Saúde

Recuperados? Semanas depois, pacientes da covid-19 ainda têm sintomas

Queixas mais comuns são dor de cabeça, rins, fraqueza e a perda de olfato e paladar. Ciência indica que a doença é sistêmica

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A servidora Rosana Fenati, 60 anos, e o marido, Pedro Luiz Vaz, 70, apresentaram os primeiros sintomas do coronavírus no dia 18 de março. Dias depois, sem ver melhora, foram a um hospital no Rio de Janeiro. Ela foi liberada para tratar a doença em casa. Já ele, mesmo sem comorbidades, teve uma pneumonia grave e trombose. Passou oito dias hospitalizado, mas respondeu ao tratamento antes da entubação. Três meses depois, ela ainda sofre com sintomas da doença. O marido, não.

Rosana fez o teste de sorologia IgG, que acusou anticorpos para a doença. Também não teve danos pulmonares. “Mesmo assim sinto falta de ar, cansaço e dores nas articulações e na lombar… Também tive muitas dores nos rins, mas os exames de sangue e de urina não acusaram nenhum dano aparente”, conta ela. Sem respostas, ela vai refazer todos os exames e voltar ao médico no mês que vem.

O casal faz parte dos casos considerados ‘recuperados’ pelo Ministério da Saúde – 571.649 até esta terça-feira 23. Quem acessa o site oficial da pasta dá de cara com esses números em letras garrafais, enquanto as 51.271 mortes aparecem no canto da tela, bem menos destacados. Como parte de um esforço para minimizar o impacto da covid-19 no Brasil, a Secretaria de Comunicação tem propagandeado um ‘placar da vida’. Mas a história do casal mostra que ainda é cedo para falar em cura. São milhares os relatos de infectados que, semanas após atravessar a fase mais aguda do vírus, continuam apresentando sintomas. Os mais comuns são dor de cabeça, diarreia, perda de olfato e paladar, dores renais e fraqueza muscular.

Rosana e o marido, Luiz tiveram covid-19. Ela ainda tem sintomas. Ele, apesar do caso mais grave, não (Foto: Reprodução/Facebook)

É também o caso do fisioterapeuta paulistano Fábio Rodrigues, de 46 anos. Especializado em recuperação cardiorrespiratória, ele contraiu o vírus entre os pacientes do Hospital das Clínicas, referência no atendimento ao coronavírus em São Paulo e região. Não chegou a ser hospitalizado mas, duas semanas após o diagnóstico, ainda não recuperou totalmente o olfato e o paladar. “Também sinto um cansaço que surge repentinamente.” 

Já se sabe que a covid-19 provoca uma reação inflamatória muito mais intensa do que a da gripe e do H1N1. Um quadro conhecido como imunotrombose. “É normal manifestar sintomas por até oito semanas. Não quer dizer que todo mundo vai ter, mas acontece sim com certa frequência”, conta Daniel Deheinzelin, pneumologista no Hospital Sírio-Libanês. Ainda não está claro, contudo, se estas manifestações são provocadas pela doença em si ou pela resposta inflamatória. 

Fabio Rodrigues, fisioterapeuta do Hospital das Clínicas: caso leve, sintomas prolongados

No grupo Eu Já Tive Covid-19, que mais de mil membros no Facebook, a fraqueza persistente é uma das principais reclamações. O fenômeno está relacionada à perda de massa muscular, atribuída tanto à infecção pelo vírus quanto ao uso dos músculos pelo organismo como substrato energético. “É como se alguém queimasse os móveis para escapar do frio”, resume o patologista Paulo Saldiva, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Especialista em doenças respiratórias, ele coordena uma equipe que, desde março, realiza autópsias pouco invasivas em mortos com a doença. “Onde procuramos o coronavírus, estamos encontrando. Saliva, testículos, baço, fígado…”, conta. Outra descoberta é que, embora atinja de forma generalizada o organismo, o processo de expulsão do vírus se dá de maneiras diferentes entre cada região. “O últimos lugares que se livrar do vírus, aparentemente, são o pulmão e o cérebro”. Quase cinquenta cadáveres foram analisados. Incluindo alguns cuja história é fundamental para conhecer a vida natural da doença: crianças, cardiopatas e pessoas que passaram longos períodos sob respiração assistida.

Como o coronavírus é recente e desconhecido, ainda não houve tempo para conferir se os sintomas prolongados que muitos pacientes apresentam se converterão em sequelas de fato. “A perda definitiva mais provável são as sequelas pulmonares, mas ainda é cedo para afirmar”, completa o patalogista. Um grupo liderado pelo pneumologista Carlos de Carvalho, chefe do Centro de Contingência do Coronavírus em São Paulo, pretende colocar a prova justamente essa possibilidade. Os pesquisadores devem acompanhar, por um ano, cerca de 2 mil pacientes de covid-19 que deixarem o Hospital das Clínicas.

Os mecanismos biológicos da doença que infectou mais de 8 milhões de pessoas e matou mais de 500 mil no mundo todo ainda são um mistério para a ciência. Tido inicialmente como extremamente contagioso, mas pouco letal, o vírus se revela um inimigo inabalável que ataca quase todos os sistemas do organismo. Embora comece nos pulmões e vias aéreas não se limita a eles. Ou seja: não é uma doença respiratória, e sim sistêmica. E já atinge 9 em cada 10 cidades brasileiras. Embora muitos municípios estejam voltando à rotina em meio a uma escalada dos casos, a recuperação dos que engordam o ‘placar da vida’ mostra que o coronavírus é bem mais que uma gripezinha.

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