Política

Por que a esquerda não consegue chegar ao governo de São Paulo?

Doria e Skaf estão embolados no primeiro lugar das intenções de voto. Campo progressista mostra novamente pouco fôlego no estado

MDB e PSDB disputam primeiro lugar nas intenções de voto em São Paulo
Apoie Siga-nos no

Os tucanos vivem uma situação atípica em seu ninho histórico na disputa presidencial deste ano. Segundo o Ibope, 30% dos paulistas dizem votar em Jair Bolsonaro, candidato do PSL à Presidência. O ex-governador Geraldo Alckmin, do PSDB, está empatado com Fernando Haddad, do PT, em segundo lugar. Cada um tem 13% no estado.

No contexto nacional, São Paulo costumava alavancar as candidaturas do partido. No segundo turno das eleições de 2014, o então candidato do PSDB, Aécio Neves, venceu no estado com 64,31% dos votos válidos. Se dependesse dos paulistas, José Serra, o tucano da vez em 2010, teria vencido o segundo turno, com 54,05% dos votos. A mesma história se repete em 2006, quando Geraldo Alckmin conquistou 52,26% dentre os paulistas.

Apesar de Alckmin figurar atrás de Bolsonaro entre os eleitores paulistas, os tucanos e seus aliados de longa data seguem firmes na disputa estadual. O ex-prefeito João Doria, do PSDB, disputa o primeiro lugar nas intenções de voto ao governo de São Paulo com Paulo Skaf, do MDB.

Segundo a pesquisa Ibope divulgada na terça-feira 18, Skaf tinha 24% e Doria, 23%. Márcio França (PSB), que era vice de Alckmin, vem em terceiro, com 9%. Na pesquisa Datafolha divulgada na quinta-feira 20, Doria surge na frente, com 26% dos votos, contra 22% do emedebista.

Se Skaf vier a vencer o segundo turno, será a primeira vez em 25 anos que São Paulo não elege um governo tucano. Ainda sim, ambos os partidos comandam o estado desde a década de 1980 e, mais uma vez, a esquerda parece estar distante de ocupar o poder e quebrar do domínio da direita e da centro-direita em São Paulo. 

Luiz Marinho (PT) cresceu 3 pontos percentuais em relação à última pesquisa, mas ainda assim ocupa o quarto lugar nas intenções de voto, com 8%. Lisete Arelaro (PSOL) tem 2% das intenções.

Desde 1994, quando Mário Covas venceu as eleições, apenas o PSDB elegeu governadores em São Paulo. Nos últimos dez anos, a legenda tem vencido as eleições para o Executivo estadual já no primeiro turno.

Para Danilo Fiori, pesquisador de ciências políticas da USP, não há dúvidas de que as eleições para o governo do estado sejam marcadas pela continuidade. “Os três mais bem colocados nas pesquisas há dois candidatos que podem ser considerados governistas e uma força de centro-direita, que postula o cargo pela terceira vez consecutiva.”

Esse ano, uma virada pode acontecer. Segundo o último Ibope, é Jair Bolsonaro que figura em primeiro lugar nas intenções de voto dos paulistas, com 30%. Fernando Haddad, do PT, e Alckmin dividem a segunda posição, com 13% cada. O petista está, porém, em uma trajetória de crescimento, enquanto o tucano teve uma queda sutil, de acordo com o instituto. 

Apesar disso, no estado, a blindagem dos tucanos ainda resiste. Há hipóteses para explicar o fenômeno.

Fôlego tucano vem do interior

O PSDB tem sua raíz no MDB, partido com boa penetração no interior paulista. Mário Covas e Fernando Henrique, insatisfeitos com as práticas da legenda nos anos 1980, compuseram uma nova corrente ao lado de outros políticos. Em 1988, eles fundaram o PSDB, com o discurso de uma visão mais ética na política. 

Em 1994, Covas foi eleito governador. Uma das marcas de seu governo – que depois ajudou a impulsionar sua popularidade, os votos tucanos no interior e o capital político de seus sucessores – foi a reorganização das finanças, em especial do déficit público. Após sua Morte, Alckmin assumiu.

