Sociedade

Ex-funcionários acusam reitor da Belas Artes de desviar dinheiro para reformar apartamento da filha

Uma série de notas fiscais com produtos e serviços pouco habituais para a universidade aumentam as suspeitas; registros das obras denunciadas aparecem em redes sociais

Carmine Avena Jr, Malu Cardim, PauloGomes Cardim e Priscila Cardim. Foto: Divulgação/Belas Artes
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A reforma de um luxuoso apartamento de Priscila Cardim, diretora administrativa da Belas Artes de São Paulo (Febasp) e filha de Paulo Cardim, atual reitor, teria sido paga com dinheiro desviado da instituição. A denúncia foi feita com exclusividade para CartaCapital por ex-funcionários ligados diretamente ao reitor e ao setor financeiro da faculdade.

Ao todo, segundo a denúncia, as reformas custaram 2,6 milhões de reais aos cofres das Belas Artes. Para sustentar a afirmação, os funcionários apresentaram uma série de notas fiscais, ordens de pagamento assinadas por Carmine Avena Júnior, marido de Priscila, e contratos de serviços que seriam pouco habituais para uma instituição de ensino.

Itens como automação de áudio e vídeo, ornamentos em gesso e uma série de armários luxuosos para suítes, cozinha, lavanderia e banheiros são apontados como parte da reforma realizada na residência.

Parte delas está registrada nas redes sociais das empresas contratadas, sob curtidas e comentários de Priscila Cardim. Pelos registros nas redes, é possível ver que as publicações coincidem com o período das notas fiscais, contratos e ordens de pagamentos recuperadas pelos funcionários.

Uma das várias ordens de pagamento assinadas por Carmine Avena Junior e recuperadas por ex-funcionários para as notas suspeitas de desvio na Belas Artes.
Foto: Reprodução.

As postagens mostram itens luxuosos, como o piso de mármore feito no apartamento. Sancas e teto de gesso, em estilo suntuoso, também fazem parte do pacote. É possível ver ainda parte dos enormes armários instalados pela empresa contratada, usados para armazenar cristais.

Os registros são da empresa Societá Arquitetura, responsável pelo projeto e gerenciamento de toda a milionária reforma no apartamento da família Cardim. Pelo serviço, eles receberam, segundo as notas juntadas pelos denunciantes, mais de 80 mil reais. São deles as principais imagens que mostram o apartamento de Priscila. Os comentários e curtidas que sinalizam a relação da filha do reitor com a obra exposta nas imagens também aparecem nos perfis oficiais da empresa.

Mais tarde, estes mesmos itens publicados pela Societá aparecem ao fundo de imagens no perfil pessoal de Priscila, amigos e outros familiares.

O teto e outros artefatos de gesso, por exemplo, podem ser vistos em diversas fotos publicadas pela empresa entre 2014 e 2017. Em uma delas, de dezembro de 2017, a legenda da foto mostra um detalhe do teto produzido pela Casa Francesa, outra empresa com notas fiscais e pagamentos emitidos em nome da Belas Artes no período. Os itens, segundo os documentos reunidos pelos ex-funcionários, custaram 127 mil reais, divididos em 6 notas fiscais que descrevem apenas ‘artefatos em gesso’. As ordens de pagamento são assinadas por Carmine.

Um dos muitos registros da obra no apartamento de Priscila. Na imagem, é possível ver um comentário elogioso da filha do reitor ao teto executado em sua casa e a curtida deixada na foto do lustre. Mais tarde, itens aparecem nos perfis pessoais da família.

Fotos: Reprodução

Mais tarde, a mesma Societá divulga novas produções em gesso na casa de Priscila – dessa vez assinadas pelo Atelier Gesso, empresa aberta pouco depois das primeiras obras e que pertence a Fábio Bottoni, ex-gerente responsável pela Casa Francesa, segundo consta em seu próprio LinkedIn. Uma coifa ornamentada realizada por ele e que aparece em fotos da Societá, mais tarde, está registrada nos perfis pessoais da família Cardim. As imagens deixam pouca margem para dúvidas de que se trata do mesmo objeto. É possível ver ainda a semelhança dos detalhes em gesso no teto citado.

Na foto publicada no perfil de Patrícia Cardim é possível ver o comentário de Kristine Leinemann, dona da Societá.
Foto: Reprodução

Ainda sobre os gessos, os registros permitem ver outra ligação que dá corpo a denúncia dos ex-funcionários. A Ornare/Shefa, na figura do arquiteto Rodrigo Martins, assina um dos contratos de planejamento e decoração com a Belas Artes. Ele aparece citado na publicação da Societá como autor do projeto de varanda de um apartamento no Condomínio Seridó – endereço de Priscila. A imagem é novamente elogiada pela filha do reitor, que responde a um comentário de Kristine Leinemann, dona da Societá, que diz estar com saudades da obra no local. “Muitas saudades também de vocês Kris Leinemann e Rodrigo Martins”, escreve então Priscila.

Foto: Reprodução

Pelos serviços prestados, a Ornare/Shefa recebeu, segundo as notas, 379 mil reais. O item principal, neste caso, são os luxuosos armários. Há também um contrato assinado por Patrícia Cardim, irmã de Priscila e diretora financeira da Febasp, em nome da instituição. Nele, é possível ver produtos que chamam a atenção e são pouco comuns para uma instituição de ensino, como a reforma de duas suítes, dois closets pessoais, dois banheiros para um casal, além de uma sala de jantar, uma lavanderia, uma cozinha e uma despensa. Todos os itens contém detalhes luxuosos e são típicos de um apartamento e não apresentam características para um imóvel funcional de uma universidade.

