Sociedade

Greve dos petroleiros: veja 5 pontos que você precisa entender

No dia em que completariam 20 dias de paralisação, petroleiros suspendem movimento até firmarem negociações com a Petrobras

Protestos de petroleiros contra demissões na Petrobras, em 2020. Foto: FUP
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Os petroleiros entram no 20º dia de greve com indicação de suspensão de uma intensa paralisação que já envolve 21 mil trabalhadores e 121 unidades do Sistema Petrobras. Mobilizada desde 1º de fevereiro, a categoria tem alimentado diariamente os seus canais de informação com atualizações sobre os protestos. No entanto, há quem se queixe de que a baixa repercussão na imprensa tenha feito as manifestações passarem despercebidas.

O pano de fundo é o fato de a Petrobras ter entrado na mira da campanha privatizante da equipe econômica do presidente Jair Bolsonaro. Após a criação da Secretaria Especial de Desestatização, em 2019, o governo já vendeu a BR Distribuidora, a distribuidora Liquigás e a Transportadora Associada de Gás (TAG) – as três eram subsidiárias da Petrobras. Também viraram alvo de Bolsonaro as companhias Correios, Telebras, Eletrobras, Casa da Moeda, entre outras empresas. Em agosto do ano passado, o governo divulgou uma lista com 17 estatais federais que podem parar nas mãos do setor privado.

Em tempos de entrega de companhias públicas aos empresários, os petroleiros afirmam que o processo de privatização da Petrobras já começou. Segundo a Federação Única dos Petroleiros (FUP), um dos primeiros efeitos da privatização será o aumento no preço final dos combustíveis, porque a Petrobras não terá mais o controle do Estado para vender com preços mais justos. A longo prazo, outro efeito do desmonte da Petrobras seria o adeus ao desenvolvimento. O Brasil se tornaria dependente do petróleo mundial e perderia a oportunidade de manter uma empresa indutora da autossuficiência do país, argumenta a FUP. 

Um terceiro argumento é o risco que a privatização poderia trazer ao meio ambiente. Com a Vale privatizada, o Brasil assistiu a dois crimes ambientais que resultaram em alto número de mortos e incalculáveis danos à natureza, nas cidades de Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais. Para a FUP, sob a lógica do lucro do capital privado, empresas estrangeiras não teriam o mesmo compromisso com a proteção e preservação dos ecossistemas e das comunidades locais onde venham a atuar.

CartaCapital reuniu, a seguir, 5 itens para compreender a greve dos petroleiros e os desdobramentos das paralisações.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, defende privatizações de estatais do país. (Foto: Carl de Souza/AFP)

1. A causa da greve

Num cenário de privatizações, a atual gestão da Petrobras está se desfazendo da fábrica Araucária Nitrogenados S.A. (Ansa), que os petroleiros chamam de Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados do Paraná (Fafen-PR), antigo nome da empresa. 

A Petrobras comprou a Fafen em 2013, da mineradora Vale. A estatal alega que, desde então, a fábrica apresenta recorrentes prejuízos que já somam mais de 2 bilhões de reais. Para o fim de 2020, a Petrobras diz que o resultado negativo pode superar 400 milhões de reais.

A estatal, então, diz que esforçou-se para vender a fábrica, cujo processo de desinvestimento teve início há mais de dois anos. As negociações haviam avançado com a companhia russa Acron Group, mas a venda não foi efetivada. Agora, a estatal quer encerrar as atividades da empresa com a justificativa de falta de viabilidade econômica.

O fechamento da empresa vai custar a demissão de 396 trabalhadores diretos. Segundo a FUP, mais 600 funcionários terceirizados também serão despedidos. Com cerca de mil trabalhadores prestes a serem dispensados, os petroleiros iniciaram um acampamento em frente a Fafen em 23 de janeiro e deflagraram uma greve em 1º de fevereiro.

Segundo a FUP, a decisão descumpre a Cláusula 26 do Acordo Coletivo pactuado com a Petrobras, criada para que não houvesse demissões em massa sem prévia discussão com o sindicato.

A FUP também rebate o argumento de que a Fafen dá prejuízos. Segundo a Federação, com o fechamento da fábrica o prejuízo será maior, porque o Brasil terá de importar 100% dos fertilizantes nitrogenados que consome. Além disso, diz a FUP, o Brasil ficará dependente de um reagente químico produzido na fábrica, usado para reduzir a poluição ambiental produzida por veículos automotores pesados que utilizam diesel como combustível.

A organização também destaca os impactos negativos para o município de Araucária, no Paraná, onde a fábrica está localizada. Segundo a FUP, a cidade perderá 75 milhões de reais em arrecadação.

A Federação argumenta ainda que a justificativa de prejuízo é falsa, porque a própria Petrobras produz e precifica a matéria-prima para gerar ureia e amônia na fábrica. A ureia e a amônia são compostos utilizados para a produção de fertilizantes nitrogenados. Dessa forma, a Petrobras, na verdade, estaria criando um pretexto para abandonar o setor de fertilizantes nitrogenados no Brasil, favorecendo multinacionais e importadores.

2. A dimensão do movimento

Até quarta-feira 19, o quadro nacional da greve apresentava 21 mil petroleiros mobilizados em 121 unidades do Sistema Petrobras. Segundo a FUP, as paralisações chegaram a 58 plataformas, 24 terminais, 8 campos terrestres, 8 termelétricas, 3 Unidades de Tratamento de Gás (UTGs), 1 usina de biocombustível, 1 fábrica de fertilizantes, 1 fábrica de lubrificantes, 1 usina de processamento de xisto, 2 unidades industriais e 3 bases administrativas. 

A greve está presente em 13 estados: Amazonas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo. 

Os petroleiros têm recebido apoio de diferentes setores da sociedade. No sábado 15, os caminhoneiros declararam apoio à greve. A Associação Nacional dos Transportadores Autônomos (ANTB) enviou uma carta ao presidente Jair Bolsonaro e a 27 governadores, com um texto crítico à política de preços dos combustíveis que alinha os valores ao mercado internacional.

Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) também se manifestaram em favor dos trabalhadores. Em carta aberta, o Grupo de Pesquisa Trabalho e Capital da Faculdade de Direito da USP defendeu o direito dos petroleiros à greve e acusou a Petrobras de “prática antissindical” ao coagir grevistas para que encerrem o movimento.

Figuras políticas, principalmente da oposição, têm protestado. Em publicação no Twitter, o deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) disse que a Petrobras tem sua maior greve desde 1995 e desejou força aos petroleiros. A deputada Maria do Rosário (PT-RS) criticou o governo federal por aumentar o preço do gás de cozinha e escreveu que a greve dos petroleiros “mostra para o país por que o gás é tão caro”.

O dirigente do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) Guilherme Boulos reclamou de baixa repercussão da greve na imprensa e afirmou que “o silêncio da mídia é ensurdecedor”. O líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Stédile, afirmou que os petroleiros “estão defendendo a Petrobras da sanha privatista, os seus direitos e de todo o povo”.

O movimento também contou com o apoio da IndustriALL Global Union, que representa 50 milhões de trabalhadores em 140 países, nos setores de mineração, energia e manufatura. Em carta pública, a organização declarou “integral apoio” aos trabalhadores da Fafen.

3. A reação da Justiça

Em 31 de janeiro, sindicalistas ocuparam uma sala da Petrobras. No mesmo dia, a Seção Especializada de Dissídios Coletivos (SDC) do Tribunal Superior do Trabalho (TST) concluiu, em uma decisão, que a justiça trabalhista não poderia impedir a greve antes mesmo que ela fosse deflagrada. O movimento começou no dia seguinte.

Em seguida, a Petrobras moveu uma ação no TST e, em 4 de fevereiro, o ministro Ives Gandra determinou que os sindicatos de petroleiros mantivessem 90% dos trabalhadores. Os sindicatos também ficaram proibidos de impedir o livre trânsito de bens e de pessoas nas refinarias e plataformas da estatal. 

