O cientista político Edward Lynch, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, chama de Revolução Judiciarista o movimento que ganhou corpo a partir do avanço da Lava Jato e a derrubada de Dilma Rousseff. Segundo ele, a operação foi o mais perfeito fruto de um ‘tenentismo togado’ que deu os primeiros passos ainda na República Velha, mas só se espraiou a partir dos anos 90, com a popularização das faculdades de Direito e da valorização das carreiras judiciárias.
Aos olhos de uma população frustrada, a turma da Lava Jato ficou encarregada de levar adiante a “renovação” ansiada pelas ruas em 2013. Na mesma medida em que cassavam políticos profissionais, os juízes e promotores se tornavam eles próprios atores políticos.
Aquele movimento, porém, foi desbaratado pela a ascensão de Michel Temer. E vive seu declínio definitivo desde a união com o bolsonarismo e os recentes diálogos vazados pelo The Intercept. “As revelações da Vaza Jato criaram um cenário antijudiciarista ainda mais forte, que pode levar à dissolução do epicentro curitibano”, avalia.
Não quer dizer que haja campo favorável para uma volta por cima da esquerda. Já que o espectro político hoje esmagadoramente é conservador, Lynch defende um aceno mais firme ao centro. “Tudo que Bolsonaro quer é que a esquerda se comporte como ele a pinta.”
Em entrevista a CartaCapital, ele analisa o futuro da relação entre Moro e Bolsonaro e os planos do presidente.
CartaCapital: Em que momento estamos da Revolução Judiciarista?
Edward Lynch: A Revolução Judiciarista acabou em 2017, desarmada pelo Temer. Ela dependia da chancela da PGR e da maioria do STF em torno das medidas adotadas pela Lava Jato, com suas mudanças de doutrina e jurisprudência, e certas heterodoxias, destinadas a por atrás das grades a classe política da Nova República entre 2002-2016, e cujo núcleo central era o consórcio PT-PMDB. A nomeação da Dodge, o revés da absolvição da chapa Dilma-Temer, o fracasso da tentativa de Janot derrubar Temer com o escândalo da JBS, a resistência do Senado em permitir a prisão de Renan; e depois, a divisão do STF, graças às ações de Gilmar e Toffoli contra a Lava Jato, levaram ao declínio da “revolução”. O establishment reagiu e neutralizou a Lava Jato pelo alto. Agora o que se vê é ao seu fim definitivo, com a confluência entre lavajatismo e bolsonarismo desde janeiro. As revelações da Vaza Jato criaram um cenário antijudiciarista ainda mais forte, que pode levar à dissolução do epicentro curitibano já desbaratado com a saída de Moro, e que pode ser seguido pela saída do Dallagnol.
CC: E qual o possível impacto para o futuro de Moro no governo?
EL: É importante frisar a relação puramente oportunista entre Bolsonaro e Moro. Bolsonaro não tem nenhum compromisso com luta contra a corrupção, quer apenas explorar a associação entre corrupção e esquerda estabelecida nos últimos anos. Ele pretende aparelhar a administração, controlando o PGR e a Receita, para impedir que o escândalo chegue nele, nos filhos e seus aliados (o “partido familiar”). Já Moro não tem DNA bolsonarista, mas aderiu ao governo pagando pedágio para ir para o STF. Muito se tem falado de uma possível ruptura entre os dois. Mas eu acho que a ruptura não serve a nenhum deles. Romper com Moro rompe o elo simbólico de Bolsonaro com a Lava Jato, e obriga o Moro a ser candidato em 2022. Acho mais provável que o Bolsonaro aguente o Moro, desidratando-o, até mandá-lo para o STF. É a melhor maneira de neutralizá-lo como concorrente e é o que o Moro quer.
“Se a esquerda recuperar o fôlego e não houver alternativa sólida para a direita moderada, o MBL volta correndo para Bolsonaro”
CC: Você diz que o grande objetivo do Bolsonaro é se tornar um ‘Lula da direita’. Acha que esse propósito se repete na relação dele com o PSL?
EL: Repare que ser um Lula da direita significa ser o que ele acha que o Lula é no campo da esquerda. Não o que o Lula efetivamente foi. A diferença é que o PT levou anos para se consolidar e se enraizar, ao passo que o PSL, como o próprio Bolsonaro, ainda não sedimentaram. Bolsonaro está ocupado em se estabelecer no triplo da velocidade que o PT levou. Daí a violência que ele tem exercido para aparelhar o Estado, desrespeitando a independência das instituições e da burocracia, ignorando regras de nomeações e a independência funcional.
Assim como acha que o Lula é o dono do PT, Bolsonaro acha que tem que ser o dono do PSL. Que deve o partido ser ideológico como o PT, com o sinal trocado. Bolsonaro tem jogado o jogo que ele conhece, que é obrigar o partido à submissão sem esperar contrapartida nem tolerar críticas. O Frota foi expulso para dar o exemplo. Então acho que a relação dele com o PSL não é de pura instrumentalidade ou fisiologia. É para criar um partido subordinado à sua autoridade pessoal.
“Acho mais provável que o Bolsonaro aguente o Moro, desidratando-o, até mandá-lo ao STF. É a melhor maneira de neutralizá-lo é o que o Moro quer”
CC: O MBL já fez mea culpa pelo clima de polarização que tomou conta do país. Seria esse um sinal de esgotamento do discurso antipolítica?
EL: Diante do desbaratamento completo da esquerda, paralisada enquanto Lula não sair da prisão, a nova direita liberal perde o medo dos antigos adversários e começa a se incomodar com os excessos antiliberais dos novos aliados. Esse é o motivo da tal mea culpa do MBL, que parece preferir aderir à alguém conservador que não rompa com o liberalismo político, como o Dória. Mas a continuidade desse estranhamento em relação ao bolsonarismo depende da fraqueza da esquerda e da habilidade do Dória, ou do Novo, ou quem se puser na situação de representar o campo ideológico da direita liberal. Se a esquerda recuperar o fôlego e não houver alternativa sólida para que esse lugar ideológico dure de modo autônomo, o MBL volta correndo pro colo do Bolsonaro. Deixe só o Lula sair da prisão para ver…
CC: Acha que ainda há tempo de uma reação do campo progressista? Como a esquerda e o centro deveriam se articular?
EL: Não sei. Depende da esquerda parar de brigar entre si, lamber as feridas dos conflitos recentes. Mas depende também de uma articulação com a centro-esquerda e de um ensaio de moderação, já que o espectro político hoje dominante é conservador. Se o PT, partido hegemônico da esquerda, ficar atrelado exclusivamente a uma pauta de libertação de Lula, ou à liderança de gente que faz o elogio da ditadura venezuelana, a derrota é certa. É tudo o que o bolsonarismo quer: que a esquerda se comporte como ele a pinta, que é uma versão de esquerda do seu próprio radicalismo antiliberal. Daí porque movimentos rumo ao centro, como este recentemente feito pelo Freixo, só podem ser bem vindo.
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