Política

SP: Erika Hilton aponta irregularidades à Justiça e pede suspensão de reforma previdenciária

Empresa contratada por 19 milhões de reais para fornecer estudo favorável à reforma teve dispensa de licitação

A vereadora Erika Hilton (PSOL), em manifestação contra as reformas do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (PSDB). Foto: Reprodução/Facebook
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O projeto de lei da reforma da Previdência municipal, em votação na Câmara da capital paulista, pode ser suspenso. Uma ação da vereadora Erika Hilton (PSOL-SP) aponta irregularidades na contratação da empresa autora do estudo utilizado pela Prefeitura como base para o projeto.

A parlamentar protocolou uma ação no Tribunal de Justiça de São Paulo, nesta quarta-feira 27, que pede a suspensão da tramitação do texto.

O prefeito Ricardo Nunes (PSDB) contratou uma empresa privada chamada Fundação Instituto de Administração, a FIA, para fazer um levantamento sobre a Previdência no município. O contrato, de 19 milhões de reais, foi firmado sem licitação.

No fim de 2020, a Prefeitura informou que dispensaria o processo em que empresas privadas competem pela prestação de um serviço público. A decisão, alegou a gestão municipal, estaria amparada pela Lei de Licitações (8.666/1993), que diz que a licitação é dispensável “na contratação de instituição brasileira incumbida regimental ou estatutariamente da pesquisa, do ensino ou do desenvolvimento institucional, ou de instituição dedicada à recuperação social do preso, desde que a contratada detenha inquestionável reputação ético-profissional e não tenha fins lucrativos”.

O texto previa que a empresa entregasse o relatório sobre a reforma da Previdência em três anos, mas o documento foi apresentado em seis meses.

 

Segundo a ação de Erika Hilton, a contratação sem licitação desrespeita a Lei de Licitações. A vereadora argumenta, primeiramente, que a ocorrência da licitação tem o objetivo, segundo a lei, de “garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração e promover o desenvolvimento nacional sustentável”.

A ação também aponta a contradição de que, em 2015, por ocasião da primeira reforma da Previdência do município, a Prefeitura de São Paulo contratou outra empresa para a mesma finalidade, mas por meio de licitação – a Atuarial Consultoria e Assessoria Empresarial LTDA., cujo contrato teve valor de 725.600 reais, bem abaixo dos 19 milhões de reais dedicados à FIA neste ano.

Créditos: Rafael Canoba A vereadora Erika Hilton (PSOL). Foto: Rafael Canoba

“Ao excluir a possibilidade de outras pessoas jurídicas apresentarem propostas para a execução do serviço, a Administração Municipal deixa de garantir o princípio da isonomia, de buscar legitimamente a proposta mais vantajosa e de promover o desenvolvimento econômico nacional, fechando as portas para que outras empresas, associações e institutos pudessem ter a chance de estabelecer vínculo contratual com o Estado”, diz a ação.

A ação cita também decisões do próprio TJ-SP que garantiriam o entendimento da vereadora.

Em uma decisão de 24 de abril de 2019, por exemplo, o desembargador Vicente de Abreu Amadei havia julgado como “ato ímprobo” a dispensa de licitação na contratação de uma entidade chamada Fundação para Pesquisa e Desenvolvimento da Administração, Contabilidade e Economia, que, para prestar serviço de auditoria ao município de Araçatuba, deveria ter sido submetida a “a ampla concorrência”.

A argumentação de Erika Hilton prossegue, relatando duas esferas atingidas pela dispensa de licitação: “A primeira sobre a necessidade de realização de procedimento licitatório na modalidade concorrência, cumprindo todos os requisitos e procedimentos legais definidos. A segunda pela falta de justificativa para a dispensa da licitação, também não garantindo os elementos fundamentais que devem compor o ato, fornecendo publicidade dos motivos, preço, e plausibilidade da demanda”.

Hilton também aponta possível desvio de finalidade e má qualidade na execução do serviço, uma vez que o contrato da FIA tinha como previsão o prazo de três anos para a confecção do documento, e a pesquisa foi apresentada em apenas um semestre. Para a vereadora, faltou fiscalização sobre os atos decorrentes do contrato.

