Justiça
Estado é culpado e deve indenizar fotógrafo que levou tiro no olho ao cobrir manifestação
Alex Silveira foi ferido por bala de borracha em 2000 e perdeu maior parte da visão. Apenas um ministro votou contra o entendimento


Por 10 votos a 1, o Supremo decidiu que o Estado de São Paulo é culpado no caso do repórter fotográfico Alex Silveira, que levou um tiro de bala de borracha vindo a Polícia Militar de São Paulo ao cobrir uma manifestação de servidores da educação na Avenida Paulista, em maio de 2000.
Para o ministro Marco Aurélio Mello, relator do processo, a responsabilização do Estado e a consequente obrigação de pagamento de valor indenizatório para o repórter é uma forma de garantir a liberdade de imprensa ao cobrir manifestações. “A Polícia Militar do Estado de São Paulo deixou de levar em conta diretrizes básicas de conduta em eventos públicos, sendo certo que o fotojornalista não adotou comportamento violento ou ameaçador”, afirmou.
A Corte também entendeu que a decisão é de repercussão geral — ou seja, vinculante para casos similares, como o de Sérgio Silva, outro fotógrafo que ficou cego ao ser atingido ao cobrir um dos protestos de junho de 2013.
Marco Aurélio teve o voto acompanhado pelos ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes. O voto contrário foi do ministro Nunes Marques.
A ação baseava-se em uma antiga derrota para o pedido de indenização do repórter: em 2014, o desembargador Vicente de Abreu Amadei afirmou que, ao fotografar o protesto organizado por servidores da educação, Alex Silveira teria se colocado em situação de perigo e, portanto, seria culpado por levar o tiro. O fotógrafo perdeu a maior parte da visão do olho esquerdo, o que afetou sua carreira. “O autor colocou-se em quadro no qual se pode afirmar ser dele a culpa exclusiva do lamentável episódio do qual foi vítima”, afirmou Amadei.
Em relação a essa interpretação, Marco Aurélio argumentou que o Tribunal de Justiça de São Paulo teria violado preceitos da profissão: “Viola o direito ao exercício profissional, o direito-dever de informar, conclusão sobre a culpa exclusiva de profissional da imprensa que, ao realizar cobertura jornalística de manifestação pública, é ferido por agente da força de segurança”, rebateu o ministro ao proferir sua tese.
Um dos votos que acompanha o relator, o ministro Alexandre de Moraes argumentou que culpabilizar o repórter faria com que jornalistas fossem impedidos de cumprir seu papel em uma manifestação — o de informar.
“A vítima não estava em um local de acesos proibido, estava no local nada manifestação. No legítimo exercício da sua profissão jornalística a vítima foi atingida. Não é razoável se exigir dos profissionais da imprensa que abandonem a cobertura de protestos. Estaríamos cerceando o exercício da liberdade de imprensa”.
Nunes Marques, que foi voto divergente, argumentou que, como todo profissional, o jornalista estaria sujeito ao que chamou de “acidentes de trabalho”, e que profissionais que colocam-se em risco de forma “proposital” poderiam ser beneficiados da indenização caso feridos.
“O profissional de imprensa, como qualquer cidadão, não está livre de sofrer acidente em seu trabalho. E é claro que o jornalista ferido por abuso ou imperícia policial deve ser sim indenizado, não estou negando isso de forma alguma. O que não se pode é, sob o argumento da liberdade de imprensa, instituir a regra abstrata de que a vítima, apenas pelo fato de ser jornalista, nunca contribuirá pelo evento danoso”, argumentou.
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