Sociedade

‘O que o Rio está pleiteando é um tratamento parecido com o que o governo federal deu a Minas’

Mauro Osório, professor da UFRJ e especialista em desenvolvimento econômico nacional, defende manter a atual concessionária à frente do Galeão

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A urgência do enfrentamento ao aquecimento global em um cenário no qual os governos ainda procuram se recuperar das crises econômica, ambiental e sanitária que se misturaram ao longo dos últimos anos colocou as metrópoles do planeta contra a parede. No Brasil, a crise estrutural veio agravar problemas crônicos de emprego, habitação e mobilidade que subjugam as maiores cidades e fez com que conceitos como “morte da cidade” e “desencanto urbano” voltassem a povoar as análises de diversos acadêmicos e economistas.

Um deles é Mauro Osório, professor da UFRJ e especialista em desenvolvimento econômico nacional. Com trajetória próxima ao emblemático Carlos Lessa, falecido em 2020 e sobre quem acaba de ajudar a organizar a coletânea de textos O Passado e o Futuro do Brasileiro (Abed), Osório, em entrevista à CartaCapital, discorre sobre o colapso urbano brasileiro e as possibilidades de recuperação em um momento no qual o governo federal está prestes a anunciar um plano para a “neoindustrialização” do País. O economista fala também sobre o Rio de Janeiro, vítima nos últimos meses de uma falência múltipla de empresas concessionárias que coloca em xeque o funcionamento de serviços públicos como fornecimento de energia elétrica, trens, barcas e aviões.

Confira a seguir.

CartaCapital: Como os conceitos “morte da cidade” e “desencanto urbano” se aplicam hoje às principais metrópoles brasileiras?

Mauro Osório: O Brasil tem uma problemática muito grave, principalmente nas periferias metropolitanas. Foi um país que ao longo do século XX urbanizou-se com uma velocidade absurda, mas a partir dos anos oitenta entrou em um ciclo de crise fiscal e raquitismo de crescimento econômico. Resolvemos a questão da inflação, mas continuamos com uma taxa de juros absurdamente alta que inviabiliza ou dificulta muito os investimentos de médio e longo prazos das grandes cidades. Essa taxa de juros absorve uma parcela imensa da receita pública e dificulta parcerias público-privadas. O Brasil é um país extremamente desigual. Esta é uma questão a resolver.

Mais até do que na questão do turismo, o Galeão é absolutamente fundamental para reindustrializar o Rio 

CC: Quais as saídas possíveis para a crise econômica das metrópoles brasileiras, à luz dos ensinamentos de Carlos Lessa?

MO: Nosso querido professor Lessa sempre foi um economista que teve preocupação imensa com a questão urbana e metropolitana e sempre pensou em estratégias autônomas de desenvolvimento para o Brasil. À luz de seus ensinamentos, a primeira questão é promover uma política integrada de infraestrutura. Quer dizer, o País precisa ter um programa forte e integrado, um grande new deal, e se quiser trilhar esse caminho poderá contar com os recursos internacionais ou de bancos de fomento, do BNDES e do Banco dos BRICS agora presidido pela ex-presidente Dilma Rousseff.

Outro desafio fundamental, segundo o pensamento do Lessa, é levar empregos de qualidade às periferias metropolitanas, principalmente a do Rio de Janeiro, que é um deserto produtivo. É preciso aproximar a moradia e o emprego para imprimir mais qualidade de vida. Se as pessoas conseguem trabalhar perto de onde moram, conseguem participar mais da vida social e política dessas regiões e desenvolvem até mesmo uma maior autoestima. Tudo isso deve ser coordenado pelo Estado com planejamento e com a preocupação de realizar concursos públicos, ter quadros qualificados e valorizar o Sistema Único de Saúde. Tudo isso, claro, a partir de uma política econômica que priorize a indústria.

No caso do Rio, onde há muitas áreas de proteção ambiental na periferia metropolitana, pode se pensar em um new deal verde para resolver a questão da infraestrutura. A busca por essa resolução pode gerar muitos empregos e aumentar a qualidade de vida, o que é absolutamente fundamental. Também fortalece a cidadania porque gera melhorias na qualidade da educação e investimentos na cultura.

Se comparada a outras metrópoles mundiais, a cidade do Rio é uma das mais fragmentadas e espraiadas

CC: A situação do Rio é pior do que a nacional?

MO: No Rio é pior porque a crise do estado é muito pesada. Até a fusão entre o Estado do Rio de Janeiro e a Guanabara em 1975 tínhamos aqui duas unidades federativas. A cidade da Guanabara, hoje cidade do Rio, tinha privilégio tributário, pois ficava com todo o imposto estadual e o imposto municipal. As capitais normalmente ficam com 20% do imposto estadual sobre o que foi produzido ou consumido no seu território e 80% vai para o Governo do Estado e é distribuído ou investido entre as outras prefeituras. Em outras metrópoles – e a gente pode ver isso com clareza, por exemplo, nas regiões Sul e Sudeste – os governos estaduais tiveram muito mais condições de investir em suas periferias metropolitanas.

Assim como em São Paulo, houve no Rio uma migração muito grande desde os anos 30, principalmente de pessoas do Nordeste e da parte pobre de Minas Gerais. A partir dos anos 40 já não havia muito espaço para morar nas favelas e muito poucas habitações populares, então as pessoas começaram a morar na Baixada Fluminense. Elas vinham ao Rio buscar emprego na capital da República, mas iam morar na Baixada que, em 1940, tinha 200 mil habitantes e hoje tem perto de quatro milhões de habitantes.