A defesa da parlamentar diz ver com estranhamento o fato de a troca de informações entre a Prefeitura e a empresa ter ocorrido sob sigilo, por meio do Sistema Eletrônico de Informações, o SEI. Segundo ela, observar esses dados seria importante para verificar o que de fato a Prefeitura solicitou para a empresa no decorrer dos trabalhos.

“A contratação parece ter sido motivada por uma perspectiva política e pessoal, e não pelo interesse público, condição que fere dois dos principais elementos de um ato administrativo – o ‘motivo’ e o ‘fim'”, diz a ação.

O que diz a Prefeitura de São Paulo

Questionada por CartaCapital, a Prefeitura afirmou que a Lei de Licitações autoriza a dispensa nesse caso.

“A Prefeitura de São Paulo informa, por meio da Secretaria da Fazenda, que considerando a capacidade técnica com amparo no inciso XIII do art. 24 da Lei 8.666/93 (Lei de Licitações), é dispensável a licitação na contratação de instituição brasileira incumbida regimental ou estatutariamente da pesquisa, ensino ou do desenvolvimento institucional, desde que a contratada detenha inquestionável reputação ético-profissional e não tenha fins lucrativos”, diz nota.

A Prefeitura declarou ainda que “há compatibilidade expressa conforme o inciso XIII do art. 24 da Lei 8.666/93” e que “a contratação foi precedida de parecer jurídico, como preconiza a Lei de Licitações”.

Em relação ao valor do contrato, de 19 milhões de reais, a Prefeitura disse que o gasto “abrange a prestação de serviços técnicos e de apoio institucional ao IPREM, para um prazo de 38 meses e não somente para ‘realização de estudos sobre o sistema de benefícios previdenciários da cidade'”.

Desse valor, segundo a Prefeitura, 648 mil reais vão para “elaboração dos estudos e cenários atuariais relativos a EC 103/2019 e aos desdobramentos legais em decorrência de sua implantação no Regime de Previdência do Município de São Paulo, bem como a apresentação de proposta de equacionamento do déficit previdenciário à Secretaria da Previdência, que considere as alterações nos planos de custeio e benefícios, a certificação do Pró-Gestão, a eficientização da compensação previdenciária e o plano de ação de conformidade dos processos de aposentadorias já concedidos”.

O restante do valor, segundo a administração municipal, diz respeito “à continuidade da análise de conformidade de cerca de 11 mil processos de aposentadorias e pensões concedidas, baseado num estudo preliminar já realizado e em que foi constatada a oportunidade de melhoria nos processos de concessão de benefícios”.

Projeto pode ser votado em 11 de novembro

Assim como salienta a ação de Erika Hilton, o estudo da FIA tem sido utilizado como o principal argumento da Prefeitura de São Paulo para apressar a tramitação da reforma da Previdência municipal.

Para entrar em vigor, a proposta precisa ser aprovada em dois turnos na Câmara dos Vereadores. O texto já passou pelo 1º turno, em 14 de outubro. O 2º turno está previsto para 11 de novembro.

Antes do turno final, o texto passa por uma análise de uma Comissão Especial composta por sete vereadores.

Conforme CartaCapital já mostrou, o projeto recebe ferrenhas críticas dos servidores públicos do município, por ser visto como mais severo do que a reforma da Previdência do ministro Paulo Guedes, aprovada no Congresso Nacional, em 2019. A proposta estabelece, por exemplo, aumento no número de trabalhadores que sofrerão confisco, incluindo agora até mesmo aqueles que ganham apenas um salário mínimo – antes, era cobrada uma alíquota de 14% somente para aqueles com remuneração superior a 6.533,57 reais.

Em entrevista a CartaCapital, Erika Hilton classificou o projeto, apelidado de Sampaprev, como “criminoso”.

“O Sampaprev não foi construído em diálogo com os servidores públicos, ataca direitos básicos e replica a lógica de Paulo Guedes da fome e da precariedade”, afirmou. “Por esse motivo, sou contra o Sampaprev, e também pelo fato de a Prefeitura ter contratado um estudo milionário sem licitação. Vamos à Justiça para bloqueá-lo.”

O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes. Foto: Marcelo Pereira/SECOM

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