Sociedade

O combate ao abuso e à exploração de crianças e as feridas invisíveis

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O Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração de Crianças e Adolescentes é também de reflexão (Foto: Antonio Cruz / Agência Brasil)
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Há uma média assustadora de crianças exploradas sexualmente no Brasil: 513 vítimas a cada 24 horas

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A formação de uma pessoa, a construção de seus valores, a associação entre os fatores psicológicos e relacionais se dão, sobretudo, no período da infância. E esta fase da vida humana está garantida (ou deveria estar) por um marco de direitos: o Estatuto da Criança e do Adolescente, que completará 28 anos em julho.

Em seu artigo 4º, o ECA diz que é “dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer” à criança e ao adolescente entre tantos outros direitos listados no texto.

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Seguimos um pouco mais adiante na leitura do Estatuto e nos deparamos com o artigo 5º que diz que “nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais”. E ao artigo 244-A que classifica como crime, com pena de reclusão, submeter a criança ou o adolescente à exploração sexual.

Estamos falando de uma lei que existe há quase três décadas. Um instrumento considerado avançado e vanguardista. Mas se o país avançou tanto em reconhecimento direitos, ainda é um atraso na garantia deles. E hoje, Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração de Crianças e Adolescentes,é um dia de luta, mas também de reflexão para pensarmos em maneiras eficazes de ação numa batalha que os números nos mostram em desvantagem.

Se somarmos somente quatros anos (de 2012 a 2016) de denúncias feitas (53.151) ao Disque 100, e considerarmos as estimativas do canal de denúncia, chegaremos a uma média assustadora de crianças exploradas sexualmente no Brasil: 513 vítimas a cada 24 horas. Segundo o Disque 100, apenas 7 em cada 100 casos são notificados.

Isso significa dizer que neste período tivemos cerca de 750 mil crianças e adolescentes explorados sexualmente.

E não podemos perder de vista que antes de chegar à exploração, a criança já passou por outras etapas de violência, como a negligência, o abandono e o abuso (quando não há interesse em lucrar, e normalmente é cometido por alguém da família ou um conhecido).

Somente as rodovias e estradas federais de todo o Brasil tem 2.487 pontos considerados vulneráveis à exploração de crianças e adolescentes, segundo dados divulgados pela Polícia Rodoviária Federal na sétima edição do projeto Mapear 2017/2018, executado em parceria com a organização Childhood Brasil. O número mapeado por este levantamento é 20% maior que o registrado no biênio anterior.

Agora vem a pergunta: por que essa “conta” não fecha? Como podemos ser tão avançados em termos de garantia de direitos e ao mesmo tempo capazes de produzirmos números tão devastadores?

Grande parte dos casos de exploração está associada à estrutura familiar dizimada, à pobreza, à miséria que despertam o interesse de aliciadores, de agenciadores que veem na condição da desigualdade social profunda uma “oportunidade de fazer dinheiro” com a vida de um inocente e indefeso.

Mas sabemos que a exploração sexual não tem uma única causa.

Os riscos somados estão ligados ao ambiente em que a criança se desenvolve, ao abuso sexual, à violência doméstica, física e psicológica, à drogadição, que atingem todas as classes sociais, e vários outros fatores ligados a questões sociais, culturais e ambientais que comprometem o desenvolvimento da criança e potencializam sua vulnerabilidade.

Mas fato é que se a exploração sexual existe, há quem lucre com isso, há quem “consuma”, há quem vire as costas, há também aqueles que prevaricam.

Se voltarmos ao artigo 4º do ECA veremos, primeiramente, que proteger e garantir os direitos da criança e do adolescente é dever de todos nós, ou seja, de cada um de nós.

Eu vi esse comprometimento vindo de uma só pessoa que fez muita coisa acontecer ao redor dela.

Há pouco mais de um ano, quando estive em uma viagem de trabalho para conhecer iniciativas ligadas a entidades cristãs que atuam no combate à exploração sexual de crianças e adolescentes na Tailândiia (a cidade de Pattaya, por exemplo, vem tentando se desvencilhar da fama de capital do turismo sexual do mundo) conheci o projeto Home Of New Beginnings (“Lar de novos começos”, em tradução livre).

Foi uma das experiências mais avassaladoras que já vivi. Tanto no sentido de ver tão de perto a degradação humana provocada pela ganância e por sentimentos nefastos que movem as pessoas, quanto por assistir ao trabalho incansável de outras tantas comprometidas com esta luta e ver também de perto a transformação que ela é capaz de gerar quando bem-sucedida.

A fundadora da casa de acolhimento, a americana Bonita Thompson largou o próprio país depois que, em uma visita à Tailândia, viu a condição brutal de muitos jovens. Há 14 anos, ela criou o espaço que além de acolher, dá oportunidade de estudos a meninas que antes viviam na chamada Red Light District, ou “Distrito da luz vermelha”, região onde vivem cerca de dez mil mulheres de todas as idades que se prostituem.

Eu me lembro de perguntar a Bonita como ela encontrava forças para ir àquele lugar tão degradante, cheio de meninas que ainda estão na fase das “bonecas” e são vistas como mercadorias. E ela me contou que o que a encorajava era ver reconstruída a vida dessas jovens, transformadas as chances a partir de uma única oportunidade, que elas finalmente encontravam, de poder estudar, de sentir que tem gente que se preocupa com elas e lhes dá atenção.

E quantas crianças e adolescentes crescem sem nunca encontrar um rosto e uma voz como a de Bonita?

O poder público, até pela capilaridade de sua atuação, deve agir de maneira integrada desde a análise local (já se sabe que existe subnotificação dos casos e isso precisa ser considerado) até a mobilização, responsabilização, atendimento e acima de tudo, a prevenção deste crime.

Unir as forças de segurança, como as polícias (militares, rodoviária, federais) e as guardas municipais. Integrar e estruturar serviços do Judiciário, Ministérios Público e Polícia Civil. Ampliar a estrutura de atendimento das delegacias especializadas na proteção da criança e do adolescente. Trabalhar na inteligência para identificação dos grupos de aliciadores e agenciadores. Essas, seguramente, são medidas urgentes.

Em outra ponta, promover ações na área da educação, inclusive com capacitação profissional para que os casos como de abuso sexual, possam ser identificados com maior facilidade, fortalecer os canais de denúncia, inclusive municipalizando o Disque 100, buscar parceiros na sociedade civil para amplificar o poder da conscientização. São algumas lições de casa que costumam ser jogadas na gaveta. Na prática, vemos os casos, ainda que subnotificados, crescerem.

Tudo o que precisamos evitar é que caminhemos para uma humanidade anestesiada diante de tantas mazelas, que não atue e não cobre de quem deve atuar.

As grandes transformações no mundo só ocorreram porque vozes indignidades foram erguidas. Pense em quantas conquistas foram obtidas ao longo da história com lutas que começaram em pequeno número, cresceram e avançaram para grandes vitorias. Se não queremos fazer parte do que está errado, devemos lutar pelo que é certo. Acredito que as crianças só podem contar com isso. Nada mais.

*Carlos Bezerra Jr. é médico, deputado estadual e presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de São Paulo

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