Há, por exemplo, a contratação de produção de armários para dois closets para um casal, em formatação descritas para um senhor e uma senhora, no primeiro caso ao custo de 58,3 mil reais e no segundo caso de 84,9 mil reais. O mesmo acontece com a descrição de produção de móveis para dois banheiros distintos, que somam cerca de 30 mil reais. Armários para duas suítes são citados no contrato ao custo de quase 85 mil reais. Uma cozinha de 51 mil reais, uma lavanderia de 23 mil, uma sapateira de 18 mil e uma despensa de 7 mil reais são os outros itens listados no negócio.

Para corroborar com o relato, os ex-funcionários ainda reuniram um projeto arquitetônico dos closets e suítes assinado por Rodrigo Martins, da Ornare/Shefa, em que Patrícia Cardim é citada como a cliente. Os itens apresentados são bastante semelhantes aos descritos no contrato assinada em nome da Febasp. Três notas fiscais emitidas para a instituição também foram reunidas pelos denunciantes.

Outros itens

O resgate de imagens de parte das empresas citadas nas notas e ordens de pagamento também permite ver itens como o chão de mármore no apartamento. O piso aparece em diferentes fotos. Pela produção e instalação, empresas como a Itu Mármores e Granitos e Somibras Mineração receberam, segundo as notas fiscais, mais de 800 mil reais.

Na imagem publicada pela Itu Mármores em dezembro de 2016, é possível ver o mesmo piso que mais tarde vai ser registrado nas redes sociais da Societá no apartamento da Priscila, que elogia boa parte dessas publicações em que o piso aparece. Ao fundo, no canto direito, ainda é possível ver uma área que se assemelha bastante à varanda assinada por Rodrigo Martins, da Ornare, no apartamento do Seridó, da filha de Cardim. As datas, novamente, coincidem com as notas fiscais e relatos dos ex-servidores da família.

Registros dos pisos no apartamento de Priscila Cardim. Nas imagens, a semelhança entre os locais é evidente. Há ainda um novo comentário elogioso da filha do reitor em uma das publicações.
Fotos: Reprodução

Modus operandi

Segundo os funcionários que trouxeram a denúncia à tona, o modus operandi dos desvios é praticamente o mesmo desde que Paulo Cardim assumiu a gestão da Belas Artes. Segundo estas fontes ligadas à área financeira da casa, o reitor, que publicamente se orgulha de ser um aliado de Jair Bolsonaro contra a corrupção, apresentaria notas fiscais de itens pessoais para serem reembolsados pela instituição desde 1993.

Primeiro, conta um ex-integrante da contabilidade, Cardim entregava notas fiscais de jantares e viagens que fazia com a esposa e família, além de, em várias ocasiões, entregar a fatura do cartão. “Isso tudo era feito às claras, de forma até amadora com notas de hotéis e faturas de cartão de crédito. Mas isso nunca era questionado porque ele tem muita força política”, conta o ex-servidor que por anos atuou na parte financeira da instituição.

O relato é corroborado por outro funcionário que atuava ainda mais próximo da família que faz um adendo: o esquema teria se ampliado com a chegada de Carmine Avena Júnior, marido de Priscila. “Ele virou uma espécie de operador da corrupção do Paulo. Tirava notas fiscais de altos valores por serviços de assessoria que sequer fazia. Ele tornou a coisa bem mais volumosa e profissional”, conta esta fonte.

Segundo os dois ex-integrantes da Belas Artes, os desvios passaram a ocorrer nos moldes do que foi feito para a reforma do apartamento a partir de 2010, com a chegada de Carmine, tendo crescido em 2012. O luxuoso apartamento, que estimam estar avaliado em 26 milhões de reais, teria sido comprado pela família Cardim em 2014, desconfiam, com recursos saídos da instituição. “Essas notas emitidas pelo Carmine”, diz uma das fontes.

Em ambos os casos, os ex-funcionários lamentam que as contas não sejam questionadas pelos associados da Febasp ou pela conselho fiscal da casa, que, segundo dizem, estariam há anos reféns dessa força política de Cardim.

O reitor e seus familiares, vale lembrar, vivem uma vida luxuosa, apesar de deixarem a instituição, por vezes, com dívidas milionárias em processos que se arrastam por décadas. Ele e outros integrantes da família também costumam citar Jair Bolsonaro como figura política querida.

Em outubro deste ano, auge do debate eleitoral, Cardim chegou a publicar um texto no seu blog dentro do site da Belas Artes em que manifestava apoio a candidatura de Bolsonaro, continha termos xenofóbicos e usava temas caros à extrema-direita como a ‘ideologia de gênero’. Pela mensagem, foi alvo de protestos nos campi da universidade e duramente criticado pelos alunos, o que teria motivado a exclusão da mensagem. No lugar da antiga postagem de apoio, Cardim escreveu novo texto exaltando o termo liberdade de expressão.

Mais registros nas redes que apontam a forte ligação de Priscila Cardim com a obra exposta nas redes pela Societá. Nas fotos, é possível ver comentários da amiga da família, de Priscila e da sua sogra.
Fotos: Reprodução

Outro lado

A CartaCapital entrou em contato com a Belas Artes e Paulo Cardim, mas não obteve retorno. O espaço segue aberto.

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