Política

Presidente do CFM escreveu parecer que pede liberação de uso da cloroquina

O documento foi usado por Bolsonaro para pautar a política negacionista que levou milhões de brasileiros à morte durante a pandemia

O presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), Mauro Luiz de Britto Ribeiro. Foto: Geraldo Magela/Agência Senado
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O presidente do Conselho Federal de Medicina, Mauro Luiz de Britto Ribeiro, foi o relator responsável pelo documento que pediu a liberação do uso de cloroquina e hidroxicloroquina no tratamento de Covid-19 no Brasil. Mesmo sem evidências científicas de eficácia, o médico atuou pela liberação dos remédios e não seguiu os ritos e procedimentos habituais dentro do CFM. A informação é do UOL.

Bolsonarista convicto e investigado pela CPI da Covid, Ribeiro foi o relator do documento aprovado por unanimidade no CFM no dia 16 de abril de 2020. O próprio Conselho consta como parte interessada na liberação da cloroquina. O parecer foi usado pelo presidente Jair Bolsonaro para pautar a política negacionista que levou milhões de brasileiros à morte durante a pandemia.

Depois de aprovado, o parecer foi levado por Ribeiro até o Palácio do Planalto, onde foi entregue diretamente a Bolsonaro no dia 23 de abril daquele ano. Mesmo após novos estudos reafirmarem a ineficácia dos medicamentos contra a Covid-19, o parecer assinado por Ribeiro não foi revogado pelo CFM.

Ex-presidentes e ex-conselheiros do CFM, de forma reservada, indicaram ao portal que a aprovação não seguiu os ritos e procedimentos habituais para a liberação. Segundo explicaram, em casos de pedidos de liberação de uso de medicamentos que tenham efeitos colaterais, como a cloroquina, é de praxe que o conselho tenha um parecer técnico de uma equipe formada por especialistas, neste caso, infectologistas e reumatologistas já habituados com o uso da cloroquina em seus pacientes. O parecer técnico, no entanto, não foi adicionado ao relatório final de Ribeiro.

Outro rito não seguido pelo presidente do CFM na liberação do uso de cloroquina contra a Covid-19 é um aval de uma câmara técnica do próprio conselho, formada também por especialistas, que indicariam posições contrárias ou favoráveis aos termos propostos. A avaliação também não foi citada no documento final entregue a Bolsonaro.

Ao que tudo indica, o relatório final que aprovou o uso do medicamento não passou por nenhum dos crivos científicos habituais no CFM. O próprio texto final cita em diversos trechos que ‘não existem evidências robustas de alta qualidade que possibilitem a indicação’ da cloroquina como tratamento para a Covid-19. Nada disso, no entanto, impediu a aprovação.

Especialistas apontam que o documento passou uma ‘mensagem equivocada para a sociedade’ de que uma cura para doença estaria disponível e ‘induziu médicos de boa-fé ao erro’, já que estudos no mundo todo, incluindo no Brasil, comprovaram a ineficácia do tratamento. Naquele mesmo mês, por exemplo, a própria Organização Mundial da Saúde já não indicava os medicamentos, chegando a suspender uma pesquisa no mês seguinte por falta de segurança no uso. Também em maio, o maior estudo sobre a cloroquina também chegou à conclusão de que o medicamento não traria efeitos positivos contra a Covid-19.

O CFM, no entanto, seguiu apoiando a liberação do uso dos remédios, não apenas na figura do presidente Ribeiro, como também na participação de outros conselheiros em eventos que pregavam a cloroquina como alternativa para os pacientes. Há inclusive registros de conselheiros em uma reunião do chamado ‘gabinete paralelo’ para tratar do ‘kit covid’.

Ribeiro será um dos indiciados no relatório final da CPI da Covid no Senado, segundo afirmou o vice-presidente da comissão, Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Conforme explicou o senador, o documento do CFM endossado por Ribeiro foi usado pelo governo federal para conferir autoridade à política negacionista do governo e de outras operadoras de Saúde como a Prevent Senior.

Em nota, o CFM defendeu o documento aprovado, alegando que não há impeditivos para que o presidente seja um relator e nem obrigatoriedade de que a norma tenha aval de um especialista na área a qual versa. “A única exigência é que o relator seja um conselheiro eleito”, defendeu o conselho. Ainda segundo a nota, o texto estaria embasado no princípio da autonomia médica.

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