Política

Segunda Turma do STF diz que imunidade parlamentar tem limites e aceita ações contra Kajuru

Senador vira réu por ofensas feitas a adversários políticos em Goiás

Foto: Geraldo Magela/Agência Senado
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Por três votos a dois, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) aceitou nesta terça-feira as queixas crime contra o senador Jorge Kajuru (Podemos-GO), por ofensas que fez a adversários políticos, transformando-o em réu. No julgamento, a maioria dos ministros afirmou que a Constituição garante a imunidade parlamentar, mas destacou que ela não protege qualquer declaração dada por um deputado ou senador. É preciso, por exemplo, que as falas tenham relação com o exercício do mandato.

O caso envolve seis queixas-crime movidas contra Kajuru pelo senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO) e pelo ex-deputado federal Alexandre Baldy. Em 2019, Kajuru usou as redes sociais para fazer uma série de publicações contra Baldy e Vanderlan.

O julgamento desse caso já havia começado em 2020, com o voto do então relator do processo, ministro Celso de Mello, que depois se aposentou. Na época, Celso disse que a garantia constitucional da imunidade parlamentar, prevista na Constituição, representa instrumento vital destinado a viabilizar o exercício independente do mandato representativo e protege o membro do Congresso Nacional, “tornando-o inviolável, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”.

O julgamento foi suspenso por um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes, e retomado agora. Gilmar discordou de Celso e votou para aceitar as ações. Para ele, as declarações do parlamentar têm caráter injurioso e difamatório, não se inserindo no debate de ideias e não havendo nexo com o exercício do mandato de senador. Gilmar disse que não há liberdade de manifestação absoluta. Também destacou que a jurisprudência do STF garante a imunidade parlamentar, mas, por outro lado, se preocupa em analisar a relação entre o conteúdo das declarações e o exercício da atividade parlamentar.

“Trata-se de ampla prerrogativa em favor das casas, mas que recomenda certos limites para que se não desnature em privilégio, não sirva à proteção de ilícito, nem resulte em impunidade. Esse é o verdadeiro paradoxo da imunidade parlamentar, que pode tanto servir para nutrir como para minar o desenvolvimento democrático”, disse Gilmar.

Ele acrescentou:

“É possível concluir, a partir da análise da jurisprudência do Supremo que, embora o tribunal tenha assentado uma ampla imunidade parlamentar especialmente em relação aos discursos proferidos no âmbito da casa legislativa, os julgamentos mais recentes têm buscado realizar uma análise mais detida do nexo de vinculação dos discursos proferidos com o exercício do mandato parlamentar, de modo a descaracterizar a imunidade como privilégio pessoal”.

Os ministros Edson Fachin e Ricardo Lewandowski concordaram com Gilmar.

“Entendo que tem razão o ministro Gilmar Mendes quando afirma que a ofensa descontextualizada do debate e que descambe para a simples agressão ou violência verbal, além de poder ser considerada como passível de sanção cível ou criminal, também não está amparada pela imunidade. Mais ainda: a utilização de meios ardilosos e fraudulentos, com a propagação de notícias falsas para veicular as ofensas constitui nítido abuso da prerrogativa parlamentar, que não é um privilégio pessoal nem extensão da personalidade do parlamentar”, disse Fachin.

“Muito embora as expressões aviltantes tenham sido divulgadas num contexto político eminentemente beligerante em Goiás, contata-se a meu ver, de forma indene de dúvida, o excesso e a superação dos limites possíveis do debate público, do debate parlamentar, desaguando, ao final e ao cabo, para ofensas, injúrias e difamações exclusivamente pessoais. Tais expressões não estão ligadas ao exercício legítimo do mandato parlamentar”, afirmou Lewandowski.

André Mendonça foi o único a acompanhar o voto de Celso, mas também reconheceu que há limites para a imunidade parlamentar. Ele lembrou o voto que deu em 20 de abril condenando o deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), quando avaliou que algumas das declarações dele foram proferidas sem relação com o exercício do mandato.

Em 20 de abril, o plenário do STF condenou Silveira a oito anos e nove meses de prisão em regime inicialmente fechado, e aplicou uma multa de R$ 212 mil, em razão de ameaças e incitação à violência contra ministros da Corte. Também determinou a perda do mandato de Silveira e a perda dos direitos políticos enquanto durassem os efeitos da pena. No dia seguinte, o presidente Jair Bolsonaro editou um decreto perdoando Silveira.

O ministro Nunes Marques, que substituiu Celso de Mello na Corte, não participou do julgamento.

A defesa de Kajuru sustenta que as manifestações dele sobre Baldy e Vanderlan, ainda que “lamentáveis”, se deram no contexto do debate político e, por isso, estariam amparadas pela imunidade parlamentar.

“As declarações tidas como ofensivas, a despeito de lamentáveis, não escapam ao contexto de antagonismo político existente, e não estão dissociadas do debate político que, intenso e às vezes destituído de qualquer civilidade, se faz presente nas situações de conflito”, diz o advogado do senador.

Ainda de acordo com a defesa de Kajuru, embora o trecho das postagens feitas pelo senador “possam ser tidos como ofensivos e aptos a causar indignação”, “não se pode tirar de vistas que ela tem cunho político, dirigida a adversário específico do mesmo Estado”.7

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