Sociedade

Conflitos no campo cresceram 10% em 2022 e afetaram quase 1 milhão de pessoas, aponta relatório

Um relatório da Comissão Pastoral da Terra aponta que o país registrou, na média, um conflito a cada quatro horas; mais da metade dos casos acontecem na Amazônia Legal

Foto: Câmara dos Deputados
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O Brasil registrou, em média, um conflito no campo a cada quatro horas, em 2022. Segundo o relatório anual sobre violência no campo, divulgado nesta segunda-feira 17 pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), foram 2.018 casos de conflitos, envolvendo 909,4 mil pessoas e mais de 80 milhões de hectares em disputa em todo o país.

Os números representam um crescimento de 10,39% em comparação a 2021, quando as ocorrências totalizaram 1.828 casos.

Essa é a 37ª edição do relatório da CPT, organização vinculada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Para chegar aos números totais dos conflitos no campo ocorridos no país, a CPT levou em consideração não apenas as disputas pela terra, em si, mas questões ligadas à água, aos trabalhadores resgatados em condições análogas à escravidão, à contaminação por agrotóxicos e a outras formas de violência.

“Nos últimos dez anos, só em 2020 tivemos um número geral de conflitos maior do que este, em plena pandemia”, explica Isolete Wichinieski, da coordenação nacional da CPT. “Por isso, os números do ano passado são muito graves.”

Os conflitos atingem diretamente várias famílias brasileiras. Segundo o relatório, 181.304 famílias experimentaram, em 2022, os efeitos das disputas no campo, como violências contra a ocupação das terras, assim como ações coletivas de ocupação e acampamentos.

De acordo com a CPT, o crescimento é de 4,61% no número de famílias atingidas, em comparação a 2021.

O que explica os conflitos pela terra no Brasil

Avanços e retrocessos marcam a história dos conflitos agrários no Brasil, que jamais teve uma reforma agrária capaz de inverter a estrutura desigual do sistema – mais de cinco séculos depois da demarcação das capitanias hereditárias, o amplo território brasileiro ainda é dividido, basicamente, em grandes latifúndios. 

Na atualidade, três elementos contribuíram para a ampliação dos conflitos no campo, segundo o CPT: as disputas envolvendo a Amazônia Legal, os casos de trabalho análogo à escravidão e o aumento da contaminação por agrotóxicos.

A região que engloba a Amazônia Legal, sozinha, concentrou, no ano passado, 1.107 conflitos no campo, representando mais da metade (54,86%) de todos os casos no país. Essa área corresponde a quase 60% do território brasileiro, abrigando todo o bioma da Amazônia brasileira, 20% do Cerrado e parte do Pantanal Matogrossense.

De acordo com a CPT, 34 dos 47 assassinatos no campo registrados no Brasil em 2022 aconteceram na região, “um verdadeiro campo minado, no qual foram atingidas 121.341 famílias de povos originários e comunidades camponesas em 2022”. 

Fazendeiros foram responsáveis por 23% das ocorrências. O governo federal – em 2022, sob gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) – foi responsável por 16% dos casos, seguido por empresários (13%) e grileiros (11%). A CPT destaca que o governo federal, sob a antiga gestão, ampliou a sua participação nos conflitos, em comparação a 2021, saindo de 10% dos casos para os 16% mencionados.

“Esses conflitos, que deixaram de ser, em sua grande maioria, com os sem-terra”, explica Isolete Wichinieski. Agora, reforça, os conflitos avançam sobre comunidades, especialmente indígenas, por meio da grilagem mesmo ou invasões.

Sobre o impacto os casos de trabalho em condição análoga à escravidão, o relatório da CPT apontou que, em 2022, houve 207 notificações sobre a situação no meio rural, envolvendo 2.615 pessoas. Segundo a publicação, foi feito o maior número de resgates dos últimos dez anos (2.218). O aumento de resgates (+29%), em comparação a 2021, tem relação com o aumento (+32%) no número de casos.

O estado de Minas Gerais, segundo a CPT, lidera os números em matéria de condição análoga à escravidão: foram 62 casos em 2022, com 984 pessoas resgatadas. A CPT aponta que 88% dos casos de resgate de pessoas em condição análoga à escravidão, em 2022, aconteceram no meio rural.

A CPT alerta para o fato de que os dados não representam o número total de pessoas que trabalharam e foram resgatadas dessa condição no meio rural brasileiro, “uma vez que nem todas as ocorrências são notificadas ou mesmo descobertas”. De acordo com a CPT, os principais responsáveis pela sustentação dos casos trabalho análogo à escravidão são o agronegócio e as empresas de monocultivos. O setor sucroalcooleiro, por exemplo, foi responsável por 523 pessoas que foram resgatadas da condição, em 2022.  

A CPT monitora casos dessa natureza, muito embora o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), além de organizações da sociedade civil, também busquem avaliar a dimensão dos casos no país. No início do mês, por exemplo, o MTE atualizou a sua “Lista Suja”, acrescentando 132 nomes (no total, são 289) de empregadores que submeteram trabalhadores às condições análogas à escravidão.

Por fim, o relatório da CPT destaca que os conflitos no campo foram impulsionados, também, pelos casos de contaminação por agrotóxicos. No total, 193 pessoas foram atingidas pela situação, o que representa um aumento de 171,85%, em comparação a 2021. A CPT apontou que 6.831 famílias foram afetadas pela aplicação de veneno nas lavouras, no ano passado. Ou seja, um aumento de 86% em comparação ao ano anterior. Desde 2010, quando esse tipo específico de violação começou a ser apurado pela CPT, esse é o maior registro já constatado em um ano.  

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