Política

RP-9: Encobrir ‘comércio de emendas’ seria o motivo de o Congresso desafiar o STF

A hipótese foi descrita reservadamente à reportagem por um prefeito da Bahia. O Supremo deverá examinar se liminar foi descumprida

Arthur Lira e Rodrigo Pacheco. Foto: Marcos Brandão/Senado
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O Congresso aprovou, nesta segunda-feira 29, mudanças na regra de inclusão, por deputados e senadores, de gastos no orçamento federal, as chamadas emendas do tipo RP-9. Foi uma tentativa de cumprir uma liminar de 5 de novembro do Supremo Tribunal Federal, que impôs a abertura da caixa-preta do “orçamento secreto”. Segundo uma nota da técnica Consultoria de Orçamentos, Fiscalização e Controle do Senado, porém, as mudanças não cumprem a ordem judicial.

A nota diz o mesmo sobre um ato conjunto baixado na quinta-feira 25 pelos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Com o ato, a dupla deixava claro que não iria apresentar uma lista com os nomes dos parlamentares proponentes de emendas em 2020 e 2021, os valores destes gastos e o local beneficiado. Segundo Lira e Pacheco, o Congresso não dispõe de todas as informações que o Supremo havia mandado expôr.

Além disso, nos bastidores, a dupla diz que haverá ciumeira entre parlamentares caso a caixa-preta seja aberta.

As razões de Lira e Pacheco para desafiar uma ordem judicial seriam apenas essas? Na terça-feira 23, um prefeito da Bahia esteve na Câmara e, a portas fechadas, contou o que, para ele, é o motivo real.

A grana para emendas RP-9 é tanta, diz o prefeito, que muitos congressistas passaram a direcioná-las para áreas distantes de suas bases eleitorais, até para outros estados. E por quê? Para favorecer empresas, como empreiteiras, em troca de propina. Se houver um mapa das emendas, prossegue o prefeito, será possível ao Ministério Público Federal e à Polícia Federal identificarem que uma certa firma foi favorecida em lugares diferentes por emendas de um mesmo parlamentar. Dessa constatação, surgiriam investigações e aí salve-se quem puder.

Em 2020, as emendas RP-9 somaram espantosos 30 bilhões de reais, quantia quase igual à do Bolsa Família naquele ano. Em 2021, são 16 bilhões, similar ao orçamento de Belo Horizonte. 

No Congresso, fala-se abertamente de um esquema com emendas. O senador Renan Calheiros (MDB-AL), no fim do mês passado, disse que o orçamento secreto causará “talvez o maior escândalo do Brasil de todos os tempos”. E apontou o dedo para Arthur Lira: “O presidente da Câmara tem muita preocupação com o que pode vir de investigação”. O deputado Jorge Solla (PT-BA) conta estar recebendo muitas denúncias de vendas de emendas de relator, com pagamento antecipado de comissão em dinheiro. “Denúncias de que empresas pagam para ter obras de seu interesse incluídas no orçamento”, completa.

E não é só entre a oposição que circula esse tipo de comentário. “Existe um burburinho nos corredores da Câmara de que há deputados, há agentes políticos pedindo propina para destinar emendas”, diz o deputado Sanderson (PSL-RS), um dos vice-líderes do governo. 

Para o líder da oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ), as mudanças aprovadas pelo Congresso na segunda-feira 29 “não conseguirão transformar o que é ilícito em lícito, o que é ilegal em legal”. O deputado acredita que o Supremo não aceitará o descumprimento da liminar pelo Parlamento: “É óbvio que o Congresso tem todas as informações para publicar”.

A liminar dava um prazo de 30 dias corridos para que fosse cumprida. Esse prazo termina em 5 de dezembro. Depois disso, o STF deverá examinar as providências formais adotadas pelos parlamentares e, então, decidir se elas bastam ou não. 

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