Saúde

‘Governos resolveram contar mortos, não salvar vidas’, lamenta cientista da Fiocruz Amazônia

O epidemiologista Jesem Orellana, que desde agosto alerta autoridades para a gravidade da crise, teme uma nova avalanche de casos

Foto: MICHAEL DANTAS / AFP
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O epidemiologista Jesem Orellana, da Fiocruz-Amazônia, foi um dos primeiros cientistas da região a alertar o resto do País sobre a falta de cilindros de oxigênio em Manaus. É dele o relato de que as unidades de saúde da cidade transformaram-se em ‘câmaras de asfixia‘, que inspirou as primeira reportagens sobre o drama, que ele classifica como uma “tragédia sem precedentes”.

Na última quinta-feira 14, a falta de oxigênio para pacientes com Covid-19 fez a capital do Amazonas passar por um colapso. Desde agosto de 2020, Orellana alerta para o agravamento da crise na região.

 

O turbilhão de novos casos e mortes desta segunda onda, em sua avaliação, não se explica somente pela nova cepa do coronavírus identificada no estado, mas também pela negligência do poder público e da população.

“O que tem de diferente da chamada primeira onda para agora é que, provavelmente, há uma quantidade maior de indivíduos reinfectados e não conseguimos detectar anteriormente. Além da reinfecção, há a negligência das autoridades sanitárias e a negligência da população”, diz.

“Nós temos avisado as autoridades sanitárias desde o ano passado. É uma série de fatores que leva a um cenário previsível. A nossa filosofia é salvar vidas e não contar mortos. O que vemos hoje é contrário: o governo estadual e o governo federal são aliados na filosofia de contar mortos e não salvar vidas”, afirma.

Em conversa com CartaCapital, ele critica a transferência de pacientes infectados com a nova cepa do coronavírus e revela que as autoridades brasileiras só descobriram a variante após alerta do Ministério da Saúde do Japão.

“Transferir paciente é transferir o problema para outro local. A circulação do vírus continuará acontecendo, por isso o problema tem que ser corrigido aqui. Não podemos ficar expostos à vergonha de ter que ouvir do Ministério da Saúde do Japão que temos uma nova cepa originária aqui. Se eles não tivessem nos dito, estaríamos nadando em incertezas”, conta.

Confira os destaques a seguir.

CartaCapital: O que a gente pode esperar de agora em diante?

Jesem Orellana: O cenário é completamente incerto, porque a equipe que está na gestão da epidemia no nível estadual é praticamente a mesma daquela experiência trágica da primeira onda. Expectativa positiva, não temos. O governador do Amazonas, mesmo com mortes e lotação de hospitais, decretou um toque de recolher das 19h às 6h. O novo coronavírus e suas variantes não são programados por computador para parar de circularem em determinados horários. Não conseguimos entender, do ponto de vista racional e científico, como é possível ter um governador tão indiferente a um lockdown severo, principalmente em Manaus.

CC: O senhor já tinha alertado anteriormente para as consequências que hoje são realidade. Como se sente na posição de profeta que não foi ouvido?

JO: Não sei se fui profeta, mas dei uma leitura muito próxima da realidade epidemiológica. Nós temos avisado as autoridades sanitárias desde agosto de 2020. Há uma série de fatores que leva a um cenário previsível. Não é profecia, é usar a ciência a favor da saúde pública. A nossa filosofia é salvar vidas e não contar mortos e o que vemos hoje são governos aliados na filosofia de contar mortos e não salvar vidas.

Transferir pacientes é transferir o problema para outro local

CC: Qual a diferença de agora para o pico de 2020?

JO: Provavelmente, agora há uma quantidade maior de indivíduos reinfectados. Além da reinfecção, há a negligência das autoridades sanitárias aliada à negligência da população. É uma tragédia sem precedentes.

CC: Pode piorar?

JO: Quando fiz as primeiras projeções e avaliações, confesso que não esperava um cenário tão catastrófico. A gente acha que chegou ao limite da pandemia, mas a cada dia ela surpreende a humanidade.

CC: Hoje, começou a transferência para outros estados. O senhor acha que o risco de espalhar a nova variante do coronavírus aumenta?

JO: A gente tem feito isso porque não há leitos em Manaus e nem no resto do estado. Por que o governo não reativou os hospitais de campanha? Neste momento, mais uma vez, os governos apagam incêndio para lucrar politicamente. Eles fazem pirotecnia sanitária, pois não estão preocupados com o controle da pandemia e nem com a possibilidade que esses pacientes morram, pois as novas cepas podem disseminar para outras regiões.

CC: Quais medidas são as ideais?

JO: Tentar ao máximo possível organizar uma resposta para a pandemia. Transferir paciente, como eu disse, é transferir o problema para outro local. A circulação do vírus continuará acontecendo. O problema tem que ser corrigido aqui. Não podemos ficar expostos à vergonha de ter que ouvir do Ministério da Saúde do Japão que temos uma nova cepa circulando aqui. Se eles não tivessem nos dito estaríamos nadando em incertezas sem saber o que tem causado o aumento de mortes e infecções.

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