Em 6 de fevereiro, o TST decidiu aplicar sanções às entidades sindicais por descumprimento da decisão de manter 90% dos trabalhadores na ativa. O Tribunal determinou multa diária de 500 mil reais por sindicato e afirmou que a greve tinha “conotação política e não econômica direta”. 

A Justiça também impôs bloqueio cautelar das contas bancárias e suspensão do repasse mensal às entidades sindicais, além de autorizar a Petrobras a contratar emergencialmente pessoas ou serviços. 

Porém, a Petrobras considerou que a decisão do SDC minava o poder de Ives Gandra de limitar as paralisações. A estatal, então, recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) para pedir que a decisão do TST fosse validada. 

Em 12 de fevereiro, o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, validou a decisão de Gandra e considerou que a greve “tem o potencial de impactar negativamente a economia brasileira” e poderia “desestabilizar a posição do país, tanto no cenário econômico nacional quanto internacional”.

Em comunicado, a FUP afirmou que pediria reconsideração sobre a decisão de Toffoli. Segundo a Federação, a greve cumpriu todos os procedimentos legais e não havia desabastecimento de combustíveis provocado pela paralisação. Além disso, os petroleiros negaram impedimentos para o livre trânsito de bens e de pessoas no âmbito da estatal e de suas subsidiárias.

Em 13 de fevereiro, a Petrobras informou que já estava realizando o desconto dos dias não trabalhados dos empregados que aderiram ao movimento. A estatal justificou que “não houve a contraprestação do serviço, ou seja, os empregados não realizaram o trabalho para o qual são contratados”. A Petrobras disse ainda que contratou empresas para suprir a mão de obra.

Na segunda-feira 17, Ives Gandra declarou a greve como ilegal e autorizou a Petrobras a tomar medidas administrativas cabíveis contra a categoria, com aplicação de eventuais sanções disciplinares. A FUP considerou a medida como “monocrática” e orientou que os petroleiros seguissem na greve.

Na terça-feira 18, em uma reunião de negociação, a Justiça decidiu suspender as demissões no Paraná. A suspensão dura até 6 de março, dia da próxima audiência no Tribunal. A FUP celebrou “vitória parcial importante” e disse que “permanece para avançar no diálogo e na negociação com a Petrobras”. 

Em nota, a Petrobras reiterou que a suspensão é temporária e declarou que conversará com os sindicalistas sobre as condições do pacote de benefícios para desligamentos dos 396 empregados, de acordo com a remuneração e o tempo de trabalho. Segundo a empresa, o pacote já foi oferecido e inclui valores até 210 mil reais, manutenção de plano médico e odontológico, benefício a farmácia e auxílio educacional por 24 meses, além de uma assessoria especializada em recolocação profissional.

Na quarta-feira 19, os dirigentes da Federação indicaram suspensão da greve até que as negociações sejam firmadas em 6 de março. 

4. A atuação dos petroleiros

Já em 16 de janeiro, o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Petroquímicas do Estado do Paraná (Sindiquímica-PR) repudiava o que chamava de “mentiras” da direção da fábrica. Segundo a entidade, a empresa afirmou que discutiu previamente sobre a hibernação e a demissão em massa dos trabalhadores. 

O sindicato sustentou que a Petrobras apenas apresentou o “pacote de benefícios” de forma unilateral, sem discussão, e classificou a medida como “autoritarismo e crueldade”. Os sindicalistas, então, convocaram um protesto para 17 de janeiro, em frente à unidade. No mesmo dia, indicaram greve para 1º de fevereiro. 

Em 21 de janeiro, petroleiros e petroquímicos ocuparam a entrada da fábrica, em protesto silencioso. Três dias depois, em uma reunião no Ministério Público do Trabalho (MPT) sobre as demissões, a FUP acusou a gestão da Petrobras de ter levado seis homens armados ao local para intimidar os trabalhadores presentes na audiência. 

Em 28 de janeiro, os funcionários do Sistema Petrobras encerraram as assembleias nas bases da FUP e aprovaram a deflagração da greve para 1º de fevereiro. Em 31 de janeiro, os petroleiros ocuparam a sede da Petrobras, na Avenida Chile, no Rio de Janeiro. A ação foi contestada pela Petrobras na Justiça, mas uma juíza autorizou a medida. A estatal tentou ainda, segundo a FUP, impedir a entrega de alimentos aos ocupantes, mas recuou após pressão dos sindicatos.

