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Trajetória vitoriosa

O jovem metalúrgico Luiz Inácio da Silva, dito Lula, chega pela terceira vez, aos 77 anos, à presidência da república, fato inédito na história do Brasil

Trajetória vitoriosa
Trajetória vitoriosa
Pobreza e miséria levam Lula às lágrimas. Jovem e descamisado, na cozinha de sua casa, fala com Mino ao sair da prisão, a que o condenou a ditadura ao enquadrá-lo na Lei de Segurança Nacional - Imagem: Evaristo Sá/AFP e Hélio Campos Mello
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Conto a história de uma epopeia, sem qualquer apelo à retórica. Segue-se o enredo com absoluta naturalidade, livre de pompa, embora desabrido na precisão do encadeamento. Estive pela primeira vez com o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema levado à sua presença pelo repórter Bernardo ­Lerer. Lula me contou da sua chegada em São Paulo, conduzido pela mãe em busca de um emprego de faxineira, valente no comando da ninhada, mas tomada pelo senso de responsabilidade de quem nunca falta ao trabalho. Representou, certamente, o exemplo original a ser seguido pelo filho, enquanto os menores ela os enterrava até o pescoço, para que não se afastassem durante a sua ausência.

A reportagem que resultou desse encontro foi o início de uma amizade de 50 anos, sólida e carinhosa até hoje. Neste período dito de transição, destinado a terminar com a posse do novo governo, dia 1º de janeiro próximo, sinto que Lula aprofundou o conhecimento de si próprio, de sorte a compreender o papel que as circunstâncias lhe entregaram. Como sempre, conforme manda a nossa tradição, ele conta com o apoio irrestrito de ­CartaCapital: compreendemos a grandeza do protagonista deste episódio determinante ao sabor de um projeto de democracia a reforçar o combate à desigualdade social e à miséria, as quais, ao serem evocadas, levam Lula às lágrimas.

Do governo já afloram nomes de candidatos a ministro que figuram entre os grandes amigos de CartaCapital. Flávio Dino é uma garantia extraordinária de justiça. É mais que justificada a convocação de Celso Amorim na formulação das estratégias da política exterior. Agrada-me imaginar por trás de Rui Costa outro amigo de CartaCapital, Jaques ­Wagner, ex-governador da Bahia, fiel colaborador desta publicação. Assim como Celso ­Amorim, que em muitas ocasiões analisa, em CartaCapital, situações e problemas das relações internacionais. Muito da qualidade da democracia brasileira repousará inevitavelmente nas ações de Flávio Dino.

Na visão desta publicação, a presença no Congresso de figuras como Sergio Moro e Deltan Dallagnol, sem contar a própria esposa de Moro, eleita por São Paulo para a Câmara Federal, compromete qualquer ideal democrático. Nada disso, evidentemente, influi na epopeia que transforma um ex-migrante nordestino no maior líder deste país, no estadista renovador que Lula será, conforme provam seus derradeiros passos, enquanto à sombra do seu líder o povo brasileiro começa a se tornar nação.

7 de abril de 2018: no sindicato, a secretária-factótum Claudia retrata Celso Amorim e Mino, pouco antes da entrega de Lula à Polícia Federal. Mino e Ricardo Kotscho afagam Lula, enquadrado pela Lei de Segurança Nacional, pouco antes de sua prisão no fim da greve de abril de 1980. O abraço entre dois velhos e carinhosos amigos simboliza o inextinguível apoio de CartaCapital – Imagem: Cláudia Troiano, Ricardo Stuckert e Luiz Novaes

Na história do Brasil, não existe protagonista tão peremptório e representativo. Lula é mesmo simbólico das oportunidades oferecidas pela nossa terra tão favorecida pela natureza e nem sempre aproveitadas na medida justa pelos homens. Lula tem agora o poder de nos induzir ao otimismo. Entendemos estar apenas no início de uma reviravolta histórica, destinada a fazer do Brasil o país que merece ser. Ninguém igual a Lula tem condições de realizar a tarefa, até mesmo em relação a situações aparentemente mais complicadas.

Não há razões, acreditamos, pelas quais os generais brasileiros, tão cidadãos quanto nós todos, não entendam o quanto é obsoleto o antigo vezo a precipitar a ideia imperial do poder moderador. A bem de uma democracia autêntica, às Forças Armadas cabe certamente a defesa das fronteiras, além de eventuais intervenções autorizadas pelos poderes da República, quando e onde for preciso. A tradição sempre será respeitada e nunca faltará a Lula o apoio desta publicação. Nele enxergamos o estadista do Brasil almejado e perfeitamente capaz de chegar lá.

Como vemos, Lula não é apenas aquele que nos acordou do pesadelo Bolsonaro, é mais que isto: em lugar de esperanças, nos oferece certezas. Muitos anos atrás, quando Lula ainda era presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, estava eu em Roma e, de repente, cruzei com uma vitrine enfeitada por inúmeras gravatas. Entrei na loja e comprei uma, bastante discreta, azul-marinho salpicada de bolinhas brancas. Parecia me lembrar ter ele dito que nunca usara gravata e pensei que aquela cumpriria sua missão com dignidade sempre que necessário.

Acabava de ser entrevistado pela revista Mondo Operaio e, obviamente, fizera muitas e grandes referências a Lula. Constatei, tempos depois, que ele chegou a usar a gravata mais de uma vez em ocasiões azadas. De todo modo, verifico que, agora presidente da República, surge na cerimônia da diplomação de ­regimental tie. Nesta oportunidade, apreciamos o discurso do presidente do TSE, Alexandre de Moraes, personagem que contou com a nossa admiração e apoio desde o momento em que assumiu o cargo. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1239 DE CARTACAPITAL, EM 21 DE DEZEMBRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Trajetória vitoriosa”

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