Política

Roberto Requião: “Bolsonaro não dá, mas Mourão também não. Vai ser pior”

Sem cargo eletivo após três décadas, ex-senador falou a CartaCapital sobre os descaminhos do governo e a saídas para a oposição

O ex-senador Roberto Requião. Foto: Pedro França/Agência Senado
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Ex-senador e governador do Paraná por três mandatos, Roberto Requião (MDB-PR) passou quase três décadas seguidas em cargos eletivos. A tradição se rompeu em 2018, quando disputou um segundo mandato no Senado. As pesquisa indicavam vitória. Mas, como muitos políticos de ofício, Requião terminou engolido pela tsunami bolsonarista. Terminou em terceiro lugar, com 15% dos votos.

Aos 79 anos, o emedebista cumpre a quarentena em Curitiba, na casa onde vive com a mulher, Maristela. “Tomo café ao meio-dia e almoço às cinco da tarde”, brinca. O pendor para a política segue firme, e ele se divide entre entrevistas, conversas com aliados e manifestações nas redes sociais. “Sou político por nascimento. Continuo envolvido nesse processo, mas fundamentalmente estudando o que é possível fazer.” Por telefone, o senador falou a CartaCapital sobre os descaminhos do governo Bolsonaro e a saídas para a oposição. Confira:

CartaCapital: O senhor se declara abertamente nacionalista. Como vê a atuação dos militares nesse governo?

Roberto Requião: É absolutamente incrível que não exista mais inteligência no Exército Brasileiro. O Geisel foi um ditador, mas era nacionalista. Reforçou a Vale do Rio Doce, os militares criaram a Escola de Engenharia do Exército… E essa gente, não. Eles não tem nada a ver com o Brasil. Não se identificam o País. Fico impressionado. Não há mais um militar da estatura do Geisel. É uma loucura total, é o liberalismo econômico. Não é nem mais capitalismo, porque o capitalismo é outra coisa. O que o Maduro fez na Venezuela, que foi cooptar o Exército, eles estão fazendo aqui. Aumentaram os salários dos generais…

E qual a saída para essa crise, o impeachment?

RR: Bolsonaro já cansou o Brasil e esgotou a tolerância das pessoas que pensam. Agora, o impeachment depende do Congresso. E o Congresso é venal. E é hoje muito pior que o anterior. O impeachment da Dilma foi conseguido sob pressão do grande capital. Eu estava no Congresso nessa época, foi uma loucura. O impeachment só sairia se o capital decidisse definitivamente retirar o Bolsonaro para colocar o Mourão. Bolsonaro não dá, mas Mourão também não. Vai ser pior, mas sem a loucura folclórica.

Muitos admiradores seus votaram no Bolsonaro. Que balanço faz das últimas eleições?

RR: Votaram por decepção e pelo tratamento que mídia deu à toda esquerda, que passou a ser considerada uma quadrilha. Dois dias antes da eleição, eu era tido como o senador que seria mais votado no Brasil. No dia 8, perdi. Foi uma guerra de WhatsApp simplesmente brutal. E ninguém sabia, não via isso. Não conseguíamos nem mexer nisso, porque o Judiciário nos queria longe. O povo que elegeu o Bolsonaro elegeu o Lula, elegeu o Collor. Elegemos o Lula por insatisfação com o Fernando Henrique. Elegemos o FHC por insatisfação com a anterioridade.

CC: E como reconquistar esses eleitores?

RR: Com um projeto de oposição – que não será o projeto dos meus sonhos – mas que seja possível, eficiente e aceitável pela maioria da população. Tenho usado como exemplo uma anedota aristotélica. Suponha que um exército soberano esteja em guerra e queira tomar uma colina.

O primeiro olha a colina, vê com quantos homens ele conta e diz o seguinte: ‘não posso tomá-la, não tenho condição’. É um ato extremo de covardia. O segundo olha e diz: ‘com esses homens eu tomo a colina’. Avança, toma a colina, não perde seu contingente e o material bélico. Mas, resolve ir adiante e perde todos os seus homens. É um ato extremo de temeridade. O terceiro avança, toma a colina e mantém a posição. É o ato eficiente, o ato meio.

Não podemos ter temeridade além da suportável, mas muito menos a covardia de não avançar. Eu me situo em uma frente popular democrática. Ampla, mas não tão ampla que incorpore, por exemplo, o Rodrigo Maia. Onde o Meirelles, o Joaquim Levy e o Guedes estariam à frente. Temos que elaborar um projeto, mas eu tenho muito medo de um projeto do PT.

