Justiça
‘Vigília’ pela internação de Bolsonaro em Brasília mobiliza mais jornalistas do que apoiadores
Internado após crise de soluços e vômitos, Bolsonaro recebeu apoio tímido; militantes culparam o ‘medo do STF’ pelo esvaziamento


“Bolsonaro é tão querido que está todo mundo aqui”, disse, esperançosa, a empresária Maria Cristina, 54 anos, junto a outros dez apoiadores do ex-presidente em frente ao DF Star, em Brasília, nesta quarta-feira 17.
A descrição, porém, contrastava com a realidade. Havia bem mais jornalistas do que apoiadores em “vigília” pelo ex-capitão, recém-condenado a 27 anos e 3 meses de prisão pelo Supremo Tribunal Federal. O contraste reforçava a dúvida: onde estavam as multidões que um dia tomaram as ruas para defendê-lo?
O ex-presidente foi internado após uma crise de soluços e vômitos na última terça-feira 16. No início da tarde desta quarta, recebeu alta, com o diagnóstico de câncer de pele e a recomendação de manter o acompanhamento médico.
A imagem de poucos apoiadores na porta do hospital inevitavelmente evocava comparações com o movimento que se ergueu em torno de Lula (PT) durante seus 580 dias de prisão, em Curitiba (PR). A chamada Vigília Lula Livre resistiu, com militantes fixos em frente à sede da Polícia Federal, até a revogação da prisão.
Entre os bolsonaristas, a ausência de público ganhou explicações variadas, a maioria envolvendo Alexandre de Moraes e outros ministros do Supremo. “Medo deste País, medo desses ministros, medo de retaliação”, afirmou a motorista de aplicativo Rita Gonçalves, 53. “Porque neste País a gente não pode falar o que pensa, não pode falar o que realmente acredita.”
O temor também foi citado pelo jornalista Victor Mota, 40, líder do movimento Liberta Brasil. “As pessoas [de direita] têm sentido muita repressão com todas as perseguições”, alegou.
Outros militantes preferiram a justificativa prática: era dia útil e “o povo da direita trabalha”. O advogado José Américo, 70, elevou o tom e acusou: “A esquerda conseguiu aparelhar todos os organismos do Estado brasileiro e aquelas pessoas que ficavam lá [na Vigília Lula Livre], na verdade, eram servidores públicos que ganhavam dinheiro para fazer aquele trabalho”.
Forças ocultas
Em uma roda de oração, Maria Cristina denunciou o que chama de “obra de macumbaria” da esquerda contra Bolsonaro. Enrolada a uma bandeira de Israel, afirmou que o governo Lula apoia “regimes terroristas e narcoterroristas”: “Hoje, [o Brasil] é governado por um grupo com ligações a forças ocultas, a países ditatoriais como China e Rússia, e apoiadores do radicalismo islâmico”.
De mãos dadas com outros seis apoiadores, orou pela recuperação de Bolsonaro para que ele possa “ditar os rumos do País” novamente. “Que o senhor venha levantar os seus soldados de guerra. Colocamos a vida de Jair Bolsonaro nas suas mãos, assim como o futuro da nação”, concluiu.
Esquema de segurança
A internação de Bolsonaro no DF Star ocorreu sob rígido esquema de segurança. A Polícia Penal é responsável pela escolta direta do ex-presidente, com apoio visível da Polícia Militar do Distrito Federal nas imediações do hospital.
O perímetro em frente ao quarto de Bolsonaro é isolado para evitar aproximação de estranhos, e enfermeiros e atendentes não podem entrar com celulares, que ficam guardados antes do acesso.
Um veículo da polícia penal e várias viaturas da PM permanecem estacionados próximo à unidade. A ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro (PL) está ao lado do marido em um quarto anexo, e o acesso de visitantes é restrito apenas a familiares diretos.
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