do papa, o presidente da Conferência Episcopal da Austrália, Mark Coleridge, lembrara que “uma missão se estende diante de nós, uma missão exigindo não apenas palavras, mas ação real concreta”. “Não temos toda a eternidade e não podemos nos permitir fracassar. Nós mostramos muito pouca misericórdia, e por isso é o que receberemos”, advertiu os demais bispos presentes.

Na véspera, o cardeal alemão Reinhard Marx reconhecera que, ao longo dos anos, a Igreja Católica “destruiu” arquivos sobre abusos sexuais cometidos por sacerdotes contra menores de idade, e propôs a eliminação da norma do segredo pontifício em tais casos.

Ainda segundo o papa, “se um único caso de abuso é descoberto na Igreja – o que por si só já representa uma atrocidade –, ele será encarado com a maior seriedade”. O objetivo da Igreja, sublinhou, “será escutar, tutelar, proteger e cuidar dos menores abusados, explorados e esquecidos, onde quer que estejam”.

Para tal, é preciso os clérigos “estarem acima de todas as polêmicas ideológicas”, porém são também dignas de crítica as “políticas jornalísticas que frequentemente instrumentalizam, por diversos interesses, os próprios dramas vividos pelos pequenos”. Por sua vez, a Igreja Católica “nunca tentará encobrir ou minimizar nenhum caso”.

Francisco também mostrou preocupação com o turismo sexual, afirmando ser necessária “a ação repressiva da Justiça”, e encerrou seu discurso com “um apelo sentido à luta contra o abuso de menores em todos os âmbitos”, “crimes abomináveis que é preciso erradicar da face da Terra”.

ENTENDA MAIS SOBRE: , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.