Justiça

Quem mandou matar Marielle? Três anos depois, MP cria força-tarefa para acelerar o caso

A novidade trouxe algum alívio para a família, segundo Anielle Franco; a decisão não aplaca, porém, a indignação pela impunidade

Foto: Flickr/Mídia Ninja Flickr Mídia Ninja
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Em 14 de março de 2018, Marielle Franco, vereadora em primeiro mandato no Rio de Janeiro, saiu de um evento na região central da cidade e se dirigia à Zona Norte, quando um veículo emparelhou com o seu. Quatro tiros acertaram a parlamentar, alojada no banco de trás. Três alvejaram o motorista Anderson Gomes. Marielle tornou-se, desde então, um símbolo nacional, seu legado rendeu frutos políticos, os autores dos disparos estão presos, mas uma pergunta ainda não foi respondida: “Quem mandou matar?”

Na quinta-feira 4, a Polícia Civil e o Ministério Público do Rio de Janeiro anunciaram a criação de uma força-tarefa para tentar, finalmente, desvendar o mistério. A novidade marca o retorno de duas promotoras ao caso, Simone Sibílio e Letícia Emile, que haviam sido afastadas da investigação no início do ano, na esteira de uma reformulação na estrutura do MP estadual. Ao anunciar a criação da força-tarefa, o procurador-geral, Luciano Mattos, afirmou que se reuniu com o secretário de Polícia Civil, Allan Turnowski, para estabelecer um esquema especial de investigações. 

 

A novidade trouxe algum alívio para a família, segundo Anielle Franco, irmã e diretora-executiva do Instituto Marielle Franco, que promove o legado da vereadora e cobra justiça. A decisão não aplaca, porém, a indignação pela impunidade e angústia pela falta de conclusão dos processos dos assassinatos. “A criação dessa força-tarefa dá um ar de esperança, mas esperamos que assim a gente não precise aguardar mais três anos.” É uma esperança comedida. “Acho que a gente caminha para algum lugar nas investigações, mas não sei se para um fim. Nossa família tem um medo real e corrente de que o mandante do crime nunca seja apontado.”

Em março de 2019, um ano após o crime, Sibílio apresentou a denúncia do Ministério Público fluminense contra o policial reformado Ronnie Lessa e o ex-policial militar Élcio Vieira de Queiroz, apontados como os executores do crime e presos desde então. Em fevereiro, os dois tiveram recurso negado por unanimidade pelos desembargadores do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que mantiveram a decisão de levar ambos a júri popular. As defesas de Lessa e Queiroz, que alegam falta de provas e pressão pública para que a acusação atropele procedimentos, prometeram recorrer ao Superior Tribunal de Justiça. Por outro lado, as investigações empreendidas pela Promotoria estão travadas por ação movida pelo Google. A empresa recusa-se a entregar os dados de celulares dos usuários próximos à área em que o carro utilizado no crime foi visto pela última vez, alegando que compartilhar essas informações fere a privacidade de um grande número de clientes e abre precedente para outros casos no futuro. Após ter perdido a ação nas duas primeiras instâncias, a última em agosto, o Google decidiu recorrer ao Supremo Tribunal Federal.

O deputado Marcelo Freixo, de quem Marielle foi assessora antes de se lançar à política, afirma que conversa com o delegado responsável pelo caso “quase todos os dias”, e tem muita fé de que o mandante será apontado, pois “há uma linha muito amadurecida”. Freixo considera que a volta das promotoras originais à condução do caso foi uma decisão acertada, mas que é difícil falar em celeridade depois de três anos. “Tivemos decisões erradas no início da investigação, de modo que muita coisa do que poderia ajudar na conclusão do caso se perdeu, mas acredito que teremos um mandante.”

Negra, feminista, homossexual e periférica, Marielle consolidava-se como liderança política e inclusiva, principalmente na inspiração para outras mulheres. Este é o maior legado deixado pela vereadora desde o seu assassinato, avalia Anielle. Notícias de iniciativas inspiradas por ela entre mulheres de todas as idades e bagagem política, desde alunas do ensino médio a militantes mais experientes, são recebidas constantemente pela família. Por conta dos três anos do assassinato, um dossiê com detalhes do crime e das investigações será lançado pelo instituto. Anielle também tenta uma audiência na Organização das Nações Unidas e na Comissão Interamericana de Direitos Humanos ainda neste mês, além de encontro com o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro.

Ao mesmo tempo que a imagem de Marielle se agigantou nos últimos anos e se tornou símbolo de pautas progressistas e de luta por justiça, a vereadora assassinada virou alvo de acusações mentirosas e manifestações de ódio. “Acredite ou não, muitos nos xingam na rua, e minha mãe recebe constantemente memes que brincam com a morte da filha”, lamenta Anielle. Ela diz relevar, com muito custo. Em um dos episódios mais famosos, dias após o crime, a desembargadora Marília de Castro Neves, do Tribunal de Justiça do Rio, afirmou que a vereadora estava “engajada com bandidos”. Castro Neves foi absolvida no início deste mês pela corregedoria.

Segundo Freixo, a vereadora nunca tinha sofrido qualquer intimidação do crime organizado e preferia evitar situações de risco, por isso seu assassinato produziu um choque enorme e nunca parou de ter reverberações. O deputado, que classifica o crime como um atentado à democracia, aponta os efeitos negativos na vida cotidiana da impunidade, mas exalta a história da ex-assessora e amiga. “O maior legado de Marielle é acreditar na política como lugar de construção para uma sociedade melhor e a história brasileira não se lembrará dos seus assassinos, mas somente dela.”

Publicado na edição nº 1148 de CartaCapital, em 11 de março de 2021

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