Sociedade

Justiça impõe nova derrota a Doria na Cracolândia

Desembargador derruba a liminar que autorizava o encaminhamento à força de dependentes químicos para avaliação médica. A prefeitura promete recorrer

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O desembargador Reinaldo  Miluzzi, do Tribunal de Justiça de São Paulo, acatou um recurso do Ministério Público e da Defensoria e suspendeu neste domingo 28 a liminar que autorizava João Doria Jr., prefeito de São Paulo, a levar á força dependentes químicos da Cracolândia para uma avaliação médica.

Segundo o despacho do desembargador, o pedido da prefeitura era “impreciso, vago e amplo, e, portanto, contrasta com os princípios basilares do Estado Democrático de Direito, porque concede à municipalidade carta branca para eleger quem é a pessoa em estado de drogadição vagando pelas ruas da cidade de São Paulo”. A decisão deste domingo derrubou ainda o segredo de Justiça do processo. A prefeitura, em nota, informou sua pretensão recorrer da decisão.

O recolhimento de dependentes havia sido determinado na sexta-feira 26 pelo juiz Emílio Migliano, da 7ª Vara da Fazenda Pública. O juiz deu aval para a “busca e apreensão” durante 30 dias na região da Cracolândia. O magistrado impediu, no entanto, a internação compulsória, como desejava o prefeito.

Intervenção criticada

Doria acumula dissabores desde a decisão de intervir na Cracolândia. A megaoperação começou na manhã de domingo 21 e contou com o uso de forças da Polícia Militar e da Guarda Civil Metropolitana. As ruas onde ficavam os usuários de drogas foram desocupadas, mantendo apenas os moradores e comerciantes na região. No dia seguinte, após termos de interdição serem entregues pela Prefeitura, os comércios foram fechados e lacrados, enquanto os moradores desocupam aos poucos seus imóveis.

A falta de diálogo com a comunidade local gerou revolta contra a ação, o que resultou na mobilização. O destino do protesto foi o prédio a Secretaria Municipal de Segurança Urbana, onde também está localizado o Comando Geral da Guarda Civil Metropolitana.

Para a médica Kátia Silva, que fez parte do programa De Braços Abertos trabalhando em uma das tendas da prefeitura, o agravamento da crise na Cracolândia se deu após a decisão da gestão de João Doria de tirar a GCM dos espaços de convivência do programa.

“Os guardas que trabalhavam dentro das tendas ajudavam os usuários e impediam que os traficantes entrassem nos locais do programa”, conta Kátia.Para ela, a decisão fez com que os traficantes se sentissem à vontade para retomar o tráfico nas áreas que antes estavam controladas. A médica conta que saiu do programa porque não conseguiu suportar a pressão do local.

“Com a entrada dos traficantes nas tendas, a saída da guarda, tiraram até o nosso telefone para ocorrências, então todo o planejamento que o programa tinha foi tirado”, lamenta. Para ela, o que ocorreu nos últimos dias é resultado da própria ação do governo. Os usuários que ocupavam o local se deslocaram para a Praça Princesa Isabel, que fica próxima à Cracolândia, também no centro de São Paulo. O local se tornou um novo ponto de consumo e comércio de crack. Outros tiveram atendimento da assistência social e foram direcionados para centros de acolhida na região.

Thais Dias Miranda, orientadora socioeducativa do albergue Boraceia, também na região do Centro, discorda da ação da prefeitura. “Os usuários têm de ter trabalho, terapia, acompanhamento, horários corretos para tomar medicamentos, e os albergues não têm esses recursos.”

A orientadora explica que o local foi construído e destinado apenas para pessoas em situação de rua. “Quando os usuários chegam lá eles não conseguem cumprir as normas pela situação que se encontram, então são obrigados a sair de lá antes do tempo”, conta. 

A ação contou com o suporte da remoção compulsória moradores e comerciantes, seguido da demolição dos imóveis. Durante uma obra, três pessoas ficaram feridas após uma retroescavadeira derrubar a parede e parte do teto de um prédio no qual funcionava uma pensão. O local ainda estava ocupado.

O secretário de Obras de São Paulo, Marcos Penino, disse não ter sido avisado sobre o fato de que pessoas moravam no fundo do imóvel. Somente com a “gritaria” dos moradores, disse ele, os operadores perceberam que havia pessoas no local. 

Após o desabamento, uma decisão da Justiça proibiu a Prefeitura de São Paulo de remover compulsoriamente as pessoas da Cracolândia, além de vetar também a interdição e demolição dos seus imóveis.

A liminar expedida na tarde de quarta-feira 24 pelo juiz Fausto Seabra afirma que o Poder Judiciário não deve intervir em políticas públicas desejadas pela sociedade, “porém compete-lhe o controle da legalidade dos atos administrativos”.

Internação compulsória

Diretriz do programa Recomeço do governo de São Paulo, comandado por Geraldo Alckmin (PSDB), a internação compulsória deve ser uma das medidas tomadas por Doria no que diz respeito ao combate ao crack.

O prefeito solicitou à Justiça na manhã de quarta-feira 24 uma autorização para internar à força os dependentes. Segundo o secretário de Negócios Jurídicos, Anderson Pomini, a autorização da à Prefeitura o poder de decidir a internação independente da vontade do usuário, mediante ao acompanhamento médico e psicológico. A solicitação também conta com o pedido de remoção compulsória dos dependentes para avaliação médica, que poderá resultar na internação. A prefeitura afirma que as avaliações serão “multidisciplinares” e entrou com a solicitação em caráter de urgência.

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