Sociedade

Chacina do Jacarezinho: Comissão Arns denuncia na ONU violações de direitos humanos

Integrantes da comissão pedem uma investigação independente urgente

Protesto em razão do massacre em Jacarezinho. Foto: Mauro Pimentel/AFP
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A Comissão Arns entrou com uma ação na ONU nesta terça-feira 1 denunciando violações graves de direitos humanos na operação que deixou pelo menos 28 mortos na comunidade do Jacarezinho, no Rio de Janeiro, em maio.

O “apelo urgente” foi apresentado a quatro relatorias da Organização das Nações Unidas. Ele tem como objetivo “denunciar à comunidade internacional as arbitrariedades cometidas durante a operação Exceptis, das polícias Civil e Militar do Rio de Janeiro, que culminou na chacina”.

A Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evristo Arns acionou as seguintes relatorias da ONU: execuções sumárias, formas contemporâneas de racismo, pessoas de descendência africana e a relatoria de pobreza extrema.

“O desespero da Comissão Arns ao bater às portas de quatro relatorias da ONU é pedir que nos ajudem a fazer pressão para que essas audiências que estão sendo feitas sejam verdadeiras, não sejam sob coação, com as pessoas sendo ameaçadas veladamente. É por isso que a gente está pedindo apoio das relatorias da ONU para que possam pressionar o governo brasileiro. Nós estamos esgotando as nossas possibilidades no Brasil. É por isso que aqui, agora, vamos buscar os remédios internacionais. Porque estamos convencidos de que esses remédios são importantes e podem nos ajudar”, explica Laura Greenhalgh, integrante da Comissão durante uma entrevista coletiva online, em Genebra.

Ela falou ainda de operações policiais que se alinham “à visão bolsonarista” de segurança pública, “que é o padrão de extermínio, do tiro na cabeça, do gestual cheio de armas”, disse.

Investigação independente

Oscar Vilhena, jurista e diretor da Faculdade de Direito da FGV e membro da Comissão, ressaltou a necessidade de uma “investigação independente urgente”. Ele indicou que estão recebendo relatos de que as testemunhas estão sendo coagidas na investigação oficial.

“A operação que resultou na morte de 28 ou 29 pessoas no dia 6 de maio, na comunidade do Jacarezinho, em alguma medida repete um padrão de criminalização de jovens negros, moradores das periferias brasileiras. A operação foi levada a cabo a partir do pretexto que havia de se comprimir 21 mandados de prisão. De acordo com a polícia, havia suspeitos de aliciamento de crianças e adolescentes pelo narcotráfico. Como tem sido largamente relatado por ONGs brasileiras e internacionais e por relatórios de autoridades das Nações Unidas, casos de grave violação de direitos humanos se tornaram padrão de comportamento da polícia do estado do Rio de Janeiro”, disse.

Ele ainda destacou que apenas três das vítimas da chacina tinham algum passado criminal e que a “ação policial se deu em confronto com uma decisão do STF que limitava as operações junto às comunidades do Rio a casos excepcionalíssimos”. Levando em conta que há um “padrão de comportamento da polícia com graves violações de direitos, execuções sumárias e ausência de controles externos eficientes”, a Comissão resolveu fazer esse apelo urgente aos relatores especiais das Nações Unidas, declarou Vilhena.

Genocídio contra juventude negra

José Vicente, reitor da Universidade Zumbi dos Palmares e também membro da Comissão Arns, destacou o fato de vivermos “uma trajetória de cerceamento e limitação dos direitos do negro brasileiro”, do “racismo estruturante”, que determina um tratamento de cidadania inferior aos negros.

Ele lembrou que a juventude negra é alvo preferencial das ações policiais, “que se aproximam de um verdadeiro genocídio contra a juventude negra brasileira”. Isso provoca, segundo ele, uma representação dos negros no sistema prisional muito superior à média nacional. “Sendo 54% dos brasileiros, os negros são quase 70% daqueles que estão encarcerados”, detalhou.

“Relação de guerra entre polícia e população das favelas”

Durante a coletiva online de imprensa, Luiz Carlos Bresser Pereira, economista, ex-ministro da Fazenda do governo José Sarney e também membro da Comissão Arns, disse ser evidente “a influência de políticos por trás de ações da polícia”, como na operação feita no Jacarezinho.

Ele afirmou que, quando a Comissão foi formada em 2019, seus fundadores previam que a situação dos direitos humanos no Brasil, “que vinha melhorando”, pioraria muito com o novo presidente, “que é um estimulador de violência”.

“Infelizmente, isso se confirmou. A relação que a polícia do Rio de Janeiro tem hoje com a população pobre das favelas não é uma relação de serviço, mas é uma relação de guerra. E nessa guerra, eles sabem que têm o apoio do presidente, do vice-presidente e do governador do estado. Isso é muito grave”, denunciou.

Segundo Bresser Pereira, as manifestações de junho de 2013 iniciaram um “ciclo infernal”, que ele espera estar terminando com as manifestações 29M da última semana. “Nesse período, nós tivemos um impeachment, uma grande crise econômica e a eleição de um populista de extrema direita.

Trâmite da ação

O próximo passo, de acordo com a Comissão, é o pedido de informações ao governo brasileiro que será enviado pelas relatorias. Os membros da Comissão explicaram que o apelo é “urgente” por conta da gravidade da situação.

“Esse questionamento e a resposta do Brasil vão para uma lista de casos que é apresentada em cada sessão do Conselho de Direitos Humanos. E por aí a gente vai medir o grau, a qualidade da resposta do Brasil, o grau de cooperação, a necessidade de se vir um especialista externo, da capacidade do Brasil em responder para isso. O resultado global vai mostrar a capacidade do Brasil de cooperar com os mecanismos internacionais ou não. O Brasil voltará a cooperar, a se engajar com a comunidade internacional ou continuará rumando para ser um pária internacional?”, questiona o advogado Paulo Lugon Arantes, que atua em direito internacional e direitos humanos na ONU.

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