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Viagem à Europa mostrou Lula de volta ao jogo internacional, diz especialista

Em entrevista a CartaCapital, o pesquisador francês Gaspard Estrada analisou os encontros do petista com líderes globais nos últimos dias

O cientista político francês Gaspard Estrada. Foto: Reprodução
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Na agenda cumprida em quatro países da Europa, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) obteve sinais diplomáticos relevantes dos líderes da União Europeia com quem se reuniu. A avaliação é do cientista político francês Gaspard Estrada, diretor do Observatório Político da América Latina e do Caribe no instituto de ciências políticas parisiense Sciences Po.

Estrada foi um dos anfitriões de Lula em seu país. O instituto em que o estudioso trabalha recebeu a visita do petista na terça-feira 16, para um discurso sobre o tema “Qual o lugar do Brasil no mundo de amanhã?”. Na ocasião, o brasileiro criticou o presidente Jair Bolsonaro e disse projetar a volta de um “país soberano”.

Em entrevista ao programa Poder em Pauta, no canal de CartaCapital no YouTube, Estrada avaliou que a visita ao presidente da França, Emmanuel Macron, fez um dos gestos mais simbólicos, já que o mandatário se tornou um dos atores políticos mais incômodos a Bolsonaro no campo global.

Para o especialista, Macron anotou algumas deselegâncias diplomáticas do presidente brasileiro, como no episódio de julho de 2019 em que Bolsonaro desmarcou de última hora um encontro com o ministro francês Jean-Yves Le Drian, em plena visita da chancelaria da França ao Brasil. No lugar do compromisso com o representante do governo Macron, Bolsonaro decidiu realizar uma transmissão ao vivo nas redes sociais em que apareceu cortando o cabelo.

Bolsonaro também gerou escândalo ao fazer declarações machistas contra a esposa do presidente francês, Brigitte Macron, e naquele mesmo ano atacou a França em plena Assembleia Geral das Nações Unidas.

Estrada avalia que, diante da proximidade das eleições presidenciais no Brasil, o governo da França pode estar manifestando favoritismo a Lula, principal adversário de Bolsonaro na disputa.

“É claro que eles estão mandando uma mensagem. Os governos europeus não vão, explicitamente, demonstrar uma preferência. Seria uma intromissão na política brasileira. Agora, o simples fato de o Macron receber o ex-presidente Lula com esse nível de protocolo já é um sinal bem claro de onde que está a preferência do governo francês a respeito do que pode vir a acontecer no próximo ano no Brasil”, analisou Estrada.

Estrada destacou também o encontro de Lula com Olaf Scholz, político social-democrata que está prestes a ocupar o comando da Alemanha, após Angela Merkel ter se mantido no poder por 16 anos.

O petista não só viajou a convite do Parlamento Europeu e da Fundação Friedrich Ebert, ligado ao Partido Social-Democrata da Alemanha, como também foi um dos primeiros líderes internacionais a se reunir com Scholz na condição de provável futuro chanceler alemão.

“Não é só o fato de eles se encontrarem, é o fato de que o Lula foi um dos primeiros a ter esse acesso. Em termos de diplomacia, é outro sinal relevante de importância que o Olaf Scholz dá para o ex-presidente no cenário internacional”, observou Estrada.

Para o analista, apesar de o governo Bolsonaro ter a “pior reputação” do mundo, devido às suas posições negacionistas, não é de agora que o Brasil faz falta nas discussões geopolíticas. Essa ausência começou no governo Dilma Rousseff (PT), que “não tinha muito interesse pelos assuntos internacionais”, segundo a avaliação do pesquisador. A situação se agravou após o golpe de 2016, quando Michel Temer (MDB) ascendeu à Presidência por motivos “altamente contestáveis” e sem credibilidade no exterior.

No cenário atual, há dois pontos identificados por Estrada. O primeiro é que a conduta do governo Bolsonaro assusta a comunidade internacional pelo total descaso com a ciência, sobretudo na preservação do meio ambiente, tema que vem ganhando prioridade nos fóruns de discussão globais.

O segundo é que Lula já demonstrou ter credenciais para atuar em conflitos internacionais complexos (vale lembrar, por exemplo, o papel executado pela chancelaria de Celso Amorim na costura  do acordo nuclear com o Irã).

Para Estrada, com essa viagem, o petista mostra que está conseguindo “virar a página” depois de anos de perseguição pela Lava Jato, que, segundo o especialista, já é vista na Europa como uma operação que desvirtuou o Judiciário brasileiro ao se aproveitar de reformas institucionais para atender a interesses políticos, especialmente, do ex-juiz Sérgio Moro.

“Na verdade, a Operação Lava Jato abusou das mudanças institucionais para colocá-las a serviço de um projeto político e tirar o ex-presidente Lula da competição eleitoral”, observa o estudioso francês. “No final, não se deram bem. O Brasil de 2020 é mais corrupto que o Brasil de 2014.”

Confira a entrevista na íntegra a seguir.

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