O PMDB, então dominante entre as pequenas cidades do interior, passou a ser substituído pelo PSDB. “Houve um processo bem sucedido de interiorização, com construção de capilaridade partidária em todas as regiões do Estado”, explica Danilo, autor da dissertação Bases sociais e interiorização: o predomínio eleitoral do PSDB paulista (1994-2014).

Atualmente, no estado de São Paulo, das 645 prefeituras, 164 estão sob governo do PSDB, entre essas, apenas 13 prefeituras estão em grandes cidades. As outras compõem cidades pequenas ou médias, no interior do estado.

Já na capital, apesar da vitória de João Doria há dois anos atrás, a esquerda conseguiu ter certo sucesso. O PT, por exemplo, desde 1989. conseguiu eleger três candidatos: Luiza Erundina, Marta Suplicy e Fernando Haddad. 

“É fato que sua força mais expressiva está no interior, sobretudo nos pequenos municípios”, relata. “No interior, inclusive, o predomínio do partido é simétrico nos diferentes locais, pois não se observam diferenças significativas de votação no partido seja em locais mais ou menos desenvolvidos”, explica ele.

Leia também: PSDB, o dono de São Paulo

Como oscila o voto do eleitor paulista?

Em sua pesquisa, Danilo observou um padrão: amplo predomínio dos partidos de centro-direita no interior entre as diferentes faixas do eleitorado e apoio crescente à medida que avançam os níveis de desenvolvimento das localidades na região da capital, como níveis de escolaridade e renda do eleitorado.

Na Grande São Paulo, por exemplo, cresce a preferência pelo partido à medida em que crescem os níveis de desenvolvimentos dos territórios analisados. “Se pensarmos nas bases sociais, seria esperado um comportamento eleitoral mais conservador do estado de São Paulo no período recente pelo perfil médio da população, com mais renda e mais escolaridade”, explica. 

Danilo explica que 2014 representa uma virada: os dados demonstraram maior apoio ao candidato tucano nos locais e estratos de escolaridade e renda menores em comparação com a sequência eleitoral que vinha se consolidando. 

As últimas eleições para governador e prefeito mostraram que, mesmo na capital, onde o eleitor tende a ser mais aberto para a centro-esquerda, “os estratos mais populares tendem a dar mais suporte ao PSDB no Estado, também nas eleições presidenciais”.

“Vale lembrar que em 2014 os partidos de esquerda tiveram grandes dificuldades em suas bases históricas. Por exemplo, o “cinturão vermelho” das franjas periféricas da Grande São Paulo, com as eleições municipais de 2016 apresentando a mesma tendência”, explica.

A corrupção tucana não abala o eleitor?

Em decorrência dos casos de de corrupção tucana que datam desde o início de seu domínio, há quem afirme que o controle do governo sobre os deputados estaduais evita que haja desestabilização política e que a confiança do eleitor paulista seja abalada.

Na Assembleia Legislativa, a Alesp, as CPIs contra o governo são raras. Quando acontecem, muitas vezes são dominadas pela base de apoio tucana. Como aconteceu durante a CPI da Merenda, que investigou superfaturamento na compra de fornecedores. 

Uma pesquisa da ex-ouvidora-geral da Defensoria Pública estadual Luciana Zaffalon Leme Cardoso, analisada à fundo nesta reportagem de CartaCapital, sustenta que o uso de decisões do Executivo, da Justiça e da Assembleia Legislativa e de dinheiro dos contribuintes para beneficiar juízes, promotores, integrantes do Ministério Público e altos funcionários foram fundamentais para a construção do poder regional do partido.

O estudo, que abrange o período de 2012 a 2015, mostra como o tucanato paulista mantém a impunidade dos homicídios cometidos por policiais, os excessos da repressão às manifestações de rua, as violações dos direitos humanos nos presídios e o afastamento de juízes progressistas.

Para além dessa explicação, Danilo afirma que não é consenso nas ciências políticas que as denúncias de corrupção, de fato, alterem o voto do eleitor. Vide a boa avaliação dos governos paulistas em geral: em pesquisa Ibope divulgada em outubro de 2016, Alckmin foi considerado ótimo e bom para 24% dos entrevistados.

