Sociedade
O legado de Bernadete Pacífico, a ialorixá e líder quilombola assassinada na Bahia
Liderança da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos, ela denunciava a violência na região

“Mulher negra da vida difícil, mas mesmo assim continuo, porque ser quilombola é resistência”. Esta foi uma das últimas declarações públicas de Maria Bernadete Pacífico Moreira, líder quilombola da comunidade Pitanga dos Palmares e da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos.
Porta-voz de denúncias de violência e autora de pedidos de paz na comunidade, ela foi executada a tiros na noite da quinta-feira 17, em sua casa, aos 72 anos.
Mãe Bernadete, como era conhecida, foi secretária de Políticas de Promoção da Igualdade Racial na cidade de Simões Filho (BA), onde fica o terreiro, durante a gestão do prefeito Eduardo Alencar (PSD), encerrada em 2016.
No cargo, ela trabalhava para promover e fortalecer a memória local. Por meio do selo de certificação dos produtos de procedência quilombola, por exemplo, chegou a organizar uma viagem de representantes à África do Sul.
A titulação do quilombo liderado por ela ainda não foi concluída, apesar de o espaço ter sido certificado há quase uma década. Nas terras, vivem 290 famílias, e 120 agricultores produzem frutas como abacaxi, banana da terra, inhame e maracujá, além de verdura e farinha.
Os planos de Bernadete após os anos de pandemia envolviam construir uma “trilha da resistência”, para a juventude local persistir com a proteção da mata local, segundo ela relatou em um documentário lançado em 2021 pelo Centro de Cidadania de Salvador.
Na obra, ela se autointitula “pastora e sambadeira”. Sua história de vida está intrinsecamente ligada à defesa da cultura popular quilombola, sobretudo por meio da paixão pela Dança de São Gonçalo e pelo Baile Pastoril Queimada da Palhinha.
Ela foi responsável pela fundação da Casa do Samba de Santo Amaro, em 2006, tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e onde se produziam acervos, pesquisas e eventos sobre as raízes e as variações do samba.
Ativista, cobrava justiça pela morte do filho Flávio Gabriel dos Santos, o Binho do Quilombo, executado em 2017 na área do quilombo. O caso ainda é investigado pela Polícia Federal da Bahia e nenhum dos suspeitos foi condenado. A delegacia agora apura o atentado contra ela.
Em julho deste ano, Bernadete participou, ao lado de outras lideranças quilombolas baianas, de um encontro com a presidente do Supremo Tribunal Federal, Rosa Weber, no qual cobrou proteção aos quilombos.
Além das intercorrências ligadas à disputa por terras, Bernadete foi vítima de intolerância religiosa durante uma sessão na Câmara de Simões Filho, na qual foi homenageada e recebeu o título de cidadã local.
Com a honraria, porém, foram distribuídas bíblias cristãs aos homenageados de religião de matriz africana.
“Esse pai que me sustenta, essa fé que me segura é muito grande. É muita dificuldade, mas eu sei que ele me oxigena”, relatou Mãe Bernadete no documentário.
Ela deixou o marido, João, além de netos e filhos.
Ao final do documentário, Maria Bernadete Pacífico Moreira compartilha um recado: “Tenho 70 anos e não estou cansada, não. Até onde eu puder, eu vou, mas vocês vão ficar com este cajado. Segurem, meus netos, que não é só eu que lhe dei, primeiramente Deus. Segurem isso e levem em frente, vocês e toda a comunidade”.
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