O chamado ‘Plano Lula’? Por quê?

RR: Me assusta por que o meu amigo Fernando Haddad, durante a campanha, foi ao TSE para mudar o projeto de governo no PT, e introduziu a independência do Banco Central. Ele é um cara sério, não é um picareta. Mas foi formado na USP, e hoje é professor do Insper. Quem fez o projeto do Temer foi o presidente do Insper [Marcos Lisboa].

Além disso, puseram o Lula no plano. É um absurdo colocarem o nome dele, porque tem hoje um estigma nacional brutal. Não adianta. É esse jogo amalucado… Lula é um sujeito extraordinário. Pela origem, pelo que avançou e o que fez. Mas também deixou de fazer muito pelo desenvolvimento do Brasil. Ele, com o Meirelles lá no início, cedeu ao lucro dos bancos e à financeirização. Hoje, acho que o Lula é outro, aprendeu muito com a prisão.

Há algum jovem político que te chame atenção?

RR: Essa coisa de jovem é uma piada. Jovem é para jogar basquete enquanto tem fôlego. A renovação política é a sacanagem. É o que trouxe governadores como o Zema [de Minas Gerais]. Completamente idiota. O Ratinho [Junior, atual governador do Paraná]… Totalmente despreparado, raso como um pires. O Witzel, no Rio. A renovação não é física, é a renovação das ideias.

Acho que não deveríamos agora pensar em nomes. Se houver um projeto nacional, factível, sustentável, nessa linha do ato meio… Que preserve a democracia e dê espaço para que o povo decida como quer o seu país, eu tô dentro. O fundamental é o projeto. Tendo o projeto, tanto faz.

O senhor tem se engajado nas articulações para as eleições municipais?

RR: Aqui no Paraná está dificílimo. O Bolsonaro teve 74% dos votos em Curitiba. Eles estão com tudo não mão. Tem dinheiro, e tudo mais. Está complicado. Eu faço política 24 horas por dia. Pela internet, participo dos blogs, converso aqui e ali. Mas essa história de que é fundamental a eleição, eu discordo…

Por quê?

RR: Sabe como eu me elegi governador do Paraná? O Lerner era a joia da coroa da direita brasileira. Completamente alienado ideologicamente. Ele era tido como imbatível. Eu tinha o apoio de cinco prefeituras. E me lancei candidato. No processo eleitoral, perdi o apoio de três. E ganhei a eleição.

Esse pessoal que diz que é preciso ganhar prefeituras é o pessoal que quer máquina pública. Acho que temos que ter ideias claras para mobilizar o povo, e não máquinas que serão usadas para mobilizações, a meu ver, completamente ilegais. Não é uma necessidade absoluta. A necessidade absoluta é o projeto.

Mas é claro que os prefeitos estarão sempre colados ao governo. Porque, especialmente nesse momento, eles não são prefeitos ideológicos, ou programáticos. Vão se agarrar a qualquer governo que dê a eles dinheiro para fazer alguma coisa. Os partidos políticos não existem. Bem ou mal, existe o PT.

Vale também para o seu partido?

RR: O meu partido hoje é o principal ponto de apoio a Bolsonaro no Congresso. E o MDB era o partido das classes populares. Retiraram isso do programa, o Jucá retirou, nem sei quando nem como. Foi um partido que se construiu durante a ditadura, mas não se consolidou como partido ideológico.

O que um partido procura em um candidato a prefeito? Um cara que tenha dinheiro para pagar eleição, pagar cabos eleitorais. Daí, vai se corrompendo totalmente. O meu PMDB aqui no Paraná era diferente. Mas hoje, é mais ou menos o mesmo jogo.

E porque o senhor não sai?

RR: Pra ir pra onde, minha filha? (risos) Você já leu “Alice no País das Maravilhas”, conhece a conversa dela com o gato? “Gato, onde fica a saída? E o gato responde: depende. Depende de quê? Depende pra onde você quer ir”. A saída é o projeto nacional, e esquecer um pouco a estrutura partidária.

Não acho que todo mundo seja canalha. Ninguém é completamente assim, canalha é uma figura de literatura. Fazem canalhice, às vezes, porque não tem perspectiva de saída, não tem bandeira para aderir. Se tivermos bandeira, podemos mobilizar o Brasil nessa crise provocada pelo Guedes e pelo pós-covid-19.

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