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Viúvas da Lava Jato

O adiamento do julgamento de Gabriela Hardt no CNJ expõe as manobras dos protetores da operação

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Viúvas da Lava Jato
Respiro. Hardt foi beneficiada pela “empatia” do atual presidente do Conselho Nacional de Justiça – Imagem: Gil Ferreira/CNJ
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O cabedal de provas de conluio, uso político-partidário, cobiça e submissão a interesses internacionais da Operação Lava Jato convenceu muita gente, mas nem todo mundo. As viúvas da República de Curitiba continuam ativas no esforço de impedir a punição dos responsáveis pela mais infame interferência de que se tem registro de corporações de Estado no funcionamento da vida política e econômica do País. A prova é o adiamento, sem uma mínima explicação, do julgamento, no Conselho Nacional de Justiça, de uma reclamação disciplinar contra a juíza Gabriela Hardt, chamada de “Moro de saias” e famosa por fazer um “copia e cola” de uma sentença do colega para condenar o presidente Lula.

A ação em análise no CNJ versa sobre a homologação feita por Hardt do “Fundo da Lava Jato”, uma montanha de 2,5 bilhões de reais que seria repassada pela Petrobras, sob a bênção do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, para uma fundação administrada pelos procuradores da força-tarefa à margem da supervisão dos órgãos de controle. Em linhas gerais, o fundo, que contaria com a assessoria da seção brasileira da Transparência Internacional, seria usado para proselitismo político e promoção dos vaidosos e ambiciosos integrantes do Ministério Público comandados por Deltan Dallagnol. Só não foi adiante por interferência do STF.

A sessão estava marcada para a terça-feira 5, mas acabou retirada da pauta por determinação do ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal e, por consequência, do CNJ.  A queda de braço no conselho é evidente. Corregedor nacional de Justiça, Luís Felipe Salomão impediu o arquivamento do processo antes da conclusão de um processo de correição na 13ª Vara de Curitiba, na qual Sergio Moro e ­Hardt aprontaram. Segundo Salomão, a reclamação a respeito do fundo lavajatista deve ser apensada a outras investigações para o processo ser tratado “em conjunto e de forma mais ampla”. O corregedor deixa transparecer que existem evidências de irregularidades na homologação do acordo entre o MP e a estatal petrolífera. “Não parece razoável que, a pretexto de combater a corrupção, se pratique a corrupção. Não parece razoável que, sem uma apuração adequada, possamos dizer com tranquilidade que ‘isso aqui’ (a reclamação) está sendo arquivada porque não tem nada”, afirmou.

Barroso diverge do corregedor. O pedido, argumenta, resultaria na anulação dos oito votos proferidos em favor do arquivamento. Pelo regulamento do CNJ, os votos proferidos continuam válidos, mesmo se dados por ex-conselheiros. “Pede-se a anulação do julgamento por fatos que ninguém sabe quais são. (…) Não me parece um bom precedente anular o julgamento porque alguém não gosta do resultado.” Caso a correição encontre novas evidências, sugeriu o ministro, as “eventuais sanções devem ser aplicadas em outro procedimento”. Salomão retrucou: se a representação for arquivada, a apuração da denúncia contra a juíza estará prejudicada, tendo em vista que, de acordo com o Direito Penal brasileiro, um cidadão não pode ser processado, julgado ou condenado mais de uma vez pela mesma conduta. “Não estou propondo a punição da juíza”, reiterou, “estou propondo que a denúncia não seja arquivada, para não prejudicar as investigações.”

O “humanista” Barroso chegou a pedir ao conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello “um pouquinho de empatia”, uma vez que, segundo ele, não há provas de que Hardt tenha recebido vantagens indevidas ou desviado recursos. “Vossa Excelência vai ver a situação desta moça”, lamentou. “Desde 2019, paira sobre ela, uma juíza, um processo administrativo disciplinar cujas consequências podem ser graves. (…) Ninguém na vida deve estar sujeito a ficar quatro anos sob um inquérito que não termina”.

Parceria. O magistrado sempre esteve à disposição da República de Curitiba – Imagem: Luiz Silveira/CNJ

Diálogos captados pelo hacker Walter Delgatti e apreendidos na Operação Spoofing, da Polícia Federal, revelam um Barroso sempre disponível aos procuradores da Lava Jato. Em 1º de fevereiro de 2017, a procuradora Ana Carolina Resende trocou mensagens com Dallagnol sobre a possibilidade de o ministro substituir o falecido Teori Zavascki na Segunda Turma do STF, responsável por julgar os casos da operação. “Deltan, fale com o Barroso. Insista para ele ir pra 2 (sic) turma.” O chefão pergunta se “há infos novas? E Fachin? Ele seria ótimo”. Na tréplica, a colega concorda: “Fachin não é ruim, mas não eh bom como o Barroso”. Dallagnol pondera: “Ele (Barroso) ficou alijado de todo o processo. Ninguém consultou ele (sic) em nenhum momento. Há poréns na visão dele em ir, mas insisti com um pedido final. É possível, mas improvável”. Antes de encerrar a conversa, alertou seus pares que “não comentem isso com ninguém. (…) Ele pediu reservas”.

Em 13 de maio, Resende pergunta a Dallagnol se ele estava em Oxford, em um seminário sobre o Brasil. A seguir, informa: “Vi que o Barroso foi e me lembrei q foi aí que vcs estreitaram laços”. Em 28 de maio de 2018, foi a vez de Dallagnol anunciar que o ministro apoiava a campanha “70 Medidas Contra a Corrupção”. “Caros, comentei com o Bruno, mas isso tem que ficar entre nós três, please. Hoje falei com o Barroso, que gostou muito da ideia das medidas e da campanha da TI (Transparência Internacional) e vai divulgar. Passei pra ele os arquivos e materiais.”

Em novembro do mesmo ano, ­Dallagnol trocou mensagens com o ministro. O então procurador adiou de forma deliberada pedidos da prisão de políticos tucanos no Paraná, a fim de evitar que a decisão pudesse cair nas mãos do ministro Gilmar Mendes. O caso deu início a um processo que resultou em um acordo de leniência com uma concessionária de rodovias no Paraná, a Rodonorte, no valor de 750 milhões de reais. Dallagnol compartilhou com um de seus colegas, Diogo, mensagem enviada a Barroso, na qual contava que os pedidos estavam prontos, “mas seria contraproducente” apresentá-los antes que fosse decidida a competência de Mendes. “Fico à disposição para fornecer quaisquer informações adicionais para avaliar a oportunidade e urgência da decisão.”

Dallagnol descreveu a decisão prévia de Mendes como “teratológica”. E recebeu a seguinte resposta: “Boa noite, Deltan. Abaixo, para conhecimento, a explicação do meu juiz instrutor sobre o que se passou com a Comunicação. Havia mandado monitorá-lo, para exame imediato. Vou cuidar do assunto amanhã. Abs. LRB”. Atento, Dallagnol não se esqueceu de encerrar a troca de mensagens com o habitual alerta ao colega: “Não fale pra ninguém”. •

Publicado na edição n° 1301 de CartaCapital, em 13 de março de 2024.

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