Política

Ricardo Lewandowski vota contra prisão após condenação em 2ª instância

O placar está 4 a 3, em favor da possibilidade de cumprimento da pena em 2º grau

O ex-ministro Ricardo Lewandowski. Foto: Nelson Jr./SCO/STF O ministro Ricardo Lewandowski. Foto: Nelson Jr./SCO/STF
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O ministro Ricardo Lewandowski votou contra a execução de prisão após condenação em 2ª instância, em sessão do Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quinta-feira 24. O placar está 4 a 3, em favor da possibilidade de cumprimento da pena em 2º grau. O julgamento está suspenso até 6 de novembro, data em que a votação pode ser retomada.

Antes do ministro, votaram Luiz Fux (a favor), Rosa Weber (contra), Luís Roberto Barroso (a favor), Edson Fachin (a favor), Alexandre de Moraes (a favor) e Marco Aurélio Mello (contra). Ainda faltam os votos dos ministros Carmen Lúcia, Gilmar Mendes, Celso de Mello e, por fim, o presidente Dias Toffoli.

Lewandowski afirmou que os magistrados favoráveis à prisão após 2ª instância agem de maneira ingênua e comentou que, nem sempre, estes juristas se preocupam da mesma forma com desigualdades sociais.

“Afigura-se até, compreensível, que alguns magistrados queiram flexibilizar esta importante garantia dos cidadãos, por ingenuamente acreditarem que assim melhor contribuirão para combater a corrupção endêmica e a criminalidade violenta que assolam o país”, disse. “Nem sempre, contudo, emprestam a mesma ênfase a outros problemas igualmente graves, como o inadmissível crescimento da exclusão social, o lamentável avanço do desemprego, o inaceitável sucateamento da saúde pública e o deplorável esfacelamento da educação estatal.”

A Corte julga três Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) movidas pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e pelos partidos PCdoB e Patriota. As ações questionam a legalidade da prisão após 2ª instância em relação ao princípio de presunção de inocência. No entendimento atual do STF, adotado em 2016, o réu que for condenado em 2ª instância pode ser preso e esperar, na cadeia, o desenrolar de novos recursos.

Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), caso o STF desista do entendimento adotado em 2016, podem ser beneficiadas 4.895 mil pessoas que hoje são alvo de mandado de prisão por condenação em 2ª instância. O caso mais notório é o do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), preso em Curitiba desde abril de 2018, após condenação em 2º grau no processo do tríplex do Guarujá (SP).

Rosa: “STF é guardião da Constituição, e não autor”

Em seu voto contrário à prisão em 2ª instância, a ministra Rosa Weber relembrou os debates que precederam a Assembleia Nacional Constituinte, no período entre 1985 e 1988, e que trataram do princípio de presunção de inocência. Ela traçou uma retrospectiva sobre sua leitura constitucional em relação ao tema e listou julgamentos de casos similares na história. Ao mesmo tempo, exaltou a importância do exercício da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

A argumentação indicou que, quando a ministra negou habeas corpus ao ex-presidente Lula em 2018, autorizando a prisão após 2ª instância, ela se orientava pelos princípios de jurisprudência e de colegialidade. No entanto, ela disse que sua leitura sobre a Constituição sempre foi favorável ao esgotamento de todos os recursos possíveis.

“Não se diga então que alterei meu entendimento quanto ao tema de fundo, que hoje volta à análise. Minha leitura constitucional sempre foi e continua sendo exatamente a mesma”, afirmou a ministra.

Em momento posterior, Rosa defendeu que, exceto as prisões de natureza cautelar, temporária e preventiva, a prisão-pena configura culpa, uma convicção que só pode existir ao fim dos recursos ao alcance do réu.

“Não se tratando da prisão de natureza cautelar, o fundamento da prisão-pena será a formação do que chamamos de culpa. E, segundo a Constituição, esta convicção somente pode ter efeitos normativos a partir do momento definido como trânsito em julgado. Gostemos ou não. Goste eu pessoalmente ou não. Esta é a escolha político-civilizatória manifestada pelo poder constituinte. Não reconhecê-la importa reescrever o texto constitucional para que ela espelhe o que gostaríamos que ela dissesse. O STF é o guardião da Constituição, não seu autor”, disse Rosa.

