Uma menina ianomâmi de 12 anos morreu após ter sido vítima de estupro em uma comunidade indígena em Roraima, segundo informação divulgada pelo Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kuana, o Condisi-YY, na segunda-feira 25.
Em publicação na internet, o presidente da organização, Júnior Hekurari Yanomami, declarou que obteve a informação do caso por meio de indígenas da comunidade de Aracaçá, que reúne aproximadamente 30 membros na região de Waikás, frequentemente atacada por criminosos.
De acordo com o líder, pelo menos 25 garimpeiros invadiram a comunidade. Durante a ação, uma tia protegia a menina de 12 anos. Porém, os garimpeiros as teriam levado a uma embarcação em direção a uma barraca, onde o estupro teria ocorrido.
O ataque resultou no desaparecimento de uma criança de três anos, filha da mulher, que teria caído em um rio.
Em entrevista a CartaCapital, Hekurari repassou o relato que recebeu:
“Elas estavam na sua comunidade quando os garimpeiros atacaram a comunidade. Elas foram levadas arrastadas para a sua embarcação, até as suas barracas. Chegando na sua barraca, eles violentaram a menina de 12 anos. A sua tia a estava protegendo, e os garimpeiros a empurraram junto com a sua criança, e a criança foi para dentro do rio Uriracoera. A criança está desaparecida ainda, provavelmente está morta também.”
Ele declarou que o corpo da menina de 12 anos permanece na comunidade. Ele, que atendeu à reportagem desde Boa Vista, capital de Roraima, diz ter providenciado uma aeronave para chegar ao local, mas o tempo chuvoso teria impedido o tráfego.
Ele pretendia levar o corpo da vítima ao Instituto Médico Legal ainda nesta terça-feira 26, mas, devido às condições climáticas, planeja agora fazer a viagem na manhã da quarta 27. Porém, ele cogita que, após 24 horas, a comunidade faça algum ritual de luto que impossibilite o transporte do corpo ao IML.
Hekurari diz ter se comunicado com o Ministério Público Federal, a Polícia Federal e o Exército. Em nota, o MPF declarou que já acionou a Justiça (veja manifestação na íntegra ao fim da matéria).
A reportagem procurou a Polícia Federal e o Exército, mas não obteve resposta.
Segundo Hekurari, a Polícia Federal informou a ele que não teria uma aeronave para acesso à comunidade. Já o Exército ainda não teria contatado a liderança.
Caso é recorrente na região, diz liderança
Não é a primeira vez que a comunidade é alvo de atentados de garimpeiros, diz Hekurari. No ano passado, por exemplo, ele afirma ter recebido relatos de violência sexual contra uma mulher de 30 anos e de arrastamento de um adolescente de 15 anos que resultou em morte.
A comunidade surgiu no local entre 2013 e 2014, diz o líder. Segundo ele, a violência começou a aumentar em 2016 e se agudizou a partir de 2018, chegando a uma situação de descontrole em 2020.
Embora a Polícia Federal realize operações em conjunto com o Exército e o Ibama, afirma Hekurari, milhares de garimpeiros permanecem com essas práticas de forma organizada e disseminada.
O líder reivindica investigações de inteligência permanentes das corporações e a apresentação de um planejamento do governo federal para a retirada dos garimpeiros das terras ianomâmi. Ele lamenta, no entanto, que o governo federal não demonstre iniciativas suficientes.
“Com esse governo, não temos esperança, porque não está demonstrando preocupação com os brasileiros. Somos brasileiros”, afirmou Hekurari a CartaCapital. “Estamos com muito medo, por sermos atacados por invasores.”
De acordo com um levantamento divulgado em outubro de 2021 pelo Conselho Indigenista Missionário, o assassinato de indígenas cresceu 61% nos dois primeiros anos do governo de Jair Bolsonaro (PL).
O estado de Roraima foi o campeão de assassinatos, seguido de Amazonas e Mato Grosso do Sul. No mesmo período, houve uma alta de 137% nas invasões às terras indígenas. Em 2020, houve o quinto aumento consecutivo no índice.
A reportagem procurou o governo de Roraima, mas também não obteve resposta.
Veja nota do MPF na íntegra:
O MPF busca junto às instituições competentes a apuração do caso e acredita que situações como essa são consequência cada vez mais frequente do garimpo ilegal em terras indígenas em Roraima. Como forma de evitar novas tragédias como as que vem ocorrendo, o MPF já acionou a Justiça e se reúne rotineiramente com instituições envolvidas na proteção do território indígena para que se concretizem medidas de combate sistêmico ao garimpo. Entre essas medidas, estão a retomada de operações de fiscalização, construção de bases de proteção etnoambiental e mudanças nos procedimentos adotados por órgãos fiscalizadores.
Confira as medidas completas já solicitadas em: http://www.mpf.mp.br/rr/sala-de-imprensa/noticias-rr/abrilindigena-mpf-faz-novos-pedidos-na-justica-para-combater-crise-humanitaria-em-territorio-yanomami
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