Sociedade

Em madrugada gelada, padre Lancelotti vai às ruas de SP em apoio aos sem-teto: ‘Desgastado emocionalmente’

Um homem de 66 anos morreu na manhã desta quarta no Núcleo de Convivência São Martinho, abrigo conveniado com a Prefeitura de São Paulo

Créditos: Divulgação
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O padre Júlio Lancelotti percorreu as ruas de São Paulo na madrugada desta quarta-feira 18 para prestar apoio a pessoas em situação de rua. Foi a madrugada mais fria do ano na capital. Às 7h, a cidade registrou mínima de 7 graus no Mirante de Santana, segundo informações do Instituo Nacional de Meteorologia. Devido às rajadas de vento, a sensação térmica variou entre 0°C e -2°C durante a madrugada e o amanhecer.

“Estou desgastado emocionalmente com tudo o que vi”, disse Lancelotti à reportagem de CartaCapital, ao relatar ter encontrado nas ruas pessoas passando mal devido ao frio, algumas já em estado crítico de hipotermia. Lancelotti afirmou ter percorrido um raio de três quilômetros na região central entre as 21h da terça 17 e as 2h desta quarta distribuindo cobertores, agasalhos e sopa.

Em uma das abordagens, encontrou um homem em uma barraca, sob um viaduto. Segundo o pároco, uma perua da Prefeitura passou pelo local, mas não chegou a se aproximar. “Esse rapaz estava com tuberculose, não tinha tomado nenhuma dose da vacina da Covid, estava com respiração muito ruim, com dor na cabeça, no peito, dificuldade respiratória”, narrou. “A gente pediu na tenda da Prefeitura montada na Sé que viessem socorrê-lo. Demorou muito para chegar e, quando chegou, o pessoal que veio na ambulância foi muito inadequado, disseram que ele não tinha critérios para atendimento. Por fim, o levaram para uma unidade da Assistência Médica Ambulatorial.”

Em outro caso, padre Júlio encontrou um homem em situação de rua que havia pedido acolhimento pelo telefone 156, da Prefeitura, por três vezes, sem conseguir atendimento.

À reportagem, Lancelotti questionou o modo como a Prefeitura presta atendimento à população em situação de rua, por meio de tendas e casas de acolhida.

O que falta para a Prefeitura é uma busca ativa dessas pessoas, estar presente nos territórios, ir ao encontro delas, chegar perto. Ontem, caminhando, encontramos pessoas em lugares muito escondidos, embaixo de marquises tão baixas que fazem com que a gente se questione como conseguiram chegar até lá.”

Ele também apontou que as políticas de atendimento não dão conta ‘quantitativamente e qualitativamente’ da população em situação de rua, que cresceu 31% em 2021, totalizando 31.884 pessoas de acordo com censo realizado pela Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social.

“O atendimento é centrado na Prefeitura, no que ela pode ofertar, não na necessidade da pessoa. Essa é a diferença. Então, essas pessoas têm que aceitar o que é oferecido, viram números, por isso muitos deles já não aceitam esse tipo de resposta”, avaliou. “Por exemplo, muitos centros de acolhida disponibilizam o pernoite. Veja, estamos no início da tarde com temperaturas de 7º C, com rajadas de vento… Não faz sentido que essas pessoas fiquem na rua aguardando pela abertura do serviço”, prosseguiu. “O serviço público continua burocrático, lento, institucional e pouco criativo.”

Cidade registrou morte em Centro de Convivência da Prefeitura

Um homem de 66 anos morreu na manhã desta quarta 18 no Núcleo de Convivência São Martinho, abrigo conveniado com a Prefeitura de São Paulo e administrado pelo Centro Social da Nossa Senhora do Bom Parto na Zona Leste da capital. Isaias de Faria morreu após sofrer uma convulsão enquanto aguardava para tomar o café da manhã.

Ele havia dormido na rua, próximo ao centro de convivência. O local não abriga a população sem-teto, mas oferece diariamente alimentação.

“Eu estava lá, servindo o café da manhã. Ele entrou, fez o registro, deu dez passos e caiu”, narrou padre Júlio.. “Presenciamos não só uma morte como, logo na sequência, um irmão com hipotermia, e foi muito difícil conseguir que uma ambulância viesse socorrê-lo.”

Créditos: Foto: Reprodução/TV Globo

O que diz a Prefeitura

Em nota publicada em 16 de maio, a Prefeitura anunciou que criaria mais 200 vagas para abrigar pessoas em situação de rua nas noites mais frias, além da rede de acolhimento regular com 15.116 vagas para pernoite e 2.138 em hotéis. Informou ainda sobre um aditamento para a contratação de 56 novos orientadores socioeducativos para a realização da abordagem social, a fim de somar ao trabalho de 100 profissionais que já atuam neste período.

“Também serão adquiridas 13 novas viaturas que serão utilizadas por equipes que realizam a abordagem social durante a noite e a madrugada. A medida vai dar maior agilidade ao atendimento das notificações que chegam através do Serviço 156. Haverá ainda a criação de vagas com canil nos Centros de Acolhida, e a aquisição de gaiolas de transporte de animais”, informou ainda a administração municipal.

A Prefeitura também declarou que, sempre que a temperatura estiver abaixo dos 10º, serão instaladas 10 tendas de atendimento à população em situação de rua para ofertar cobertores, sopas, bebidas quentes, vacinas contra Covid-19 e Infuenza e encaminhamentos aos Centros de Acolhida. Acrescentou ainda que, neste ano, haverá busca ativa durante a noite e a madrugada por moradores em situação de rua que desejem passar a noite em Centros de Acolhida. O serviço ficará disponível das 22h às 07h, durante toda a Operação Baixas Temperaturas.

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