Sociedade

Mais um: em SP, motorista atropela, mata e não presta socorro

“Devia ser um morador de rua, bêbado”, diz PM que atendeu a ocorrência e não colheu depoimentos nem provas

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Por Lino Bocchini*

Juraci Santana da Costa chegou a São Paulo adolescente, há 25 anos, vindo de Ipirá, interior da Bahia. Ajudante de pedreiro, morava há anos num quartinho de aluguel na Aclimação, bairro da região central de São Paulo. Por volta das 22h do último domingo, Juraci foi atropelado na rua Muniz de Sousa, quando voltava pra casa — “ele morava sozinho e fazia esse caminho todo dia, a essa hora, era sua rotina”, conta o também ajudante de pedreiro Genival de Souza, que aluga um quarto na mesma casa de Juraci.

“O carro vinha em alta velocidade, parecia estar a mais de 100 km/h”, comentou uma testemunha que preferiu não se identificar. Do ponto onde ele foi atingido –e onde ficaram sua carteira e seu celular– até onde seu corpo foi parar estendido, era cerca de 10 metros de distância. “Começamos a pegar seus pertences, mas só encontramos um tênis. De repente uma mulher que mora na esquina sai na varanda com o outro pé do tênis, que tinha voado a 4 metros do chão pra ir parar onde estava”, relata outro morador. O Samu chegou rápido, e Juraci recebeu os primeiros socorros ali mesmo, com o carro ainda estacionado. Foi levado para o Hospital das Clínicas, onde passou a madrugada numa cirurgia de emergência. Nesta segunda-feira 8, por volta de 23h, Juraci não resistiu aos ferimentos e morreu, aos 41 anos.

Na noite do domingo, a polícia foi chamada e chegou ao local do acidente rapidamente, enquanto o Samu ainda estava por lá. O atendente do 190, ao receber o chamado, afirmou que tratava-se de um crime, uma vez que o homem havia sido atropelado com gravidade e o motorista não parou para prestar socorro. Ao chegar, os policiais não se interessaram por eventuais provas que poderiam ajudar na identificação do automóvel do agressor, como pedaços do farol e uma antena que estavam no asfalto. Também não questionaram nenhum dos presentes, mesmo sendo informados de que ali havia possíveis testemunhas do crime, como o porteiro de um prédio em frente. “Mas esse porteiro tem a placa? Ele quer falar? Por que se ele quiser tenho que levar pra delegacia, abrir BO, leva tempo, não sei se ele quer ir…”.

Avisado pelos moradores que Juraci teria sido pego por um gol preto, o policial respondeu, irritado: “vamos sair atrás de um carro preto em São Paulo? Quantos milhões têm assim? Sem placa não dá pra fazer nada”. Ao ser informado por outra moradora que prédios e lojas ali tinham câmeras que poderiam ter captado algo, o policial respondeu: “devia ser um morador de rua, bêbado… eu vi, ele estava meio sujo, e era bem preto, da cor da camiseta dele”, completou, apontando para a roupa preta este repórter. Foram embora pouco depois. (CartaCapital entrou em contato com a assessoria de imprensa da PM, e vamos atualizar esse texto com a posição oficial da polícia assim que essa for passada).

Até o fechamento desse texto (18h de terça-feira), o corpo ainda encontrava-se no IML. “Estamos esperando a liberação, e depois disso vamos mandá-lo para a Bahia, onde está nossa família… Ele não tem filhos, e seus pais já morreram. Mas lá ainda tem 9 irmãos e irmãs vivas dele”, disse Lina Santana da Costa, uma sobrinha que mora no Grajaú –“em São Paulo, da família, era só eu, ele e meu irmão”. Lina conta ainda que Juraci “mandava dinheiro pra Bahia todo mês, porque as irmãs precisam de ajuda”.

Lina e seu irmão, Edvaldo, foram à delegacia fazer um Boletim de Ocorrência do ocorrido. “Foi um crime”, lamenta o sobrinho da vítima. Lina concorda: “a pessoa atropela e não parar pra ajudar? Eu não vou deixar isso assim, não é certo. Como alguém pode perder a vida desse jeito e ficar tudo por isso mesmo”?

*colaboraram Paloma Rodrigues e Marcelo Pellegrini

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