Política

Governo pede investigação contra ‘Mamãe Falei’ por operação ilegal na Ilha do Marajó

Ex-deputado, que diz atuar como detetive particular, armou um flagrante com adolescentes para “revelar” exploração sexual infantil no arquipélago; operação tem indícios de ilegalidade

O deputado estadual Arthur do Val. Créditos: Alesp
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O Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania enviou, no início desta semana, um ofício ao procurador-geral de Justiça do Ministério Público do Pará solicitando a abertura de uma investigação que mira o ex-deputado estadual Arthur do Val, mais conhecido como Mamãe Falei. O documento cita uma operação ilegal na Ilha do Marajó.

Para embasar o pedido, a pasta controlada por Silvio Almeida usa um vídeo divulgado pelo próprio ex-deputado no seu canal do YouTube, em 8 de março. Nele, Mamãe Falei relata a viagem para Marajó sob o pretexto de investigar as denúncias de exploração sexual infantil na região.

A data da viagem não foi revelada, mas os vídeos mostram ele combinando um encontro com duas adolescentes em um hotel. Ele alega que tentava criar um flagrante para a polícia. É essa operação que o ministério cita como ilegal.

“Quando estava conversando com os policiais, eu expus uma ideia de fazer uma espécie de resgate para filmar exatamente o que está acontecendo, em vista de que eu fui informado, anteriormente, de que havia a possibilidade de se encontrar menores de idade para exploração sexual [em Marajó]. A polícia de lá, principalmente a Polícia Civil, se mostrou muito proativa e falou ‘vamos fazer’”, afirma Mamãe Falei no vídeo.

Outra gravação mostra o momento seguinte, quando agentes da Polícia Civil chegam ao hotel e encontram as adolescentes.

Segundo o ofício do Ministério, não fica claro se elas são menores de idade nem se as pessoas com quem o ex-deputado conversa são, realmente, autoridades policiais.

A Polícia Civil do Pará nega que tenha havido uma operação conjunta com o ex-deputado. A corporação afirma que atendeu a uma denúncia, mas que, na ocasião, não foi constatado crime de exploração sexual.

O ofício do Ministério pede esclarecimento para pontos trazidos no vídeo.

“Solicito respeitosamente a adoção de medidas por parte desta Procuradoria-Geral para investigar as circunstâncias em que a operação foi realizada, inclusive quanto à sua legalidade, visto que, s.m.j [salvo melhor juízo], aparenta ter sido planejada e conduzida por cidadão comum, com o apoio de autoridades locais, resultando apenas na exposição e condução das adolescentes à autoridade policial.”

Ao G1, que revelou inicialmente o pedido do governo federal, Mamãe Falei diz que a investigação se trata de um ataque político. O parlamentar afirma que atua como detetive particular e que respeita as leis durante o exercício de tais investigações.

Denúncias de exploração sexual infantil

Desde o início do ano, famosos e influenciadores passaram a compartilhar vídeos sobre a Ilha do Marajó, fato que fomentou a volta de conteúdos falsos ou descontextualizados sobre o local. Diante das publicações, o termo “Ilha de Marajó” se tornou o assunto mais pesquisado no Google no Brasil em fevereiro.

Segundo uma apuração realizada pela Agência Pública, políticos bolsonaristas – entre pré-candidatos às eleições deste ano e parlamentares eleitos – patrocinaram postagens repercutindo as denúncias no Instagram e no Facebook com desinformação sobre o tema.

Nas publicações, os parlamentares e pretendentes relatam atuação no combate à exploração sexual infantil na região. Outros pediam apoio a uma fundação religiosa que supostamente atua no Marajó. Os representantes da ONG têm relações com a ex-ministra bolsonarista e atual senadora, Damares Alves (Republicanos).

Durante sua gestão no Ministério dos Direitos Humanos, Damares foi investigada por disseminar fake news contra a população do Marajó.

Ela disse que havia um alto índice de exploração sexual na região porque as meninas “não usavam calcinha” e defendeu a construção de uma fábrica de lingerie dentro das ações do programa Abrace o Marajó, lançado durante sua gestão.

Em 2022, Damares fez novas denúncias, sem provas, sobre abusos sexuais e tortura de crianças no arquipélago. As declarações feitas por Damares ocorreram durante a campanha eleitoral de 2022, de modo a associar Jair Bolsonaro (PL), que concorria a reeleição, ao combate à pedofilia.

Às vésperas das eleições municipais, a estratégia dos bolsonaristas pré-candidatos é a mesma.

Apesar do Marajó sofrer com o abuso sexual de crianças e adolescentes, a realidade mostra que o problema não é endêmico da região. Dados mostram que a indecência deste tipo de crime não é, por exemplo, maior do que no restante do País.

Trata-se, portanto, de uma estratégia eleitoral, que oportuniza das mazelas e dos problemas de Marajó para a criação de um pânico moral, nas palavras do ministro de Direitos Humanos, Silvio Almeida. Ele tem denunciado de forma insistente a divulgação de fake news sobre o caso.

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