Sociedade

Acorrentadas ao STJ, mulheres protestam contra possível redução na cobertura dos planos de saúde

O STJ vai decidir se a lista de procedimentos da ANS deve ser entendida como taxativa ou exemplificativa, o que altera o atendimento aos usuários

Créditos: Divulgação
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Dezenas de mulheres iniciaram a quarta-feira acorrentadas em frente ao prédio do Superior Tribunal de Justiça, em Brasília, para protestar contra um dos julgamentos do dia: o que definirá um entendimento acerca da lista de procedimentos de cobertura dos planos de saúde, instituída pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). O julgamento será retomado às 14h.

A votação vai definir se o rol de procedimentos da ANS, regulada pelo Ministério da Saúde, é exemplificativo ou taxativo, ou seja, se as operadoras dos planos podem ou não ser obrigadas a cobrir procedimentos não incluídos na relação da agência reguladora.

O rol exemplificativo é muito mais favorável aos usuários dos sistemas de saúde por definir uma lista de procedimentos obrigatórios mínimos aos planos de saúde, mas sob o entendimento de que essa cobertura pode ser maior, podendo abarcar procedimentos caros. Esse entendimento dá margem para que as famílias busquem judicializar os casos de não atendimento.

“Atualmente, se vc tem câncer e o médico indica imunoterapia, por exemplo, ela não está no rol da ANS, que encontra-se arcaico e desatualizado. Mas, se você judicializar, o plano cobre. Se o STJ decidir que esse rol arcaico é taxativo, acabou. Os planos não serão obrigados a cobrir NADA que está fora da lista. E, pra pessoas com deficiências, doenças graves ou raras, isso tem um impacto brutal. É a mamata dos planos de saúde sendo institucionalizada!”, escreveu em suas redes sociais a ativista Andréa Werner, fundadora do Instituto Lagarta Vira Pupa, uma rede de apoio para mães, famílias e pessoas com deficiência em todo o País.

Com a proximidade do julgamento, o apresentador Marcos Mion também foi às suas redes pedir mobilização para que o julgamento do STJ descarte o possível entendimento de rol taxativo. O artista é pai de um adolescente autista, Romeo, de 16 anos.

Mion considerou a possibilidade do rol taxativo ‘absurda’. “Pode afetar milhões de autistas, pessoas com deficiência, e na verdade até você que não se enquadra em nenhum desses casos, mas depende de um plano de saúde”, explicou.

“Dependendo do resultado desse julgamento a gente vai ter um aumento das negativas por parte dos planos de saúde, o que é extremamente revoltante e preocupante”, expôs. “Se o resultado desse julgamento for favorável a eles, os planos vão simplesmente ganhar uma carta branca para levar à risca essa lista de procedimentos e tratamentos publicados pela ANS. Ou seja, qualquer tratamento que não estiver nesse rol de procedimentos vai vai ser negado, de cara, mesmo que tenha sido prescrito por um médico, mesmo que seja de extrema importância para a pessoa e mesmo que você pague o seu plano direitinho todos os meses.”

O apresentador considerou o cenário ‘angustiante’ e afirmou que uma decisão favorável aos planos de saúde deixará a sociedade de mãos atadas, sem nenhuma chance para recorrer.

Entenda o julgamento

O julgamento foi iniciado em setembro de 2021 ocasião em que o relator do caso, o ministro Luis Felipe Salomão, votou a favor da taxatividade da lista editada pela ANS, mas com excepcionalidade. O ministro falou sobre a segurança das relações jurídicas e afirmou que o Judiciário possui um papel fundamental de promover uma interpretação justa e equilibrada da legislação, “sem sentimentalismos e ideias preconcebidas”. Seus argumentos foram fundamentalmente pautados na defesa da legislação que rege o setor suplementar, na legitimidade da ANS como reguladora, no equilíbrio econômico contratual, e na comprovação científica dos tratamentos de cobertura obrigatória.

A análise do caso, no entanto, foi interrompida pela ministra Nancy Andrighi, que será a primeira a votar nesta quarta-feira. A ministra é autora de um posicionamento diferente do que foi apresentado por Salomão.

A decisão que ocorre na 2ª Seção não fixará uma tese definitiva para o tema, mas pacificará o assunto entre as turmas, além de o resultado sinalizar qual o caminho será seguido em uma futura jurisprudência consolidada. Depois do voto da relatora, esperado para a sessão de quarta-feira, outros sete ministros deverão proferir seus votos.

Ao se manifestar sobre o tema em suas redes sociais, o deputado federal Orlando Silva lembrou que, hoje, a jurisprudência é favorável aos usuários e que há chances do entendimento se manter. “A maioria dos tribunais do país entende que o rol é exemplificativo, ou seja, a lista de procedimentos obrigatórios que os planos devem arcar é maior, podendo abarcar outros tratamentos caros.

O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) lembrou que o caso será decisivo para 49 milhões de usuários que contam com planos de saúde e tem o acesso a tratamentos e medicamentos protegidos pela Lei de Planos de Saúde e pelo Código de Defesa do Consumidor.

“De acordo com essas normas, as operadoras têm a obrigação de cobrir o tratamento de todas as doenças contempladas na CID (Classificação Internacional de Doenças) da OMS (Organização Mundial de Saúde). Agora, as empresas querem limitar as coberturas à lista de procedimentos elaborada periodicamente pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), que é defasada por natureza, para ampliar ainda mais o seu lucro”, criticou o instituto, que vê o rol taxativo como um retrocesso.

“Um retrocesso dessa magnitude é impensável, ainda mais em um contexto de crise sanitária e de encolhimento da renda das famílias, que muitas vezes fazem um esforço enorme para honrar o boleto do plano todos os meses”, criticou Ana Carolina Navarrete, advogada do Programa de Saúde do Idec.

“Se há um lado economicamente vulnerável nessa história, esse é o lado das famílias, que podem se ver sem cobertura em um momento de grande necessidade. O STJ tem o papel de barrar esse retrocesso e fazer valer os direitos consagrados no Código de Defesa do Consumidor”, completou.

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