Entrevistas

cadastre-se e leia

‘O home office deve ser considerado até que tenhamos segurança’

Vivemos um momento de instabilidade com o surgimento de cepas cujo comportamento não dá para prever, diz o infectologista Jamal Suleman

Os hospitais voltaram a lotar e faltam profissionais de saúde no atendimento, alerta Suleiman
Apoie Siga-nos no

Hoje, mais de 99% das infecções por Covid são devidas à variante Ômicron. Apesar do apagão de dados do Ministério da Saúde, está clara a explosão de casos diagnosticados e hospitalizados diariamente. O contágio está tão intenso que faltam testes e profissionais de saúde. Autoridades tentam minimizar o impacto da cepa altamente contagiosa, a ponto de o presidente da República, espantosamente, declarar bem-vindo este vírus. Passados dois anos da pandemia e da avalanche de informações jogadas ao público, parece que muitas pessoas aprenderam pouco.

Conversamos com o doutor Jamal Suleiman, infectologista no Instituto Emílio Ribas, em São Paulo, tarde da noite, depois de ele ter passado um dia se voluntariando no atendimento emergencial de seu hospital, para cobrir a falta de profissionais de saúde afastados pela Covid. A lucidez de suas colocações e a intensidade de sua luta pela saúde pública nos ajudam a ver o quadro atual longe dos extremismos politizados.

CartaCapital: É prudente liberar infectados por Covid após isolamento de cinco dias, apesar de estudos recentes revelarem que 19% dos infectados pela Ômicron continuam positivos além de nove dias?
Jamal Suleiman: Diante das características dessa variante quanto à sua capacidade de transmissão, o prazo de cinco dias é inoportuno para indivíduos sintomáticos. Ainda que os sintomas sejam brandos e a febre não seja um achado comum, a persistência de partículas virais viáveis no quinto dia de doença torna a liberação do isolamento um risco.

CC: Estudos revelam que risco de miocardite é 37 vezes maior em crianças infectadas com Covid, e que as vacinas trazem um risco mínimo (somente 12 casos identificados em 9 milhões de crianças vacinadas, sem sequelas). Como o senhor vê a estratégia do governo nesse tema?
JS: O Ministério da Saúde dispõe de instrumentos para vigilância de “eventos vacinais sérios”, que são de notificação compulsória no Brasil. Além disso, o sistema de vacinação também dispõe de informação da aplicação de cada imunizante em cada local de aplicação. O papel do ministério, por meio do Programa Nacional de Imunização, deve ser o de estimular o processo de imunização dessa faixa etária, mostrando a importância dessa ferramenta para a saúde pública.

CC: Há poucos dias, mais um estudo no New England Journal of Medicine­ confirmou a eficácia acima de 90% da vacina da BioNtech-Pfizer em 2.316 crianças entre 5 e 11 anos, com menos de 1% de efeitos colaterais leves. Por que tanta celeuma em torno da vacina?
JS: Não há dúvidas acerca da segurança e da eficácia dessa vacina. Neste momento da pandemia, a variável mortalidade é aquela para a qual todos os imunizantes devem ser dirigidos.

CC: A pandemia tem afetado os cuidados de pacientes com outras doenças. Recentemente, a Organização Mundial da Saúde fez um alerta sobre o aumento expressivo da mortalidade e a diminuição da notificação de casos de tuberculose. O senhor tem visto isso no Brasil?
JS: Sim, o impacto na assistência às outras doenças infecciosas é evidente, na medida em que os serviços dirigiram seus esforços, que são finitos, para a ­Covid. Outras doenças, entre elas a tuberculose, ficaram relegadas, demorando o seu diagnóstico e tratamento. Este mesmo cenário pode ser encontrado no tratamento da Aids, onde a tuberculose é a doença pulmonar mais prevalente.

“O TEMOR DE ESCAPES VACINAIS É REAL, UMA VEZ QUE NÃO HÁ EQUIDADE NA DISTRIBUIÇÃO DAS VACINAS”

CC: Os hospitais estão lotando novamente com casos de Covid e Influenza grave. Como está a situação no Emílio Ribas?
JS: O hospital é para doenças infecciosas com todas as modalidades de assistência e que tem porta aberta. Dentro do plano de contingência, é referência para casos graves. Portanto, seguimos com ocupação plena.

CC: A política de testagem em massa no Brasil, se é que isso existe, é falha. O que o senhor acha dos autotestes para Covid usados na Europa e nos EUA?
JS: O teste é fundamental como ferramenta auxiliar de diagnóstico e de adoção de medidas de contenção. Trata-se de um teste simples e, com um mínimo de orientação, qualquer um pode fazê-lo.

CC: Como o senhor vê a progressão da pandemia no Brasil e no mundo?
JS: Ainda vivemos um momento de instabilidade, com o surgimento de variantes cujo comportamento não podemos prever. O temor de escapes vacinais é real, uma vez que não há equidade na distribuição das vacinas. Por outro lado, o confinamento como ferramenta de distanciamento físico atingiu seu esgotamento, o que nos coloca em permanente risco.

CC: Estamos conhecendo cada dia melhor a variante Ômicron. É cauteloso dizer que é uma forma leve de Covid?
JS: A forma aguda em não vacinados é mais branda, mas não menos preocupante, uma vez que temos pessoas não vacinadas que continuam com risco potencial para desenvolvimento de formas graves. Outro aspecto a se lembrar é que não sabemos o que pode acontecer após a infecção, a longo prazo. Precisamos de um hiato temporal para avaliar melhor o impacto dessa onda.

CC: Como o senhor lida com o apagão de dados do Ministério da Saúde? Até a OMS manifestou preocupação.
JS: Estamos há um mês sem qualquer resultado das investigações. Os sistemas continuam comprometidos, dificultando enormemente o conhecimento do status da pandemia. É apenas mais uma demonstração da incompetência desse ministério na gestão de uma grave crise sanitária.

CC: Com esta onda extensa de Ômicron, o que sugerir para os chefes e gestores? Home office para os funcionários? Testagem frequente?
JS: Não há dúvida acerca da eficácia do distanciamento para a contenção da disseminação da doença. O home office deve ser considerado até que tenhamos segurança. Já a testagem dos casos suspeitos e o rastreio dos comunicantes é imprescindível para o isolamento dos infectados.

CC: Se o senhor tivesse poder absoluto no Brasil, o que faria hoje em matéria de saúde pública?
JS: Seguiria as normas definidas em qualquer manual de saúde pública, com ênfase em vacinação, testagem, acesso ao atendimento dos casos sintomáticos, investimento em sistema de dados, de comunicação, e a substituição completa deste governo.

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1191 DE CARTACAPITAL, EM 13 DE JANEIRO DE 2022.

FOTOS: REDES SOCIAIS E SÍLVIO AVILA/AFP

Leia essa matéria gratuitamente

Tenha acesso a conteúdos exclusivos, faça parte da newsletter gratuita de CartaCapital, salve suas matérias e artigos favoritos para ler quando quiser e leia esta matéria na integra. Cadastre-se!

ENTENDA MAIS SOBRE: , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo