Política

Roupa suja se lava em casa

A reaproximação de Marta Suplicy com os velhos companheiros do PT esbarra nas mágoas do passado

Diferenças. Lula nunca se distanciou completamente de Marta Suplicy. Não se pode dizer o mesmo de Dilma Rousseff, apunhalada pela ex-subordinada e ex-colega de partido - Imagem: Redes sociais e Geraldo Magela/Ag.Senado
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O jantar no fim do ano passado organizado pelo Prerrogativas, grupo de advogados defensores do Estado de Direito, para tornar pública a aliança entre o ex-presidente Lula e o ex-governador Geraldo Alckmin serviu também para marcar a tentativa de reaproximação de Marta Suplicy com o PT, legenda à qual sua trajetória está umbilicalmente ligada. Sentada à mesa mais concorrida do evento, ao lado dos pré-candidatos Lula e ­Alckmin, a ex-senadora, atualmente sem partido, era a única mulher a ocupar uma cadeira sem ser esposa de um político. Dias antes, na casa de Marco Aurélio Carvalho, coordenador do Prerrogativas, Marta havia feito as pazes com o deputado federal Rui Falcão, um dos principais nomes da campanha presidencial.

Por intermédio de Carvalho e do ex-prefeito Fernando Haddad, pré-candidato ao governo de São Paulo, Marta e Falcão toparam conversar e se uniram em torno da missão de fortalecer a campanha de Lula. O argumento para selar o apoio é o de que desencontros, mal-entendidos do passado, devem ser deixados de lado em prol de um bem maior: formar um bloco capaz de conter o avanço do autoritarismo no País. A justificativa tem sido repetida como mantra por petistas para explicar o abraço naqueles até há pouco tempo chamados de traidores. “A Marta é muito bem-vinda. Temos que ter compreensão e responsabilidade para liderar uma frente em defesa da democracia. Precisamos ser generosos e ter capacidade para acolher todas as forças políticas”, afirmou o deputado Henrique Fontana, ex-líder do PT na Câmara. Falcão, que foi secretário de Governo na gestão de Marta na prefeitura de São Paulo, entre 2001 e 2004, deixa claro, no entanto, que ainda existe um distanciamento. “Ela não voltou ao partido, se reaproximou de mim e tenho uma boa relação com ela hoje. Ela apoia o Lula e o Haddad, participou de alguns debates e declarou apoio aos dois.”

A ex-senadora votou a favor do impeachment de Dilma Rousseff. A traição cobrou seu preço

A reserva em relação à ex-companheira deve-se aos caminhos escolhidos por ela, especialmente a partir de 2012, uma escalada de críticas e disputas que desaguaria em um rompimento. Naquele ano, Marta, por conta de sua história e legado, esperava disputar a prefeitura da capital paulista, mas o partido, com a bênção de Lula, escolheu o novato Haddad. Magoada, a ex-prefeita manteve distância da campanha, considerado um “erro grave” por dirigentes do partido. Apenas na reta final, quando a vitória do ex-ministro da Educação era certa, ela cedeu e subiu no palanque do colega.

Em troca de abrir mão da candidatura, a então senadora esperava ser nomeada para um ministério importante no governo Dilma Rousseff, mas acabou indicada para a pasta de Cultura, ainda em setembro daquele ano, e ficou insatisfeita. Nos meses seguintes, acumulou atritos, vários públicos, com a então presidente e, ao vislumbrar um cenário desfavorável à reeleição da mandatária, encabeçou na legenda um movimento para o retorno de Lula em 2014.

À época, Marta levou a ideia ao ex-presidente, que, segundo interlocutores, não disse nem sim nem não. “Foi Lula sendo Lula”, resume um dos interlocutores. O burburinho chegou, porém, aos ouvidos do então ministro Aloizio Mercadante, que revelou a movimentação a Dilma Rousseff. A presidente então se antecipou e, em uma agenda pública, lançou-se candidata à reeleição. Sem espaço no governo, em novembro de 2014, Marta pediu demissão da Cultura, por meio de uma carta com críticas abertas à política econômica, e voltou ao Senado. A mágoa não se desfez. Em reuniões da bancada petista, por mais de uma vez, Marta chegou a levantar e ir embora no momento em que os senadores passavam a discutir projetos enviados pelo Palácio do Planalto. Por fim, em abril de 2015, tomou a decisão de deixar o partido, não de forma discreta. Ao anunciar a saída do partido, afirmou que o PT era “protagonista de um dos maiores escândalos de corrupção que a nação brasileira já experimentou” e que se constrangia por estar na sigla. Palavras que ainda reverberam entre a velha guarda petista, aparentemente agora relevadas em prol do “objetivo maior”.