 

Ricardo Lewandowski e Rosa Weber se somaram à posição do relator Marco Aurélio Mello, que, em seu voto na sessão de quarta-feira 23, afirmou que “é impossível devolver a liberdade perdida ao cidadão”. Na opinião dele, “a harmonia do artigo 283 do Código de Processo Penal com a Constituição de 1988 é completa, considerado o alcance do princípio da não culpabilidade, inexistente campo para tergiversações, que podem levar ao retrocesso constitucional, cultural em seu sentido maior”.

Segundo o artigo 283 do CPP, citado pelo ministro, “ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”.

Fux: “Presunção de inocência não se vincula à prisão”

Luiz Fux foi responsável, nesta quinta-feira 24, pelo quarto voto em favor da prisão em 2º grau. Em seu entendimento, há casos em que a Justiça está autorizada a determinar a execução da prisão após condenação em 2ª instância, sem comprometer o princípio de presunção de inocência. Ele citou o caso da menina Isabella Nardoni, morta em 2008 após cair do sexto andar de um prédio. Outro exemplo foi o caso do jornalista Pimenta Neves, condenado por assassinar a jornalista Sandra Gomide, em agosto de 2000.

“O caso Pimenta Neves é emblemático. O jornalista matou a mulher porque ela não mais pretendia manter o relacionamento. Matou pelas costas, confessou o crime e só foi preso 11 anos depois”, disse, ao queixar-se sobre a demora do trânsito em julgado. “Será que é essa a justiça que se espera de um tribunal? Vamos contemplar essas situações e, só depois do trânsito em julgado, iniciar a execução da pena?”, indagou.

Em argumento semelhante ao apresentado pelo ministro Luís Roberto Barroso na quarta-feira 23, Fux também rebateu a acusação de que a autorização da prisão após 2ª instância atinge pessoas pobres.

“Será que estamos falando aqui de réus pobres? Evidentemente, os crimes que nós temos assistido e que são cobertos pela presunção de inocência não são crimes de pessoas humildes”, questionou. “As pessoas humildes não gostam de ficar devendo. Elas se preocupam em levantar o FGTS para pagar dívidas na padaria, na loja ali da esquina. Não é deles que estamos tratando.”

Um dia antes, Barroso também discordou da queixa de que os pobres são os mais atingidos pela autorização da prisão após 2ª instância. De acordo com dados que ele apresentou, atribuídos ao Departamento Penitenciário Nacional (Depen), os seis principais crimes que resultam em prisão são os “crimes dos pobres”: tráfico de drogas, roubo qualificado, roubo simples, homicídio, crimes contra a dignidade sexual e latrocínio. O ministro argumenta que, para estes crimes, a regra geral que o sistema aplica é a prisão em flagrante, a conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva e a prisão já em 1ª instância.

As informações apresentadas também indicam, segundo ele, que houve redução no crescimento do índice de encarceramento, após o STF votar a favor da prisão em 2ª instância, em 2016.

“Ao contrário do sugerido, a possibilidade de execução da pena após a condenação em segundo grau diminuiu o índice de encarceramento no Brasil”, afirmou Barroso. Segundo ele, entre 2009 e 2016, período em que o entendimento do STF favorecia prisão após o trânsito em julgado, o encarceramento aumentou, em média, 6,25% ao ano. Após 2016, quando o critério mudou, a média caiu para 1,46%.

Ele afirma que, em 2010, primeiro ano após a proibição da prisão em 2ª instância pelo STF, havia 496 mil presos no sistema penitenciário brasileiro, 4,79% a mais que em 2009. Em 2011, o número subiu para 514 mil e 600 presos. O índice só subiu nos anos seguintes: 549 mil e 800 presos em 2012, 581 mil e 500 presos em 2013, 622 mil e 200 presos em 2014, 698 mil e 600 presos em 2015, 722 mil e 923 presos em 2016. A partir deste ano, quando a jurisprudência mudou, diz ele, o crescimento foi freado: 726 mil e 354 presos, o menor aumento desde o início da série história, iniciada em 2009. Em 2018, foram 744 mil e 216 presos, o segundo menor aumento.

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