Sociedade

Muito além do 7×1: o legado maldito da Copa de 2014 para o Brasil

Autoridades haviam prometido que custos das arenas e obras seriam bancados pelo setor privado. Mas maioria do investimento veio do governo

Para analista, Temer busca apoio da mídia e dos agentes econômicos a partir da defesa das reformas, cuja aprovação ficou mais difícil

A divulgação da lista do ministro Luiz Edson Fachin deve comprometer a discussão das reformas trabalhista e da Previdência no Congresso Nacional. Com quase uma centena de políticos investigados, entre ministros do alto escalão do governo Michel Temer, deputados e senadores, a lista impõe um clima de tensão que prejudica as negociações necessárias à aprovação de qualquer reforma.

A avaliação é da cientista política Andréa Freitas, professora da Universidade de Campinas (Unicamp) e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). “Reformas muito complexas como a da Previdência são muito negociadas. Em um contexto de crise, a negociação é mais pesada, os deputados vão exigir mais”, diz Freitas, especialista no estudo de temas como a relação Executivo-Legislativo.

Carta Capital: Qual é o impacto da lista do ministro Luiz Edson Fachin sobre a classe política?

Andréa Freitas: Quando surge uma lista dessas, com tantos nomes, a sensação que fica é a de que estão todos envolvidos, são todos iguais, todos corruptos. E assistir aos vídeos das delações gera um desconforto ainda maior. A gente sempre soube que existe corrupção no Brasil e que a relação das empreiteiras com o governo não é saudável, mas, no discurso deles (executivos), isso é colocado como algo natural, algo próprio do sistema.

É tão natural que fica difícil processar. Será que é possível funcionar com um modelo diferente? O que significaria um modelo diferente? Alguma reestruturação precisa haver. A questão é saber se vamos para um caminho melhor ou pior. Ou, ainda, um caminho que deixe tudo como está.

CC: Qual é o seu palpite?

AF: Eu acho que essa é a verdadeira obsessão de todo cientista político no momento: entender o que está acontecendo e conseguir dimensionar as consequências disso no sistema político como um todo.

Tudo depende de como a Operação Lava Jato vai acabar. Se houver punição efetiva a um conjunto razoável de políticos, o efeito tende a ser mais positivo. Se o resultado for impunidade, a população vai ficar muito desgostosa dessa classe política. Já está. E como o tempo da Justiça é muito lento, a sensação de impunidade vai vir em algum momento. Talvez nas eleições de 2018 a gente seja capaz de ver o quanto isso é negativo.

CC: A lista atinge Michel Temer e oito de seus ministros. Isso pode prejudicar a aprovação das reformas trabalhista e da Previdência?

AF: Há duas questões que precisam ser avaliadas: uma é a relação do Executivo com o Legislativo; outra é a visão da população sobre as reformas e a legitimidade delas. Do ponto de vista da população, o escândalo e a crise política enfraquecem a legitimidade dos sujeitos que estão tomando decisões muito sérias, que afetam a vida de todos. O cálculo dos parlamentares vai estar mais associado a essa legitimidade difusa da classe política, mas eu não acho que isso afete necessariamente a capacidade que as reformas têm de passar.

O que eu acho que afeta as reformas ou torna mais complexa a negociação é a insegurança em relação aos atores, em relação às promessas que são feitas. Por exemplo: você faz um acordo com um ministro, ele está envolvido e daqui um mês ele pode não ser mais ministro. Isso torna mais frágil a posição de negociador.

É muito difícil fazer negociação nesse ambiente, e eles estão enfrentando vários temas sensíveis: reforma da Previdência, reforma trabalhista e reforma política. Não acho que exista ambiente para conduzir várias negociações difíceis ao mesmo tempo.

CC: O vice-presidente da Câmara dos Deputados, Fábio Ramalho (PMDB-MG), sugeriu que o governo abandone a reforma da Previdência. Um dos argumentos é que a reforma é rejeitada por toda a sociedade.

AF: Eu sinceramente acho que esse tipo de declaração não tem nada a ver com a população, mas sim com o tipo de troca que se estabelece entre eles para aprovar uma proposta tão complexa. Essa troca não precisa ser corrupção, necessariamente. Reformas muito complexas como a da Previdência são muito negociadas.

A negociação vem, por exemplo, por meio de concessões dentro do próprio texto. O texto do Temer jamais passaria como foi proposto, não existe isso na política. O texto, chegando ao Legislativo, é modificado. É esse processo de negociação que torna possível a aprovação da proposta.

Em um contexto de crise, a negociação é mais pesada, os deputados vão exigir mais. Eles precisam confiar que os acordos serão cumpridos e vão querer mais concessões do governo. E talvez o governo não tenha como fazer concessões em um momento de crise. Então, se por um lado há essa declaração, de outro lado existe a declaração do Temer de que não é possível parar a reforma. E, do ponto de vista do Temer, isso é muito concreto.

CC: Por quê?