Pisar em ovos. Haddad e Marco Aurélio de Carvalho (de gravata) alinhavaram a reaproximação de Marta Suplicy e dirigentes do PT, entre eles o deputado Rui Falcão – Imagem: Lula Marques/Agência PT e Zanone Fraissat/Folhapress

Em agosto de 2016, a senadora votou a favor do impeachment de Dilma, e no mês seguinte, filiou-se ao MDB de Michel Temer. No Senado, a nova emedebista terminou o mandato em 2018 chamada pelos ex-colegas de partido de “oportunista”, “traidora” e “egoísta”. Os ex-correligionários consideram que Marta abandonou o barco em um momento delicado, no auge de ataques a petistas, com vaias e agressões em ­aeroportos e restaurantes.

A reaproximação atual muitas vezes é comparada àquela empreendida pelo ex-prefeito do Recife João Paulo, que se desfiliou oficialmente do PT no dia da prisão de Lula, em 5 de abril de 2018. Enquanto negociava sua rendição à Polícia Federal, o ex-presidente ligou para o então correligionário e pediu para que ele não deixasse a legenda. Não foi atendido. João Paulo trocou o PT pelo PCdoB, mas fez o caminho de volta neste ano e foi recebido sem muito entusiasmo, pois o “vacilo” não foi esquecido.

Apesar de todo histórico de rusgas com o PT e de Lula ter ficado magoado na ocasião, Marta nunca se afastou pessoalmente do ex-presidente. Esteve presente no enterro da ex-primeira-dama Marisa Letícia, enviou uma carta carinhosa a Lula na prisão, manteve ­boas relações com dirigentes e participou dos encontros do Prerrogativas em 2017, 2018 e 2021. Em 2020, embora ligada à campanha à reeleição do então prefeito Bruno Covas, do PSDB, trabalhou para o PT não se isolar na corrida pela prefeitura paulistana. Além disso, esteve na seleta lista de convidados para o casamento de Lula com a socióloga Rosângela Silva.

Carvalho, do Prerrogativas, defende: “Todos têm o direito de voltar atrás e reconhecer seus erros”

Marta ainda ostenta um capital político, apesar dos inúmeros deslizes, como a polêmica frase “relaxa e goza” em pleno caos aéreo de 2007, quando comandava o Ministério do Turismo, e por bate-bocas tanto no plenário do Congresso quanto com moradores de São Paulo. É uma liderança feminina com passado respeitável e mantém a influência em regiões da capital paulista nas quais o PT não consegue mais entrar, entre elas Jardim Ângela, Parelheiros e Capela do Socorro. Tanto que o secretário nacional de Comunicação da legenda, Jilmar Tatto, que ­disputa uma vaga à Câmara dos Deputados, usa imagens da ex-prefeita em sua propaganda. “Acho boa essa aproximação, nossa relação está ótima, cito ela e as coisas que ela fez por São Paulo em nosso material”, diz Tatto.

A ex-senadora também atua para criar pontes com outros partidos, a começar pelo Solidariedade, ao qual esteve filiada por um tempo após deixar o MDB, e no exterior. A atual secretária de Relações Internacionais da Prefeitura de São Paulo defendeu Lula em viagem aos Estados Unidos no ano passado, durante um evento que contou com a participação de Michael Bloomberg, ex-prefeito de Nova York. Marta pediu a palavra logo após o discurso do então governador João Doria, que havia acabado de vencer as prévias do PSDB para ser candidato à Presidência. Aos empresários presentes, afirmou que só o petista seria capaz de derrotar Jair Bolsonaro e de adotar políticas econômicas eficientes para a retomada do crescimento do Brasil.

Atitudes como esta jogam a favor da reconciliação. Gente próxima diz que o ex-presidente entende as divergências entre Marta e Dilma, mas não pretende alimentar as diferenças. Carvalho enfatiza as recentes reuniões em que a ex-petista esteve presente. “Essa resistência à Marta no PT é residual. Ninguém vai apagar a participação decisiva dela na fundação do PT e o legado de sua administração. Temos de olhar para a frente, todos têm o direito de voltar atrás e reconhecer seus erros.” Há, no entanto, quem traduza esse esforço de reaproximação como outra jogada “oportunista”, pois Marta Suplicy nunca mais obteve projeção nacional depois de deixar a legenda.

Por meio da assessoria de imprensa, a ex-senadora reiterou não ter interesse em voltar a disputar um cargo público, afirmou estar concentrada na diplomacia e apostar em iniciativas de relações internacionais que não tenham interferência direta do Estado. Embora seja uma mulher branca, também estaria empenhada na superação do racismo. Um de seus trabalhos em curso é a produção da segunda edição da Expo Internacional Dia da Consciência Negra e o desenvolvimento de uma iniciativa para tornar São Paulo um modelo de escola municipal antirracista. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1219 DE CARTACAPITAL, EM 3 DE AGOSTO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Roupa suja se lava em casa “

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