Política

Três patetas na Petrobras

Na Petrobras, nunca obtivemos aprovação a preços justos para os nossos estudos, a ponto de os cortes não cobrirem os custos. Conosco, era na base da pechincha

Estaleiro no Rio Grande e plataforma petrolífera P-55 construída para a Bacia de Campos
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Começo pelo final, em 2008.

Moça bonita, vestida em discreto conjunto rosa, ao sair da sede da maior empresa nacional, criada pelo Estado em 1953, após anos de luta contra o acordo secular de elites para desenvolver a indústria petrolífera no Brasil, tropeça e rola pelos degraus da entrada do imponente prédio no Triângulo das Bermudas carioca.

Acudiram-na bombeiros, porteiros, gentis passantes, prontos a levá-la ao ambulatório para primeiros socorros. Eu e outro sócio olhávamos a cena estupefatos. Bolsa, óculos e documentos se espalharam quase até a Avenida República do Chile. Recolhidos, ela bradava: “Não preciso de nada! Obrigada! Quero um táxi!”

Foi feita a sua vontade. Nenhum dano físico, apenas o olhar furioso com que as mulheres culpam inocentes.

Naquele dia, havíamos feito a apresentação final, para dezenas de técnicos da Petrobras, de um estudo de viabilidade econômica e de localização, com horizonte de 25 anos, para instalar uma nova planta de fertilizantes nitrogenados.

Em 2004, fomos indicados para o trabalho por uma associação de empresas do setor. Mais de 30 anos de experiência contaram a nosso favor.

Seguiram-se reuniões, em São Paulo e Rio de Janeiro. Sumários e propostas apresentados, e um vai-e-vem de tópicos, premissas, condições e pechinchas.

Até então, tínhamos realizado poucos trabalhos de consultoria. Como fazer proposta para estudo com tais dimensões, responsabilidade, e para a maior empresa do Brasil?

“Fertilizantes: Mercado e Logística – Volumes I e II”, foi entregue em julho de 2004. Entre texto, tabelas e gráficos, em mais de 800 páginas, projetava economia, agricultura e setor, a partir dos movimentos de oferta e demanda nos planos nacional e internacional.

Baseado em matriz de fretes origem-destino, com cerca de 50 polos e todos os modais de transportes disponíveis no País e seus custos, determinava as melhores localizações para implantação da fábrica.

O Conselho adiou o investimento, e outros estudos, com atualizações e introdução de novos itens para avaliação mais acurada, foram-nos encomendados.

“Estudo de Fertilizantes Nitrogenados – Fase II”, com cerca de 450 páginas, foi entregue em maio daquele ano. O investimento novamente adiado, culpou Evo Morales e a crise brava na agricultura (2005/2006, haviam esquecido?).

Nesse último, o prazo estipulado foi tão curto, que nos fez trabalhar 15 horas diárias, sete dias da semana. Cumprimos o prazo, e poucos dias depois fui internado no Instituto do Coração para construção das três pontes que, hoje, me permitem ler os comentários sobre a coluna nesta CartaCapital.

Um terceiro estudo foi pedido. Adições: tendências da matriz energética do país com a “febre” dos biocombustíveis; novos planos para a infraestrutura de transportes; restrições ambientais do nitrogênio.

Tudo, sempre, muito pechinchado.

Meticulosamente analisadas, 400 páginas foram entregues em dezembro de 2006. Decisão de investir? Adiada.

Mais um: informada pela área de Fertilizantes, o Planejamento Estratégico da Petrobras contratou-nos o estudo: “O Futuro dos Fertilizantes no Brasil e o Papel da Petrobras”.

Foi entregue com 220 páginas, no início de 2007, e ficou tão bom que pensei transformá-lo em livro.

Finalmente, em 2008, mais uma atualização. Aquela que resultou na queda de nossa querida sócia.

Tudo refeito, mais opções de polos de origem, mostrou o mesmo resultado dos estudos anteriores: caíam de podres tanto a necessidade de uma nova planta de amônia e ureia como a melhor localização ser em Três Lagoas (MS).

Em 2009, soubemos que a Petrobras decidiu tocar o investimento. A terraplanagem, no local por nós indicado, foi iniciada em 2011.

A planta, com capacidade para 761 mil toneladas de amônia e 1,2 milhão de toneladas de ureia, que duplicaria a produção nacional, previa investimento de US$ 2,5 bilhões e início de operação em setembro de 2014.

No final do ano passado, o jornal O Estado de São Paulo noticiou a paralisação das obras e demissão de 3,5 mil operários.

O consórcio escolhido, formado pelas Galvão Engenharia, Sinopec Petroleum do Brasil (capital chinês) e GDK, declarou-se insolvente.

Discute-se, no momento, o reinício das obras. Em 2014, o Brasil importou 85% de sua necessidade de ureia.

Leio em folhas e telas cotidianas sobre a atual situação da Petrobras, e lembro que nunca obtivemos aprovação a preços justos propostos para os nossos estudos. Éramos espremidos, e chegávamos a diminuir em 40% nosso orçamento, a ponto de algumas vezes não cobrir nossos custos.

Deslocamentos, contratações de profissionais para atender adições não programadas, tudo por nossa conta. Contratos meticulosamente analisados, assim como o cadastro e a situação tributária da empresa, e pagamentos somente após cada etapa cumprida e “medida” (termo deles).

Nunca nos queixamos. Era um orgulho fazer trabalho daquela dimensão para a Petrobras.

Detalhe: até a entrega do último estudo, a área de fertilizantes da Petrobras esteve subordinada à Diretoria de Abastecimento, cujo diretor era Paulo Roberto Costa.

“Três Patetas na Petrobras”? Existe prêmio para delação às avessas? E para autoflagelo?

Kátia Ananias

Poder-se-ia esperar que hoje eu comentasse sobre entrevistas e discursos de posse dos dois novos ministros. O Doutor Dito deles e o que virá foi aqui antecipado em três colunas. Está tudo lá. Agora, resta dar tempo e criticar do alto e com a lupa.

A jornalista Mariana S. Ribeiro, da BBC Brasil, escreveu de forma didática sobre o tema.

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