Política

STF prepara julgamento de ações que tentam bloquear a boiada antiambiental de Bolsonaro

A votação da ‘pauta verde’ é vista como uma resposta do Judiciário ao governo federal e ao Congresso

Rosa Weber e Cármen Lúcia relatam as ações - Imagem: Rosinei Coutinho/STF
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No momento em que ocorre um esforço concentrado da base governista na Câmara para aprovar outra boiada antiambiental, o Supremo Tribunal Federal agendou para a próxima quarta-feira, 30 de março, a votação de uma “pauta verde”, quando serão julgadas sete ações sobre temas ambientais. Seis processos têm como relatora a ministra Cármen Lúcia e um está sob a responsabilidade de Rosa Weber.

A votação acontece pouco mais de 20 dias após os magistrados abrirem as portas da Corte para receber um grupo de artistas liderado pelo cantor Caetano Veloso, que protestou em Brasília contra a agenda antiambiental. A reunião contou com a presença das relatoras e dos ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso. Na ocasião, os artistas entregaram um manifesto pedindo que o STF priorize julgamentos de ações que ameaçam o meio ambiente e os povos originários.

A votação da “pauta verde” é vista como uma resposta do Judiciário ao governo federal e ao Congresso, que têm encaminhado de forma açodada vários projetos na área de meio ambiente, muitos deles apontados como inconstitucionais, como o PL 191, que legaliza o garimpo em terras indígenas. De autoria do Executivo, o projeto tramita em regime de urgência na Câmara dos Deputados, a partir de uma manobra do presidente da Casa, Arthur Lira. Com isso, o texto não precisa passar pelas comissões técnicas, pode ser votado diretamente em plenário após a análise de uma comissão especial.

“Nos dois primeiros anos, Bolsonaro não conseguiu transformar esses projetos em lei, porque tinha uma base frágil no Parlamento. O governo recorreu a atos infralegais. A partir do terceiro ano, a turma passou a adotar o ‘método Lira’, que não discute, simplesmente coloca para votar. A preocupação do presidente da Câmara com o meio ambiente é zero”, destaca Suely­ Araújo, especialista em Políticas Públicas do Observatório do Clima. A expectativa é de que o STF se posicione favorável às ações de inconstitucionalidade. “Se o STF quisesse rejeitar, não pautaria o tema dessa forma. Os magistrados colocaram tudo no mesmo pacote.”

O deputado federal Alessandro Molon, que deve assumir a Frente Parlamentar pelo Meio Ambiente nas próximas semanas, também aposta em um resultado positivo. “O Supremo deve estar percebendo, como temos alertado há algum tempo, que a boiada está passando”, observa o parlamentar do PSB. “A base do governo está coesa nesses projetos que amea­çam o meio ambiente, além de contarem com o apoio do presidente da Câmara. Eles conseguem aprovar muito rapidamente, sem discussão, sem que haja tempo de alertarmos a sociedade, projetos muito graves para o meio ambiente.”

Recentemente, os ministros da Corte receberam artistas em protesto contra projetos lesivos ao meio ambiente

A previsão é de que a votação dure dois dias, diante da complexidade dos processos. Dos seis relatórios que caberão a Cármen Lúcia, um deles cobra a retomada do Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia, esvaziado pelo governo Bolsonaro. Essa ação é apontada como uma das mais importantes, uma vez que, graças a ele, houve uma redução de 83% do desmatamento no bioma de 2004 a 2012. Na mesma linha, existe a ação que questiona um decreto federal e uma portaria do governo Bolsonaro que limitaram a autonomia do Ibama na fiscalização ambiental, transferindo a responsabilidade para o Ministério da Defesa. Tem também a ADPF 651, a qual pede a inconstitucionalidade de um decreto presidencial que exclui a participação da sociedade civil no Fundo Nacional do Meio Ambiente.

Outro processo da “pauta verde” é a ADO 54, que responsabiliza o presidente Bolsonaro por ser omisso em relação à conservação do meio ambiente e ao desmatamento na Amazônia. Há ainda ­duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade. Uma contesta o Conselho Nacional do Meio Ambiente em relação à q­ualidade do ar e a outra questiona a lei que prevê a concessão automática, sem análise de alvarás de funcionamento, a licenciamento ambiental para empresas, no âmbito da Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios.

Por fim, caberá a Rosa Weber apresentar o relatório da ADO 50, a acusar o Poder Público de omissão por não viabilizar o funcionamento do Fundo Amazônia, deixando de investir 1,5 bilhão de reais, disponíveis no caixa, em projetos de preservação na Amazônia Legal. A maioria das ações tem como autores partidos como PSB, Rede, PDT, PT, PSOL, PCdoB e PV, muitos deles assessorados e representando organizações não governamentais que atuam na defesa do meio ambiente.

“O Judiciário tornou-se um instrumento a serviço dos povos indígenas, seja nos processos na Justiça Federal, no STF ou na incidência internacional, como é o caso da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. A expectativa é de que o STF reafirme a proteção constitucional ao meio ambiente através do aprimoramento das instituições que devem promover o combate ao desmatamento e todas as ilegalidades”, comenta Tito ­Sateré-Mawé, da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira. “É fundamental que, num contexto de retrocessos na política de proteção ao meio ambiente, a mais alta Corte do País tome uma decisão acertada.”

Vera Motta, advogada do PV, também ressalta os retrocessos nas políticas ambientais praticados pelo governo Bolsonaro, levando o partido a recorrer por várias vezes ao STF. “Temos questionado sistematicamente diversos decretos ou medidas que vão na contramão da agenda global”, diz. As sete ações da “pauta verde” do Supremo representam, porém, uma pequena mostra da litigância de temas ambientais. Só no governo Bolsonaro, a Arayara – organização social que defende o uso sustentável de energia, petróleo e gás – judicializou 32 ações e até o fim deste ano pretende entrar com outras 12 medidas judiciais, visando defender o meio ambiente.

“Quando falamos de litigância, é visando a proteção da sociedade, corrigir os erros dos Executivos estaduais e, especialmente, do nacional, que, nesses últimos anos, tentou destruir os marcos regulatórios e descumpre a legislação vigente no País”, destaca Juliano Bueno de Araújo, diretor-técnico da Arayara, citando uma ADI que a entidade apresentou no STF, em 10 de março, para derrubar a Lei 14.299/22, sancionada por Bolsonaro em janeiro passado. Ela garante subsídio do carvão mineral para geração de energia do Complexo de Usinas Jorge Lacerda, em Capivari de Baixo, Santa Catarina. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1201 DE CARTACAPITAL, EM 30 DE MARÇO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Retorno ao curral?”

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