Economia

Os avanços e retrocessos nas negociações sobre as dívidas entre estados e União

Governadores pedem ao governo mudanças no regime de dívidas; o tema já passou por mudanças legais, levou a fechamento de bancos públicos e define a relação entre entes federativos

Reunião entre o presidente Lula (PT) e governadores, em 2023. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
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O governo federal deverá promover uma nova rodada de negociação da dívida entre os estados e União. Os principais governos interessados são do Sudeste e do Sul do país, especialmente São Paulo.

Na última quarta-feira 13, o governador paulista, Tarcísio de Freitas (Republicanos), confirmou que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, deverá apresentar, na próxima semana, uma proposta sobre o tema. A expectativa é que um projeto de lei seja enviado ao Congresso até o final do primeiro semestre.

O principal pedido dos estados é que o governo altere o indexador da dívida. Um deles, por exemplo, é conhecido como Coeficiente de Atualização Monetária (CAM), que utiliza o menor índice entre a variação acumulada do IPCA mais 4% ao ano, considerando, também, a variação acumulada da taxa Selic. 

Os estados esperam que, com a mudança, os juros sejam fixados em 3% ao ano.

Há, ainda, outros pedidos feitos pelos representantes dos estados ao governo. Uma das ideias é renegociar o Regime de Recuperação Fiscal (RRF), que serve para ajudar os estados mais endividados. 

Outra proposta seria aumentar para doze anos o prazo que um estado pode ficar no regime, fazendo com que os pagamentos da dívida com a União sejam feitos gradualmente. Atualmente, esse prazo é de nove anos.

O interesse de São Paulo, por exemplo, não é à toa. O estado é o principal devedor da União, em uma cifra que gira na casa dos 270 bilhões de reais. Segundo Tarcísio, SP destina 21 bilhões de reais por ano ao pagamento da dívida. 

O quadro completo, dizem os governadores, prejudica os investimentos. “Acho que podemos ter um ganha-ganha sem prejudicar o fiscal”, disse Tarcísio, após uma reunião com Haddad nesta semana.

O histórico gargalo das dívidas

A dívida entre estados e a União tem origem no modelo federativo adotado pelo Brasil. A forma de “federação” foi adotada, entre outros motivos, pela extensão territorial do país. Por mais que a União tenha funções e responsabilidades que dizem respeito ao plano nacional, o poder no Brasil é descentralizado.

Significa dizer, assim, que os estados e municípios do país têm autonomia em várias áreas. Para que um estado possa assumir os seus compromissos em termos de prestação de serviços como segurança pública e educação, ele precisa ter autonomia fiscal. 

Assim, a Constituição de 1988 discrimina quais tributos são federais, estaduais e municipais, dando um contorno geral sobre como cada ente público constrói o seu orçamento. Disputas sobre o tema são comuns na história recente do país, porque do que se convenciona chamar como federalismo fiscal.

Dada a necessidade corriqueira de recursos, os estados costumam se endividar. Esse processo remonta, pelo menos, ao início do século XX, e foram várias as ocasiões em que a União teve que assumir parte das dívidas dos estados com credores.

Dois episódios da história recente são importantes para compreender o vai e vem das dívidas. O primeiro foi a própria ditadura militar e a sua herança. À época do regime, o governo federal costumava centralizar os tributos arrecadados, concentrando poder e, na prática, reduzindo a saúde financeira dos entes. 

Uma das saídas encontradas por estados brasileiros foi buscar recursos junto a instituições financeiras. Vale lembrar que, mais antigamente, era comum que estados tivessem bancos públicos. O Banespa, em São Paulo, é um exemplo.

Segundo dados do Tesouro Nacional, o endividamento com a União triplicou entre 1983 e 1993, chegando a cerca de 40% de toda a dívida pública brasileira. Também nos anos 1990 – já com a chegada do Plano Real -, a União resolveu assumir dívida estaduais, tornando-se credora e refinanciando as dívidas.

É desse período que resulta um acordo de refinanciamento, celebrado em 1997, que determinou que os estados poderiam pagar as suas dívidas em um prazo de trinta anos. Para isso, foi estabelecida uma taxa pré-fixada (6% a 9%, segundo o acordo da época), além de um índice geral de preços. 

A consequência mais direta desse acordo foi a privatização dos bancos públicos estaduais, assim como a regra que proibiu estados de emitirem títulos de dívida.

Mudanças recentes aliviaram os estados

Ao longo dos anos – e com várias mudanças de governo, a nível estadual e municipal -, governadores vêm tentando conseguir a revisão do acordo, na busca por condições mais favoráveis de pagamento. 

A pressão teve um resultado importante em 2016, quando o indexador da dívida, que era o IGP-DI, passou a ser o IPCA ou a Selic, conforme mencionado no início.

O Supremo Tribunal Federal (STF) é outro ator importante nessa história. Nos últimos anos, a Suprema Corte já tomou decisões que impediram a execução das chamadas “contragarantias” de estados em piores condições financeiras. 

O STF também já mediou acordos para que os estados se mantenham no RFF, que prevê o parcelamento das dívidas com a União em troca de um plano de ajuste de gastos. Uma exceção é Minas Gerais, que não aderiu ao regime. Não por acaso, um dos principais entusiastas da renegociação atual é o senador mineiro Rodrigo Pacheco (PSD).

Todo o quadro também pode ser entendido por meio de valores. Ano passado, por exemplo, o governo federal pagou 12,23 bilhões de reais em dívidas de empréstimos contratados por estados e municípios, segundo dados recentes do Tesouro Nacional.

De acordo com o órgão, o montante diz respeito a dívidas de oito estados e três municípios. Os entes que tiveram os maiores valores pagos pela União foram Rio de Janeiro (4,6 bilhões), Minas Gerais (3,56 bilhões) e Rio Grande do Sul (1,39 bilhão). O Rio de Janeiro, aliás, é um dos maiores devedores: 188 bilhões de reais. Nesta semana, o governador do estado, Claudio Castro, afirmou que vai recorrer ao STF para suspender o pagamento do montante. O mandatário argumenta que valores considerados indevidos devem ser excluídos.

Desde 2016, por exemplo, a União já destinou quase 63 bilhões de reais para honrar essas garantias. Por outro lado, recuperou apenas 5,6 bilhões de reais.

Vale destacar que a União só pode assumir esses pagamentos em empréstimos nos quais tenha atuado como garantidora. Costumeiramente, a presença da União nessa condição faz com que financiamentos tenham taxas de juros mais baixas.

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