Política

Como as redes de desinformação agem durante a calamidade no RS, segundo pesquisa

Pesquisadores avaliaram o teor das fake news e como as informações falsas pautaram o debate nas redes sociais

O presidente Lula durante visita a um abrigo em São Leopoldo (RS). Foto: Ricardo Stuckert/PR
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A catástrofe no Rio Grande do Sul serviu de palco para uma rede de disseminação de fake news. Entre as publicações, destaca-se a tentativa de minar a credibilidade do Poder Público diante da tragédia e atribuir ao próprio povo um trabalho mais significativo que o dos governos federal e estadual.

A conclusão é de pesquisadores do Núcleo de Integridade da Informação da agência Nova, que analisaram entre 1º e 13 de maio publicações no X (ex-Twitter) e no Instagram sobre o tema. Os resultados constam do Relatório Check Up Fake News, ao qual CartaCapital teve acesso.

No período, os especialistas avaliaram manualmente uma amostra aleatória de mil posts e consideraram um universo de 11.256 menções com o termo “Rio Grande do Sul”. O trabalho envolveu uma pesquisa qualitativa das informações e, posteriormente, uma análise quantitativa com 1.226 entrevistas, a fim de mapear o comportamento das campanhas falsas.

Os pesquisadores constataram a construção de cinco principais alegações falsas no período:

1. O Estado é omisso na mitigação dos impactos negativos da tragédia;

2. A burocracia estatal atrapalha as ações dos voluntários;

3. O governo e a mídia disseminam fake news para esconder a omissão e a incompetência na contenção dos danos;

4. A real situação do RS é pior do que tem sido reportado na mídia e reconhecido publicamente pelo governo;

5. O governo censura vozes dissonantes que tentam mostrar a verdade sobre a situação no estado, com a desculpa de “combater fake news”.

Para o analista-chefe do NII, Marcus Flora, o movimento, aparentemente coordenado, tem um propósito muito claro. “Aproveitar-se de um momento de calamidade para tentar recuperar narrativas e linhas de pensamento que estavam relativamente submergidas por conta do resultado eleitoral de 2022 e da tentativa fracassada de golpe de 2023.”

O arranjo, segundo os pesquisadores, se traduziu em diversas fake news, duas delas com mais capilaridade e aceitação: a de que caminhões seriam barrados por falta de nota fiscal e a de que empresários como Luciano Hang fariam mais pelas vítimas da catástrofe que o governo federal.

De acordo com o estudo, 56% dos entrevistados acreditam na primeira informação, posteriormente desmentida por órgãos como a Polícia Rodoviária Federal e a Agência Nacional de Transportes Terrestres (39% não acreditam); enquanto isso, 48% creem na notícia sobre os empresários bolsonaristas (ante 43% que não acreditam).

Para os pesquisadores, a aceitação mostra que o sistema de desinformação prospera ao dar uma nova “roupagem” a uma informação factual. A campanha também contou com o suporte de expoentes do bolsonarismo nas redes sociais.

Por outro lado, a pesquisa aponta que outras versões fantasiosas, como a de que o presidente Lula (PT) teria patrocinado o show da cantora Madonna, são rejeitadas. Na pesquisa, 39% disseram ter visto essa fake news circular, mas 61% não acreditam.

Outro fator a ser considerado é que a maioria das pessoas acompanhou o desenrolar da tragédia no Rio Grande do Sul pelas redes sociais.

“O centro do debate passaram a ser as informações falsas que circulam e não a tragédia em si, com seu impacto social, humanitário e econômico”, avalia Flora.

“Esse comportamento nos provoca várias reflexões sobre o impacto do sofrimento humano que ficou relegado pela disputa política, fomentada por uma grande rede de desinformação, confirmando vários estudos de que estes desinformadores se aproveitam de situações extremas para descredibilizar as instituições democráticas, sem medir as consequências para a vida das pessoas, o medo e o pânico sua matéria-prima.”

“Equilíbrio” entre direita e esquerda

A calamidade pública no Rio Grande do Sul suscitou um debate “equilibrado” entre a direita e a esquerda, ainda que com diferenças na estratégia.

Dados da pesquisa colhidos entre 1º e 8 de maio no X mostram que os perfis progressistas envolvidos no debate eram 52% dos usuários, contra 48% de um público mais alinhado ao bolsonarismo. No entanto, enquanto o cluster mais à direita criava “narrativas” diariamente, os perfis mais progressistas se concentravam em tentar rebater as alegações.

“Ainda que em um movimento reativo, é importante que diferentes setores da sociedade, como o governo, representantes políticos, de movimentos sociais e da própria imprensa se posicionem diante à rede de desinformações e exerçam influência sobre a opinião pública”, avaliam os pesquisadores. “Há uma grande parcela da sociedade que não quer ser enganada.”

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