Justiça

Prisão de lideranças da Favela do Moinho reabre disputa entre governo Tarcísio e moradores

O Ministério Público paulista acusa líderes comunitários de extorsão e ligação com crime organizado; movimento de moradores contesta

Prisão de lideranças da Favela do Moinho reabre disputa entre governo Tarcísio e moradores
Prisão de lideranças da Favela do Moinho reabre disputa entre governo Tarcísio e moradores
Moradores e manifestantes protestam contra continuidade das demolições na Favela do Moinho, em maio de 2025. Foto: ASCOM/Dep. Ediane Maria
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Em meio a um longo processo de disputa territorial e ameaça de remoção, a Favela do Moinho, no centro de São Paulo, amanheceu nesta segunda-feira 8 sob o barulho de helicópteros e forte presença policial. A Operação Sharpe, deflagrada pelas Polícias Militar e Civil em conjunto com o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público de São Paulo, cumpriu dez mandados de prisão preventiva e outros 21 de busca e apreensão.

Segundo a Secretaria de Segurança Pública (SSP), ao menos sete pessoas foram presas — embora informações extraoficiais falem em 11 detenções. Entre elas estão Alessandra Moja Cunha, liderança comunitária, e sua filha, Yasmin Moja Flores. Alessandra é irmã de Leonardo Monteiro Moja, o Léo do Moinho, preso no ano passado e apontado como chefe do tráfico local.

Para o Gaeco, mesmo atrás das grades, ele seguiria comandando as atividades criminosas. A SSP sustenta que líderes do tráfico chegaram a ordenar a cobrança de propina de famílias atendidas pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano, a CDHU, o que estaria prejudicado o processo de reassentamento.

Também foi detido um homem descrito como sucessor de Léo do Moinho, além do proprietário de um comércio usado, segundo a polícia, para armazenar drogas e armas.

O secretário de Segurança Pública paulista, Guilherme Derrite, aproveitou a repercussão da operação para provocar o governo federal, lembrando que Lula esteve na comunidade em junho para formalizar o acordo habitacional e posou junto a lideranças locais. Outros aliados do bolsonarismo também ecoaram a provocação nas redes. O governo federal não respondeu.

Versão oficial em xeque

A versão oficial do Gaeco e das polícias é contestada dentro da comunidade. Moradores relatam que, no domingo 7, véspera da operação, policiais lançaram uma bomba de efeito moral próximo à casa de Alessandra. Um vídeo enviado a CartaCapital mostra uma moradora caída no chão, passando mal com o gás.

Nas redes sociais, o perfil “Favela do Moinho” divulgou uma nota em que acusa a polícia de tortura e de forjar flagrantes contra Alessandra. “Perseguir lideranças para enfraquecer movimentos legítimos é prática antiga do Estado brasileiro”, diz o texto. “A motivação, para nós, é clara: enfraquecer os laços de resistência e criminalizar os movimentos sociais.”

A mesma nota acrescenta que Alessandra e Yasmim atuariam há anos como catadoras de materiais recicláveis e estão na linha de frente da luta por moradia na Favela do Moinho. Yasmim, segundo o comunicado, trabalha com carteira assinada como gari da Prefeitura.

Reintegração e disputa

O saldo da operação deve ser lido à luz de uma disputa maior: o futuro da área ocupada pela Favela do Moinho. O governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) reivindica o terreno, de propriedade do governo federal, para a construção de um parque e já promoveu cercos policiais violentos para intimidar moradores.

Em maio, pressionado, o governo Lula (PT) interveio no caso, estipulando um acordo para que as cerca de 900 famílias pudessem deixar o local sob assistência do Estado, e só então conceder o terreno ao governo paulista. Pelo arranjo, cada família teria direito a 250 mil reais para aquisição de uma nova moradia — 180 mil vindos do programa Minha Casa Minha Vida e 70 mil em subsídio estadual. Até a compra, os moradores receberiam um auxílio-aluguel de 1.200 reais. Em agosto, a Caixa Econômica Federal divulgou lista de 453 famílias contempladas na primeira etapa.

Uma das condições para o acordo era a de que o governo Tarcísio interrompesse as ações violentas no território. À reportagem, no entanto, um morador afirmou que a CDHU segue demolindo casas na comunidade, já desocupadas, e impondo às pessoas que ainda estão pelo território condições insalubres de permanência.

“Isso provoca infestação de ratos, baratas e escorpiões. O ideal era esperar o esvaziamento total da comunidade”, relatou. Para esse morador, há também motivação eleitoral: “O que a gente sente é uma pressão constante por parte do governador Tarcísio, que está no fim do mandato e quer se projetar para nova disputa política”.

CartaCapital questionou a CDHU sobre a situação das famílias que permanecem na área e procurou o Ministério dos Direitos Humanos, que atua como mediador da desocupação, sobre possíveis descumprimentos do acordo. Até o fechamento desta edição, não houve retorno.

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