Cultura
“A minha política é a música”, diz Elza Soares, que será enredo da Mocidade
A cantora e compositora brasileira será homenageada com o tema ‘Elza Deusa Soares’
Aos 89 anos, a cantora e compositora Elza Soares verá pela primeira vez a sua história desfilar na Marquês de Sapucaí, no Rio de Janeiro. Ela será homenageada pela Mocidade Independente de Padre Miguel, que desfilará nesta segunda-feira 24. Com o tema “Elza Deusa Soares”, que tem como uma das compositoras a cantora Sandra de Sá, a escola pretende reviver momentos da história da cantora, marcada por enfrentamentos e superações desde muito cedo.
A expectativa de Elza é das melhores. “Acho que a minha história será contada de uma maneira linda. Vai ser contada a história da minha vida, que nem todo mundo gostaria de passar, mas fica o que é passar por um sufoco e vencer. Todo mundo tem um momento duro na vida”, afirma a cantora.
Nascida no subúrbio do Rio de Janeiro, foi forçada a se casar aos 12 anos e, aos 13, já era mãe. A sua primeira relação lhe rendeu seis filhos e duas perdas, um filho faleceu ainda no parto e o outro no primeiro ano de vida. Nos idos da década de 60, no início de sua carreira, Elza conheceu o jogador brasileiro Garrincha e, por muito tempo, teve que lidar com o estigma da mulher que acabou com o casamento do astro. Sua relação com o jogador durou 15 anos. Com ele, Elza teve um único filho que morreu vítima de um acidente de carro, em 1986, no Rio. Junto ao jogador, foi alvo de perseguição da ditadura militar, o que os fez fugirem para a Itália. O casal permanece junto até 1982, em uma relação também marcada pelo alcoolismo de Garrincha e passionalidade. Mais recentemente, em 2015, Elza Soares perdeu o filho Gilson Soares, devido a complicações de uma infecção urinária.
Foi também no ano que a cantora decidiu externar o tema da violência doméstica. No álbum A Mulher do Fim do Mundo, Elza Soares compôs a faixa “Maria da Vila Matilde”, que fala sobre a tomada de consciência diante a violência contra a mulher. A frase “Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim” é marcada na composição. “Depois que você é mãe, você começa a enxergar a vida de uma outra maneira. Eu sempre quis ser protetora dos meus filhos, assim como de gente que não é meu filho também. E comecei a ver que temos que enfrentar o machismo, o racismo, tudo que não presta”, afirma. Elza reconhece que passos importantes foram dados nesse sentido, mas que a caminhada ainda é longa. “Hoje temos voz. É não esmorecer, ter coragem e vamos chegar lá”, propõe.
Com 84 lançamentos em discos e cerca de 3500 músicas gravadas, a cantora reconhece que a música é um caminho para politizar a sociedade, aventar a consciência acerca dos direitos humanos e promover resistência. “A minha política é a música. Não faço a política de falar de ciclano ou beltrano, mas através do meu espaço musical”, esclarece. É o caso de seu último álbum Planeta Fome, lançado em 2019, em que a cantora discorre sobre questões sociais do País, em um misto de indignação e esperança. Para suscitar questões da saúde, educação e da fome, Elza cita o questionamento feito pelo grupo Titãs em Comida (Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer e Sergio Brito, 1987): “Você tem fome de quê? Você tem sede de quê?”.
Veja a letra do samba da Mocidade
Lá vai, menina
Lata d’água na cabeça
Esqueça a dor
Que esse mundo é todo seu
Onde a água santa foi saliva
Pra curar toda ferida
Que a história escreveu
É sua voz que amordaça a opressão
Que embala o irmão
Para a preta não chorar
Se a vida é uma aquarela
Vi em ti a cor mais bela
Pelos palcos a brilhar
É hora de acender
No peito a inspiração
Sei que é preciso lutar
Com as armas de uma canção
A gente tem que acordar
Da “lama” nasce o amor
Quebrar as agulhas
Que vestem a dor
Brasil
Esquece o mal que te consome
Que os filhos do Planeta Fome
Não percam a esperança
Em seu cantar
Ó nega!
Sou eu que te falo em nome daquela
Da batida mais quente
O som da favela
A resistência em oração
Se acaso você chegar
Com a mensagem do bem
O mundo vai despertar
Deusa da Vila Vintém
És a estrela
Meu povo esperou tanto pra revê-la
Laroyê e Mojubá
Liberdade
Abre os caminhos pra Elza passar
Canta Mocidade!
Essa nega tem poder
É luz que clareia
É samba que corre na veia
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