Justiça

Morte misteriosa de adolescente comove e mobiliza vilarejo no sul da Bahia

Erika Batista, de 18 anos, viajou para acampar com o namorado e amigos em uma praia. Foi encontrada morta e com sinais de violência sexual

Moradores de Cumuruxatiba protestam contra o assassinato de Erika (Foto: Coletivo de Mulheres de Cumuruxatiba)
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por Fernanda Lelles, especial para CartaCapital

Dia 22 de agosto. A pequena vila de pescadores no distrito de Cumuruxatiba, no município de Prado, litoral sul da Bahia, amanheceu em choque. No grupo de WhatsApp que a comunidade de 5 mil habitantes utiliza para comunicação, um áudio informava que o corpo de uma jovem tinha sido encontrado em uma praia bem perto dali. 

Erika Rodrigues Batista, de 18 anos, havia saído para acampar com o namorado e mais dois casais na praia do Rio do Peixe Grande. Horas depois, foi encontrada morta a menos de um quilômetro de onde acampavam. Estava despida da cintura para baixo. O laudo policial constatou que ela foi estuprada e que morreu asfixiada por esganadura.

Cumuruxatiba fica longe do município de Prado (aproximadamente uma hora em estrada de terra) e não possui policiamento 24 horas. Passear à noite e acampar nas areias é comum entre moradores e turistas que frequentam a região. Na madrugada do crime, a lua estava cheia e a praia, coberta pelo luar. Erika havia decidido caminhar com uma das moças do grupo por volta da 1h30. Mas elas teriam se desencontrado no caminho.

O corpo de Erika foi localizado pelo namorado Jhonatas Rocha, também de 18 anos. Em entrevista à TV local, ele contou ter ido dormir às 22h30 do sábado, antes de Erika, que teria continuado conversando com o restante do grupo que acampava com eles. Por volta das 3h30, acordou, sentiu falta dela, e foi à barraca do amigo Mateus para que fossem procurá-la. Ao encontrá-la na praia, teria feito respiração boca a boca e gritou pedindo ajuda. Em seguida, moradores apareceram e constataram que Erika já não estava viva.

Erika Rodrigues Batista tinha 18 anos e viajava pela primeira vez sem a companhia de familiares (Foto: Arquivo Pessoal)

No dia seguinte ao assassinato, moradores se reuniram em um protesto na praça central da vila. Participaram cerca de 100 pessoas. A maioria eram mulheres, que ao final do trajeto, decoraram a praça com cartazes em que pediam justiça por Erika e pelo fim do feminicídio. O movimento ganhou adesão regional e outros protestos ocorreram nas cidades vizinhas de Teixeira de Freitas, Prado e Corumbau.

No dia 30 de agosto, foi realizada uma audiência pública na Câmara Municipal de Prado com a presença de familiares de Erika, vereadores, secretárias municipais, o delegado Kleber Gonçalves, responsável pelo caso e o Coletivo de Mulheres de Cumuruxatiba. Também foram abordados outros feminicídios ocorridos no município e ainda sem desfecho, como o caso da adolescente Natália Sampaio Santos, encontrada com uma pedra amarrada ao pescoço e marcas de perfurações pelo corpo no Rio Jucuruçu, na cidade de Prado.

Moradores de Cumuruxatiba e familiares de Erika em audiência pública na Câmara Municipal de Prado (Foto: Fernanda Lelles)

Lacunas na investigação

A área onde a jovem foi encontrada e o local do acampamento não foram isolados pela polícia. Os vestígios deixados pelos jovens — como madeiras usadas para a fogueira e um saco de lixo com garrafas de bebidas — seguem ainda na praia. Apenas o Instituto Médico Legal foi ao distrito para retirar o corpo, e não a polícia, como seria de praxe em mortes violentas. Segundo o delegado Gonçalves, o IML foi designado porque a polícia havia sido informada de que a ocorrência se tratava de um afogamento. 

A área onde a jovem foi encontrada e o local do acampamento não foram isolados pela polícia

Sobre o caso de Erika, Gonçalves afirmou que a polícia trabalha com quatro linhas de investigação, mas que espera descartar duas delas nos próximos dias. Segundo ele, foram ouvidas seis pessoas, entre elas os cinco jovens que estavam acampados com Erika, além de uma tia da vítima. Perguntado se a polícia ouviria outras testemunhas, Gonçalves respondeu que a etapa de oitivas já foi realizada. “Estamos em outra etapa da investigação.” 

 

Perguntado sobre o porquê de não ter ouvido moradores de Cumuruxatiba, já que todos os depoimentos foram realizados em Teixeira de Freitas, o delegado afirmou que eles foram ouvidos ‘informalmente’. “Não chamei à delegacia, mas conversei. As informações que eles tinham eu colhi.”

O Coletivo de Mulheres de Cumuruxatiba trata o caso como como feminicídio: quando a mulher é morta em razão do gênero e que tem pena aumentada. O delegado Gonçalves contemporiza. “Pode ser que eu venha a transformar ao final do inquérito em feminicídio”, diz. “Mas, a princípio, estamos trabalhando com os crimes de estupro seguido de morte.”

Em entrevista a CartaCapital, Leidiane Batista, mãe da vítima, conta que o grupo que estava com Erika no acampamento em Cumuruxatiba foi até sua casa dar a notícia. Ao avistar arranhões nos braços e pernas de uma das moças, de 16 anos  — a última pessoa que teria visto Erika com vida — perguntaram a ela o motivo pelo qual elas teriam se desencontrado.

Segundo Leidiane, a jovem afirmou que elas se beijaram, mas que a menor a deixou e voltou para o acampamento para dormir, pois estava embriagada. A moça teria ainda perguntado se a mãe sabia que a filha se interessava por mulheres. A família, que é evangélica, recebeu com surpresa o relato. 

Sobre o namoro com Jhonatas, Maria de Lurdes Batista, tia com quem Erika vivia, conta que os dois estavam juntos há cerca de um mês e meio, mas que tiveram pouco contato, pois ele frequentava a casa da família mas ficava com Erika apenas na entrada.

A mãe de Erika não acredita no envolvimento do namorado da filha no crime. “Eu disse a ele: o meu coração não sente que foi você, mas se for eu vou ficar muito decepcionada. Ele ajoelhou diante de mim e me disse não ter tido nada a ver com isso.”

Leidiane Batista, mãe de Erika (Foto: Anita Menezes Rocha)

“Se eu tivesse dito não, minha filha ainda estaria aqui comigo”

O corpo de Erika foi enterrado na tarde do dia 23, segunda-feira, no cemitério Jardim da Saudade, em Teixeira de Freitas. Ao lado do caixão a mãe chorava dizendo que pediu pra filha não viajar. Leidiane afirmou que foi a primeira vez que Erika saiu sem a presença de familiares: “Ela me pediu e no começo eu falei não. Ela ficou me adulando, me adulando e eu falei: ‘Erika eu deixo, mas pelo amor de Deus não bebe, não’, ela falou: ‘ô mainha não vou beber”’, conta. Leidiane disse por vezes sentir culpa: “Ela era muito obediente, penso que se eu tivesse dito não minha filha estaria aqui comigo.”

Erika estava no segundo ano do ensino médio, e de acordo com familiares era muito dedicada. “Trabalhava durante a semana como babá e aos sábados em um lava a jato. Além de vender calcinhas e perfumes pra ter as coisinhas dela… O maior sonho dela era ter um trabalho de carteira assinada.”

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