Isso aconteceu sem que fosse feito nenhum investimento integrado em infraestrutura. O governo do antigo Estado do Rio e as prefeituras tinham poucos recursos e o então Distrito Federal, a Guanabara, ficava com quase todo o imposto estadual. A pessoa vinha trabalhar e gerar recursos e impostos na cidade, mas os sucessivos governos ignoraram a necessidade de investimento na periferia metropolitana, principalmente na Baixada. Deu no que deu. Na UFRJ, as pesquisas que fazemos no Observatório de Estudos sobre o Rio de Janeiro – com base em indicadores de água, saneamento, emprego, educação e saúde – mostram com muita clareza que o Rio tem de longe a periferia metropolitana com a situação mais precária em toda a região Sul-Sudeste.

CC: Há explicação para o fato de diversas concessionárias de serviços públicos no Rio ameaçarem abandonar suas concessões?

MO: Se observarmos os últimos dados do Caged, até abril de 2023 o Brasil já recuperou 2.587.751 empregos com carteira assinada desde os dois anos iniciais de recessão com perda de empregos ocasionados pela crise política e econômica após dezembro de 2014. No entanto, o estado do Rio de Janeiro ainda está perdendo 402.198 empregos. Há no Rio uma crise específica que afeta o consumo e a demanda e provavelmente está afetando essas empresas. É um conjunto de três coisas: falta de estruturação das agências reguladoras estaduais; crise da presença do Estado que leva ao controle de territórios por traficantes e milicianos; e o impacto econômico de uma crise histórica mais grave. Apesar de nos últimos dois anos a geração de empregos ter retornado, há uma crise estrutural no estado do Rio. O Rio tem uma perda de participação no PIB nacional de 40%. Desde 1985, passou da segunda para a sexta posição entre os estados com mais empregos na indústria de transformação, ultrapassado por Minas, Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina.

CC: As agências reguladoras são parte do problema?

MO: Na medida em que se troca um monopólio público por um privado, ou se tem as agências reguladoras funcionando adequadamente ou vai dar problema. Além disso, grande parte das nomeações para as agências são derivadas em muitas vezes da politicagem. São indicações sem concurso público e aí dá nessa falta de eficiência.

CC: O legado da Olimpíada de 2016 foi suficiente para resolver os problemas de mobilidade urbana na cidade do Rio?

MO: O legado não é suficiente de jeito nenhum. Se comparada a outras metrópoles mundiais, a cidade do Rio é uma das mais fragmentadas e espraiadas, com a relação habitante por quilômetro quadrado muito baixa. Isso aumenta os custos de manutenção da cidade. O fato de a Olimpíada ter sido feita mais na área de expansão da cidade, na Zona Oeste, estimulou ainda mais esse espraiamento. Teria sido melhor se a Olimpíada tivesse sido feita no Centro ou na zona suburbana, onde poderia ter contribuído para melhorar a estrutura e adensar mais a cidade.

CC: Em termos de mobilidade, qual o principal problema hoje do Rio?

MO: A cidade precisa ter uma política de aproximação entre moradia e emprego. O Centro do Rio, por exemplo, tem 5% das moradias e mais de 30% do total de empregos. Já a área de planejamento que compreende os bairros de Campo Grande, Bangu, Santa Cruz e Realengo tem 27% da moradia e somente 8% do emprego. A periferia metropolitana do Rio é um deserto produtivo e seus municípios com mais de cem mil habitantes, se comparados a outros do mesmo porte nas regiões Sul e Sudeste, ficam na rabeira e têm a pior relação entre emprego e população. No caso de empregos na indústria, é pior ainda. Quem mora na Baixada Fluminense, em São Gonçalo ou na Zona Oeste vai trabalhar no Rio todo dia, e isso sobrecarrega o sistema de transportes e piora a qualidade de vida do trabalhador com o tempo de deslocamento entre sua casa e o emprego.

CC: O que pensa sobre a possível saída da empresa concessionária do Aeroporto do Galeão?

MO: Acho que tem que manter a atual concessionária. Mais até do que na questão do turismo, o Galeão é absolutamente fundamental para reindustrializar o estado do Rio de Janeiro. É um grande aeroporto de cargas, fundamental para o complexo industrial da saúde, abriga frigoríficos para a Fiocruz. Em Minas, o governo federal deu autonomia para o governo estadual fazer uma política integrada entre Confins e Pampulha. A restrição da quantidade de voos em Pampulha foi extremamente pesada para viabilizar Confins.

O que o Rio de Janeiro está pleiteando é um tratamento parecido com o que o governo federal deu à Minas. Não pode levar em consideração somente o conforto da classe média alta da Zona Sul, que prefere o Santos Dumont. É preciso ter uma estratégia pública. Hoje, o emprego formal na indústria no Rio é de apenas 8%, é o estado brasileiro no qual o emprego industrial tem o menor peso no número total de empregos. Então, o Galeão para nós é decisivo e radicalmente estratégico.

CC: O que diria Lessa sobre isso?

MO: O Lessa foi um grande defensor, por exemplo, do Terminal de Conteineres de Itaguaí como um hub port para toda a América Latina, exatamente para atrair as indústrias a se instalarem na retroárea desse porto e com isso gerar empregos, receita pública e desenvolvimento econômico. O terminal existe, mas está longe de se tornar um hub port, então é preciso fazer a ferrovia chegar ali, fazer investimentos em infraestrutura e uma política de industrialização. Esperamos que o Banco Central comece não somente a baixar a Taxa Selic, mas que faça isso de acordo com o que indica a política monetária correta. Isso facilitará muito os investimentos de médio e longo prazos.

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