Sociedade

A saúde mental dos brasileiros por raça, renda e orientação sexual, segundo pesquisa

Índice considera três dimensões – confiança, vitalidade e foco – e pode ajudar a formatar ações e políticas públicas

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Um levantamento divulgado nesta sexta-feira 3 aponta que 62,5% dos brasileiros não utilizam serviços de saúde mental públicos ou privados e que apenas 5% recorrem à psicoterapia. Em contrapartida, 16,6% dizem tomar medicação de uso contínuo para problemas emocionais, comportamentais ou relacionados ao uso de substâncias.

Os dados fazem parte da Pesquisa Panorama da Saúde Mental, realizada pelo Instituto Cactus e pelo Atlas Intel.

A percepção sobre como os brasileiros lidam com a saúde mental é um dos eixos do estudo, com o intuito de aferir as dimensões que impactam os indivíduos e criar um referencial para acompanhar o tema, a fim de induzir a formatação de ações e políticas públicas.

A metodologia ainda previu a criação do Índice Instituto Cactus-Atlas de Saúde Mental, com base em um questionário de saúde geral aplicado aos entrevistados. O índice considera três dimensões – confiança, vitalidade e foco – e é medido em uma escala de zero a mil pontos.

No aspecto individual, um resultado próximo a mil seria associado ao máximo de foco, vitalidade e confiança; na sociedade, um dado que se aproximasse de mil corresponderia a uma situação na qual todas as pessoas reportaram o nível máximo.

O País teve um iCASM de 635 pontos no primeiro semestre de 2023. Na dimensão “confiança”, a pontuação foi de 733, sendo que 60% dos brasileiros disseram ter confiança neles mesmos. No entanto, 17% apontaram ter perdido a confiança ou até se considerado inúteis.

Na dimensão “vitalidade”, que chegou a 637 pontos, chama a atenção que quase um quarto dos brasileiros (24%) tem se sentido constantemente esgotado e sob pressão, enquanto um quinto (21%) declara perda frequente do sono e a sensação de que não pode superar as dificuldades. 17% afirmam ter se sentido muito mais infelizes e deprimidos do que normalmente.

No “foco”, com 535 pontos, cabe destaque ao fato de que apenas um quarto da população brasileira acima de 16 anos declara ter conseguido se concentrar bem naquilo que faz muito menos que de costume, afirma não ter realizado com satisfação suas atividades do dia-a-dia e diz não ter sido capaz de enfrentar seus problemas adequadamente.

O índice avaliado por características demográficas

1. Gênero e identidade de gênero

O estudo também aferiu o índice por características demográficas, como gênero e identidade de gênero. Os homens obtiveram uma pontuação maior que as mulheres em cada uma das três dimensões do índice de saúde mental. Os entrevistados que se identificam como transgênero obtiveram o resultado mais baixo dentre todas as categorias demográficas avaliadas pelo estudo, 445. Esse resultado contrasta com o dado daqueles que se identificam como cisgênero (638), que alcançaram o mesmo nível da média nacional no iCASM.

2. Orientação sexual
Apenas os respondentes que se declararam heterossexuais obtiveram um resultado acima da média nacional no iCASM: 656, ante 635. Aqueles que se declararam homossexuais tiveram um resultado abaixo da média (576), mas ainda assim em um estágio acima das demais orientações sexuais. Bissexuais, assexuais e pansexuais tiveram pontuações abaixo de 500, as menores entre todas as orientações.

3. Nível socioeconômico

É possível identificar uma associação entre o aumento na renda e uma pontuação melhor no índice. Enquanto na faixa de 0 a 2 mil reais o índice foi de 576, na faixa acima de 10 mil reais ele passa de 737. Outros fatores econômicos identificados – como desemprego e níveis de preocupação em relação à situação financeira – também parecem fundamentar a avaliação de que o tema é um dos principais fatores associados à saúde mental do brasileiro.

4. Idade

Quanto mais jovem, mais baixo o índice de saúde mental. A faixa etária de 16 a 24 anos obteve apenas 534 pontos, abaixo da média nacional. O dado evidencia a importância de entender o tipo e a magnitude dos desafios psicológicos enfrentados pelos mais jovens, devido ao efeito potencialmente duradouro dessa fase sobre a saúde mental ao longo da vida. Os resultados melhoram progressivamente entre aqueles acima de 35 anos, sendo que os brasileiros com mais de 60 anos atingiram uma pontuação mais elevada (757).

5. Raça

As respostas relativas a “raça ou cor” autodeclarada não apresentaram grandes variações em relação à média nacional, de 635. No comparativo entre as raças autodeclaradas pelos entrevistados, há uma flutuação para baixo do iCASM de pretos, pardos e amarelos (617, 633 e 612, respectivamente). Os indígenas, em comparação com as demais raças pesquisadas, apresentaram confiança reduzida.

6. Religião

Aqueles que possuem alguma crença tiveram pontuações mais altas no iCASM: evangélicos, com 669; católicos, com 651; crentes sem religião, com 629; e outra religião, com 598. Já ateus e agnósticos obtiveram resultados quase cem pontos abaixo da média nacional, atingindo 548.

“Combinado ao dado de que pessoas que visitam templos com mais frequência tendem a apresentar menos sinais de problemas relacionados à saúde mental, esse padrão pode abrir espaço para reflexões sobre o papel da religião como colchão psicoemocional, ou como mecanismo de autoproteção da saúde mental dos indivíduos”, ressaltam os pesquisadores.

7. Perfil ocupacional

Já no contexto da população economicamente ativa, os empresários despontam com o melhor índice, de 766. A pontuação é de 680 entre os assalariados e de 494 entre as pessoas que procuram emprego. Já entre a parcela da população que não participa do mercado de trabalho, o maior índice fica com os aposentados (748). Estão abaixo da média nacional pessoas ligadas às tarefas domésticas (542) e estudantes (522).

Ter boas relações com a família está associado a pontuações mais altas

Indivíduos que relataram relações saudáveis com familiares e amigos apresentaram pontuações mais elevadas. Por outro lado, aqueles que admitiram brigas nas semanas anteriores à pesquisa tiveram uma das piores pontuações (370) entre todas as categorias analisadas.

Outro fator observado é a associação entre a prática de esportes e um índice de saúde mental mais elevado. O iCASM de quem não pratica atividade física ficou em 580, saltando para 722 no grupo que se exercita três ou mais vezes por semana. A autoestima também se mostrou relevante: indivíduos que disseram duvidar mais da própria beleza ou inteligência tiveram pontuações mais baixas, 384, praticamente a metade dos 776 do grupo que não relata esse sentimento.

Para a gerente-executiva do Instituto Cactus, Luciana Barrancos, o novo índice pode apoiar pesquisas acadêmicas, iniciativas inovadoras e políticas públicas. “Diferentemente de um olhar clínico, o estudo se propõe a trazer uma abordagem social e estrutural para o tema da saúde mental e a aproximar a população desse assunto. O convite é para a ampliação do debate a partir das evidências”, afirma.

A pesquisa foi realizada de 19 de janeiro a 20 de fevereiro deste ano e considerou como alvo a população acima de 16 anos. A amostra foi de 2.248 respondentes, com um nível de confiança de 95% e uma margem de erro de 2 pontos percentuais.

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