Sociedade

Jovens, negros e ganhando 1 mil reais por mês. O perfil dos entregadores de aplicativos

Estudo da CUT e da a OIT traz dados mapeados em Recife e Brasília. ‘São condições de trabalho semelhantes às do século XIX’, diz pesquisador

Entregador de aplicativo transita pela Avenida Paulista, em São Paulo. Foto: Roberto Parizotti/Fotos Públicas
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A maioria dos entregadores de aplicativo recebe, em média, 1.172 reais por mês, o que representa um ganho líquido de 5,03 reais por hora trabalhada, segundo dados divulgados nesta quarta-feira 15 pela Central Única dos Trabalhadores, a partir de um estudo realizado em parceria com a Organização Internacional do Trabalho.

O levantamento completo deve ser divulgado na sexta-feira 17. De acordo com a pesquisa, feita nas capitais Brasília e Recife, 92% desses trabalhadores são homens, 68% são pretos ou pardos e maior parcela tem até 30 anos de idade.

Entre os entrevistados, há casos de pessoas que trabalham 13 horas por dia para ter uma renda líquida de 59 centavos a hora. Algumas jornadas chegam a 18 horas por dia, com rendimento negativo de menos 86 centavos por hora, devido aos gastos para a execução do trabalho.

 

Segundo a CUT, o estudo ratifica que nenhum princípio do trabalho formal se aplica a essa categoria. Os índices recolhidos devem servir de base para propostas ao Congresso, que ainda não legislou sobre a relação de trabalho entre esses entregadores e as empresas de aplicativo.

Segundo Ricardo Festi, sociólogo da Universidade de Brasília e um dos 17 pesquisadores envolvidos, os entregadores de Brasília que trabalham com motocicletas citaram a inflação sobre o combustível como um dos principais impactos nos rendimentos. Boa parte desses trabalhadores mora em regiões periféricas e atua no Plano Piloto, portanto, leva-se de 20 a 40 minutos de estrada para chegar até o local de trabalho.

Brasília apresentou uma quantidade maior de entregadores com ensino superior completo ou incompleto em relação a Recife, segundo Festi. Ele diz ter ouvido, inclusive, trabalhadores com curso de pós-graduação e MBAs.

A maior parcela da categoria trabalha para mais de um aplicativo, diz o professor. Esses trabalhadores também acumulam outras atividades freelance, seja como serventes em estabelecimentos aos fins de semana, jardineiros, marceneiros, entre outros “bicos”.

Problemas de saúde

O estudioso aponta complicações na coluna e transtornos mentais, entre eles depressão e ansiedade, como os principais problemas de saúde relatados pelos entregadores na pesquisa. Além disso, ele ouviu relatos de práticas de discriminação contra os entregadores, entre elas violência física, mau tratamento pelos clientes e proibições ao acesso a determinados espaços, como elevadores e áreas de shoppings, mesmo em dias de chuva.

Festi diz ter observado crescimento no número de entregares que gostariam de ter direitos previstos na Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT. Autor de outras publicações sobre o tema, ele relata que pelo menos 60% dos entregadores em Brasília diziam, em julho do ano passado, que não sentiam falta de contratos via CLT, mas em 2021 um índice semelhante passou a manifestar o contrário e até a simpatizar com iniciativas sindicais.

O pesquisador entende como urgente a aprovação pelo Congresso de uma lei que admita a relação trabalhista entre o entregador e a empresa de aplicativo. Até hoje, o discurso predominante é de que esses entregadores seriam empreendedores autônomos, ainda que não estejam vinculados como microempreendedores individuais – MEIs -, e os aplicativos serviriam somente como uma tecnologia para conectá-los aos restaurantes.

Entre as garantias defendidas pelo especialista, estão o piso salarial, período de descanso remunerado, licença saúde e direitos previdenciários.

“O que a gente pôde ver é que não existe nada de empreendedorismo e de flexibilidade. São condições de trabalho semelhantes aos do século XIX”, disse o professor a CartaCapital.

Proteção insuficiente contra a Covid

São baixas as perspectivas para que o Congresso regulamente essa relação trabalhista, se levada em consideração a morosidade dos parlamentares em aprovar medidas de proteção aos entregadores contra a Covid-19. Foram 20 meses para que os deputados e senadores votassem o projeto de lei de autoria do deputado Ivan Valente (PSOL-SP), que continha obrigações às empresas como o fornecimento de álcool em gel e máscaras e a criação de fundos financeiros para diagnosticados com o coronavírus. E os congressistas ainda fizeram questão de frisar no texto que as novas normas não serviriam de base jurídica para caracterizar a relação dos entregadores com as empresas.

Ao se posicionar sobre a matéria, a Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia, a Amobitec, que representa companhias como iFood e Uber Eats, disse que o texto é “equilibrado” e ressaltou que as empresas já haviam implementado diversas ações de apoio. De acordo com a entidade, mais de quatro milhões de itens de proteção como máscaras e álcool em gel foram fornecidos aos “parceiros cadastrados”.

A pesquisa da CUT/OIT registrou, porém, que boa parcela dos entregadores achou essas medidas pouco efetivas. Segundo trecho do estudo ao qual CartaCapital teve acesso, 43% dos entregadores consideraram como “genéricas e insuficientes” as orientações dadas para evitar o contágio, contra 54% que as classificaram como “específicas e suficientes”.

O levantamento mostra que 95% reconheceram que as empresas forneceram principalmente máscaras e álcool em gel, mas alguns observaram dificuldades para buscá-los no local indicado pela empresa e para se comunicar com o aplicativo por meio dos canais oferecidos.

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