Política

“Projeto de Osmar Terra nos mantém na lanterna do mundo ocidental”

Beto Vasconcelos é ex-secretário de Justiça e integrou, com Drauzio Varella, a comissão da Câmara que rediscutiu a lei de drogas de 2006

Beto Vasconcelos (Foto: Sabrina Almeida/Divulgação)
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O advogado Beto Vasconcelos, embora jovem para os padrões de Brasília, é um veterano na carreira pública. Começou a trabalhar na Casa Civil, no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Aos 38 anos, foi nomeado secretário de Justiça na gestão Dilma, até migrar para advocacia privada em 2016.

Em 2018, o presidente da Câmara Rodrigo Maia o convidou a compor — com vários juristas e o médico Drauzio Varella — uma comissão cuja missão era modernizar lei de drogas de 2006, apontada como vetor da explosão carcerária no Brasil.

O texto do anteprojeto foi entregue em fevereiro deste ano. Propunha, entre outras coisas, descriminalizar o consumo de drogas e estabelecer critério objetivos para diferenciar usuários e traficantes — até dez doses.

A proposta de Vasconcelos e da equipe não poderia rivalizar mais com o projeto do ministro Osmar Terra (MDB), ressuscitado na íntegra pelo Senado. Criticada por especialistas, a proposta de Terra empodera as comunidades terapêuticas, põe a abstinência como eixo central no tratamento da dependência e abre caminho para internações à força.

Em entrevista a CartaCapital,Beto Vasconcelos comenta os últimos acontecimentos do tema.

CartaCapital: O que está em jogo no Supremo?

Beto Vasconcelos: O Supremo está analisando, sob um caso concreto, se o artigo 28 da Lei de Drogas é ou não constitucional. Apesar de esse artigo não prever prisão do usuário, ele manteve ainda um caráter de penalização, ou de criminalização. Ele tem que responder a um processo da Justiça criminal. Não tem prisão, mas tem constrangimento individual, restrição de liberdade plena e restrições de convívio. Ainda que o final seja tão somente uma repressão verbal do juiz, ou uma anotação de que ele passou pelo projeto. Mas há impacto em primariedade, há impacto sobre o futuro dessa pessoas. O Kofi Annan [ex-secretário-geral da ONU morto em 2018] dizia: uma ficha criminal é uma ameaça maior a um jovem do que o eventual uso de drogas.

CC: E qual o placar até agora?

BV: Se esse dispositivo for declarado inconstitucional, nenhuma outra lei poderá atribuir crime de qualquer grau a um usuário. Há três votos que entendem que sim. Vamos ver se outros também entendem.

CC: Não é pouco para combater o encarceramento em massa?

BV: Alguns ministros apontaram isso, que há um problema a ser resolvido. Para dizer que um usuário não pode ser submetido à pena, eu tenho que distingui-lo do traficante. O ministro Barroso, por exemplo, defende estabelecer desde critérios objetivos. E fez isso voltado à maconha especificamente — vinte gramas e mais seis plantas. Não sabemos ainda se outros ministros caminharão nesse sentido. Pode ser discutido, mas pode não ser aprovado.

CC: A comissão chegou a uma conclusão nesse sentido, não?

BV: Sim, propomos a descriminalização do usuário, se antecipando ao Supremo. E separando usuário e traficante conforme a quantidade de drogas que ele porta. Estabelecendo que até dez doses, é uma quantidade voltada a uso próprio. A partir disso, presumidamente para tráfico.

CC: Que outros avanços você destacaria?

BV: A lei de drogas prevê dezoito condutas para o tráfico com a mesma pena. A pena de tráfico de 5 a 15 anos, hoje, é a mesma para quem está transportando, para quem vende e para quem manteve a droga num depósito. Nós propusemos a separação dessas dezoito condutas, com penas diferentes. Para fazer justiça entre o que é menos grave e o mais grave.

CC: O projeto do ministro Osmar Terra atende a algum desses avanços?

BV: O novo parlamento tem pautas mais conservadoras, e por isso o projeto do Osmar Terra passou tão rápido. Na nossa opinião, ele lida de forma equivocada com a prevenção e o tratamento de usuários. Impor a abstinência é retomar uma política ultrapassada. Mantém a criminalização do usuário, não cria critérios objetivos. É um projeto não avança em política de drogas. Nos mantém na lanterna do mundo ocidental, que já avançou com a descriminalização há muitos anos. Inclusive  países como Argentina, Peru, Colômbia, Chile, Uruguai, México. Todos eles já descriminalizaram o usuário, avançaram em critérios objetivos, em políticas de regulação de algumas drogas.

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