A greve chegou em 9 estados já no seu primeiro dia, atingindo 12 refinarias e 5 terminais. Desde então, foram diversos atos de protesto em bases da Petrobras por todo o Brasil. No dia 5 de fevereiro, os petroleiros gaúchos venderam 100 botijões de gás de 13 quilos pelo valor de 40 reais cada, para moradores da cidade de Canoas (RS). O objetivo foi mostrar que “é possível vender gás com valor acessível e justo”. No mesmo dia, no município de Araucária, os trabalhadores venderam botijões de gás a 30 reais. 

Em Vitória (ES), funcionários distribuíram cupons com descontos de 40 reais para abastecimento de combustível para carros. No Rio de Janeiro, eles realizavam diariamente uma série de aulas públicas e atividades culturais em frente à Petrobras. Em 8 de fevereiro, realizaram o festival “Rock in Greve” na própria sede da Fafen, com apresentações musicais e parques com brinquedos para as crianças.

No 13º dia de greve, sindicatos voltaram a subsidiar descontos em botijões de gás e gasolina nos estados do Amazonas, Pernambuco, Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul, segundo a FUP. Em 14 de fevereiro, realizaram a mesma ação no Rio Grande do Norte e no Ceará. No mesmo dia, pelo menos 144 trabalhadores receberam comunicados de demissão da Petrobras, mas os grevistas queimaram os documentos durante ato em Araucária.

Na terça-feira 18, os petroleiros marcharam no Rio de Janeiro, “em defesa do emprego, da Petrobras e do Brasil”. Segundo a Federação, cerca de 15 mil pessoas se reuniram no protesto. No mesmo dia, anunciaram “vitória parcial” em uma negociação com o TST e, posteriormente, indicaram suspensão da greve.

5. A perspectiva da greve

“Sairemos da mesma maneira que entramos, juntos e fortes”, disse o diretor da FUP, Tadeu Porto, em vídeo publicado na quarta-feira 19, ao anunciar a indicação de suspensão da greve. Os petroleiros prometem que permanecerão mobilizados até 6 de março, data em que nova audiência será realizada para firmar as negociações com a Petrobras.

Segundo Deyvid Bacelar, também membro da diretoria da Federação, a categoria retomará a greve caso as conversas com a estatal não avancem. 

“O Conselho Deliberativo tomou a decisão de mantermos o nível de mobilização para chegarmos a essa mesa de negociação”, afirmou Bacelar, em vídeo. “Se não tivermos avanços nessa mediação, nós retomaremos essa greve histórica da categoria, em defesa dos nossos direitos, dos nossos empregos e da Petrobras que tanto amamos.”

Fabiano José Pinto, um dos possíveis demitidos da Fafen, levou sua filha Manuela, de 2 anos, ao protesto. Foto: FUP

Um dos funcionários que podem ser demitidos da Fafen é o operador de caldeira de alta pressão Fabiano José Pinto, de 42 anos. Ele trabalha há 23 anos na função e tem uma esposa e dois filhos, um de 14 anos e uma de 2. Ouvido por CartaCapital, ele conta que a situação de possível dispensa o apavora, porque o futuro de sua família está em risco. Sua esposa, Márcia Adriana, de 44 anos, também relata medo pela demissão, porque seu marido é a principal fonte de renda da casa. 

Durante todo o movimento paredista, Fabiano José Pinto esteve acampado na porta da Fafen, no Paraná. Segundo ele, alguns colegas entraram em depressão, em função do sentimento de desespero e de incerteza. 

“É uma situação que não gostaríamos que ninguém passasse”, diz Fabiano. “É diferente de uma greve em que nós sabemos que vamos sair, com perdas ou ganhos. Dessa vez, você entrou na greve e não sabe qual o término dela. Até então, o que nós temos são as demissões em massa. Estamos lutando para reverter isso.”

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