AF: Grande parte do que sustenta ou que dá legitimidade ao Temer, em especial na conversa com a mídia e com os meios econômicos, é o discurso de que ele está tentando passar reformas que são necessárias para o Brasil.

Esse discurso das reformas é o que o sustenta, é o restinho de legitimidade desse governo. É um discurso que está nos jornais diariamente. Não é só uma prioridade do governo, certo? O ajuste das contas públicas é uma prioridade de vários setores importantes. Dizer que essa é a prioridade do governo é o que sustenta esse governo. Caso contrário ele estaria no meio da lama.

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Por Louis Genot

Para os torcedores brasileiros, a Copa do Mundo de 2014 ficou marcada pelo trauma do 7 a 1 diante da Alemanha.  Mas os estragos vão muito além do aspecto esportivo: com estádios abandonados e projetos de infraestrutura não concluídos, o país desperdiçou valores astronômicos dos cofres públicos.

Quando o país mais vezes campeão mundial foi escolhido para sediar a competição, em 2007, os torcedores sonhavam em costurar uma sexta estrela em sua camisa. E as autoridades haviam prometido que os estádios seriam financiados em grande parte pelo setor privado.

O país estava em plena expansão econômica, o que também lhe permitiu obter, dois anos depois, a organização dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro-2016. Mas o Mundial custou muito mais do que o esperado, 27 bilhões de reais, contra 17 bilhões anunciados inicialmente.

Apenas 7% dos R$ 8,3 bilhões destinados à construção ou reforma de 12 estádios saiu diretamente do setor privado.

Ao levar em consideração os créditos de bancos públicos, as empresa e os clubes que participaram nas obras, que supostamente estão sendo reembolsados, o percentual sobe para 17%.

Obras abandonadas

“O legado da Copa de 2014 é negativo dada à amplitude do projeto. O investimento foi muito além do previsto e o volume do que foi realizado ser muito aquém do que foi planejado”, lamentou Paulo Henrique Azevedo, diretor do Gesporte, grupo de estudo sobre gestão esportiva da Universidade de Brasília (UnB).

“Muitos projetos de mobilidade urbana em várias cidades não só não foram concluídos, como foram totalmente abandonados”, completa. Reformas de estradas, aeroportos, projetos de metrô: dezenas de obras jamais viram a luz do dia.

Para os Jogos Olímpicos de 2016, o então prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, criticou duramente o legado do Mundial de 2014.

“A Copa do Mundo foi marcada por obras não concluídas, estádios muito grandes, que muitas vezes viraram elefantes brancos, diante da falta de investimento privado”, disse Paes, que prometeu outro cenário para a Rio-2016.

Mas atualmente as instalações do Parque Olímpico são subutilizadas.

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Das 12 cidades que receberam partidas da Copa do Mundo, o Rio foi a única que concluiu as obras de transporte planejadas, fundamentalmente porque foram incluídas no projeto dos Jogos Olímpicos. Mas boa parte das obras foram concluídas antes das Olimpíadas – e não para o Mundial da Fifa.

Paulo Henrique Azevedo considera que o Brasil pagou caro por ter optado pela “construção de muitos estádios, por razões políticas”, para atender aos líderes políticos locais.

Alguns estádios foram construídos em cidades que não possuem equipes de alto nível – Manaus, Cuiabá ou Brasília – e onde a presença de torcedores é pequena.

Imaginário coletivo

Tudo isto sem considerar os escândalos de corrupção que afetaram as obras, em sua maioria superfaturadas. “Alguns dirigentes pouco escrupulosos se beneficiaram da amplitude faraônica dos projetos para cometer uma série de atos ilegais” destacou o professor.

Para a reforma do Maracanã, palco da final da Copa em que a Alemanha venceu a Argentina por 1-0, o cimento custou o triplo do preço de mercado, segundo um relatório do Tribunal de Contas.

Em 2012, o ex-jogador e atual senador Romário advertiu que a Copa no Brasil seria “o maior roubo da história”. 

A derrota para a Alemanha foi uma grande humilhação para um país que pretendia jogar para segundo plano todas as polêmicas em caso de título. “No imaginário coletivo, a humilhação por 7 x 1 se sobrepôs a todos os erros que o Brasil havia cometido na organização desse Mundial”, afirmou Rodrigo Mattos, jornalista esportivo, em seu livro “Ladrões de Bola”, de 2016.

Mas nem tudo é de se jogar fora. Apesar do psicodrama que cercou os atrasos na construção dos estádios, a Copa do Mundo aconteceu sem grandes problemas, em uma atmosfera festiva que marcou os espíritos.

Este sucesso também deu ao país confiança para a organização dos Jogos Olímpicos, que também foram bem-sucedidos.

Mas desde então, o Brasil mergulhou em uma recessão histórica e o turismo também se viu afetado pelo ressurgimento da violência, que mancha ainda mais o legado desses grandes eventos esportivos.

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