Sociedade

O que pensam os secundaristas de 2015 sobre o Brasil de 2018?

Alguns deles já são universitários e, apesar do medo e das preocupações, insistem nos espaços de ensino como um lugar próprio para exercer a cidadania

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Se por um lado o momento político parece inflamar manifestações violentas e incentivar o discurso de ódio, a reprodução dessa cólera esbarra em barreiras potentes. Na primeira semana pós-eleição algumas universidades se tornaram palco para rechaçar a violência e construir resistência. Os universitários de hoje – alguns deles os secundaristas do movimento de 2015 – revelam, mais uma vez, que os espaços de ensino ainda são importantes ambientes para a participação social.

Nas regiões onde eles lideraram as ocupações ficou o legado de menos salas fechadas, mas a vida dessas meninas e meninos tomou contornos diversos. Depressão, perseguição, senso crítico fortalecido e o estímulo para outras formas de engajamento político e social permanecem.

Agora, diante de um futuro cada vez mais incerto, e depois de um processo eleitoral dramático, os jovens – alguns deles na universidade – tentam se rearticular para dar conta do presente.

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Em 2015, Gabrielli Andrade da Silva, hoje com 19 anos, estudava no colégio Américo Brasiliense, um dos mais tradicionais de Santo André, na Grande São Paulo. Ela participou da ocupação da escola e elegeu-se presidenta do grêmio estudantil.

Há um ano Gabrielli cursa Direito em uma universidade privada de São Paulo. Um pouco antes de deixar o ensino o médio, ela se afastou do movimento estudantil e, embora hoje seja filiada ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB), limita sua militância a ações do dia a dia e mobilizações específicas.

“Eu estive em depressão por um tempo. Fiz terapia e ainda faço, mas já estou em outra fase. Muitos de nós (secundaristas) sofremos perseguição, ameaça; era pesado. Resolvi me afastar pela minha saúde mesmo. Agora na universidade é difícil, a estrutura não favorece que a gente se organize. É diferente. Não me sinto parte de lá como era da escola”, conta a jovem.

O jeito para a universitária foi participar das mobilizações de rua durante a campanha, como a do #Elenão, puxada pelas mulheres. “Para mim as eleições foram trágicas. Estou com medo do que está por vir. Além das perseguições, ficaremos sem muitas oportunidades.”

O que Gabrielli não somou ao seu balanço dos frutos do movimento secundarista de 2015 foi a influência das ocupações para a tomada de consciência dos estudantes em todo o País.

Vice-presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) do Ceará, Jonathan Sales, 18 anos, se inspirou nas ocupações de São Paulo para, em 2016, apoiar o aviso de greve dos professores do seu estado:  uniu colegas que, em menos de um mês, ocuparam 49 escolas cearenses.

Ainda que preocupado, o estudante do terceiro ano do ensino médio aposta no momento político atual como oportunidade para conversar com mais pessoas. “A cada proposta descabida promovemos novas discussões e aos poucos vamos avançando”, acredita.

Sobre o medo de sofrer represálias ou de pessoas contrárias às ocupações, Jonathan diz já ter sido insultado por policiais e que vários de seus amigos de ocupação foram agredidos e ameaçados. “Nenhuma ameaça se concretizou. Hoje o medo é de ser agredido por ter uma posição contrária ao ódio, ao fascismo, de ser agredido por ser contra a agressão.”

O secundarista conta que o debate eleitoral reacendeu as discussões políticas nas escolas de Fortaleza, com uma tendência a polarização de ideias. “Estamos debatendo com os alunos para mudar isso. O jeito é dizer qual é a nossa realidade e a necessidade de enfrentar um projeto que retira nossos direitos e nos cala”, argumenta o garoto.

Com todas as dificuldades, Jonathan não encara com desânimo o que está por vir. Para ele, o momento é de resistência. “É hora de ir às ruas. Fortalecer as bases do movimento estudantil. O Senado quer criminalizar os movimentos sociais e o governo privatizar a previdência, que vai prejudicar principalmente nós, jovens, que estamos entrando no mercado de trabalho agora.”

Assim como Jonathan, o estudante Vitor Melo, de São Paulo, acredita que os movimentos sociais precisam estar mais presentes nas periferias.

Vitor tinha 17 anos na época das ocupações. A escola onde estudava não seria diretamente atingida pela reorganizar escolar proposta pelo governo de Geraldo Alckmin à época, mas ele e seus colegas decidiram ocupar a unidade após um episódio de violência da polícia contra seus professores. Pesou também a solidariedade aos colegas que seriam atingidos pelo fechamento das salas e unidades.

“Foi o maior aprendizado que tive. Sabia que a escola era sucateada, todo mundo que estuda na escola pública sabe, mas foi na ocupação que eu entendi que isso faz parte de um projeto. Defendo programas de inclusão social e hoje entendo por quem devo lutar, que é o povo da periferia, que é de onde eu sou.”

Vitor está estudando História em uma universidade privada por meio do Prouni. Ele está no Diretório Acadêmico mas, como a instituição é nova, a falta de tradição política no espaço cria dificuldades. “Eles (os proprietários da universidade) fazem o que podem para nos minar lá.”

Sobre o polêmico – e sempre de volta – projeto Escola Sem Partido, o jovem é categórico ao afirmar que a intenção é suprimir movimentos como os de 2015. “Querem silenciar as escolas, querem silenciar os estudantes. Não querem estudantes como eu e meus colegas de ocupação. Não querem questionamentos. Querem robôs para serem força de trabalho. O estudante que luta pela educação, quando virar adulto, vai lutar por outras coisas, eles sabem. O discurso de doutrinação é o mais oportunista de todos”, conclui.

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