Neste ano, Alckmin tenta usar São Paulo como plataforma para sua campanha presidencial, mas tem tido dificuldades até mesmo em convencer o estado considerado “voto certo” dos tucanos. Segundo o Ibope, Alckmin caiu para 7% nas intenções de voto do eleitor paulista.

Talvez a imagem do partido tenha começado a sentir algum abalo, por uma sequência de fatos: da crise hídrica, passando pela truculência da PM do estado, chegando à máfia da merenda e outros escândalos da Lava Jato.

Leia também: O que ameaça os tucanos

Os desafios da esquerda paulista 
A nacionalização das campanhas petistas, partido de esquerda com mais chance de “tomar” o governo do estado da hegemonia tucana, também é fator que explica porque essa “tomada” de fato não acontece.

“O PT, principal força de oposição à esquerda no Estado, parece ter abdicado do pleito, colocando sua candidatura apenas como plataforma de defesa da libertação e da candidatura de Lula no plano nacional”, afirma Danilo.

O foco do PT nos palanques estaduais do nordeste, onde sua preferência entre os eleitores é maior, também explica o tucano paulista. “Essa incógnita paulista desafia os partidos de esquerda de forma análoga, a meu ver, à incógnita nordestina que desafia o PSDB em eleições presidenciais desde 2006”, explica Danilo.

Até mesmo Luiz Marinho, candidato do partido para o estado, já afirmou isso, em entrevista para CartaCapital. “Os governos federais do PT nunca se preocuparam com as eleições em São Paulo. Nunca houve uma estratégia eleitoral para disputar de fato o comando no estado. Mesmo assim, chegamos perto”, afirmou.

Para ele, neste ano, a hegemonia tucana está ameaçada. “Entendo que nunca antes essa hegemonia paulista do PSDB esteve tão ameaçada. Ao mesmo tempo, o momento mais difícil do PT passou. Desde 2014 e depois da vala de 2016, a imagem do partido tem se recuperado”.

Outro desafio da esquerda em São Paulo, que na verdade é um desafio das legendas de esquerda em nível nacional neste ano, é ultrapassar a cláusula de barreira, que limita o acesso de partidos ao fundo partidário e ao tempo propaganda no rádio e na televisão.

Segundo Fernando Bizarro, cientista político de Harvard, os dois principais partidos que podem vencer o pleito paulista, MDB e PSDB, são os mais favorecidos pela cláusula. “Isso tem a ver com a intensidade do arranjo da política, na medida em que ele favorece os principais partidos. Isso é verdade também a nível estadual, no caso favorece os candidatos do PSDB e do MDB, que são mais competitivos”, afirma.

O que acontece caso haja uma derrota do PSDB?

“São Paulo é sempre uma das disputas principais. É um dos maiores estados da federação, é da onde a maioria dos candidatos à presidência sempre vem, seja lá quem for eleito governador de São Paulo, vai ser um potencial candidato a presidente”, afirmou Fernando Bizarro. “Se o PSDB perder isso, fica muito complicado sobreviver com a mesma intensidade e com a mesma capacidade de liderar a direita que teve nos últimos anos.”

Segundo ele, se o PSDB não vencer neste ano nas eleições estaduais, as coisas podem começar a mudar. “Uma das principais razões pelas quais o PSDB se manteve como um dos principais partidos dos últimos 25 anos sempre foi porque ele pôde contar com o controle do governo do estado da segunda maior máquina política do país depois do Governo Federal”.

Danilo também concorda que, se Doria perder, as forças que controla o estado poderão ser reconfiguradas. “Uma derrota do PSDB terá impactos importantes para o destino do partido como um todo – lembrando que todos os candidatos a presidente tucanos desde 1989 vieram de SP, excetuando-se Aécio Neves em 2014”

Contudo, o pesquisador acredita que o segundo turno que tem se adiantado, com Doria e Skaf, mostra que uma renovação, de fato, não irá acontecer, principalmente por conta das propostas dos candidatos, focadas principalmente em medidas de austeridade. 

“Salta aos olhos a pouca distinção programática entre os candidatos. Discursos como endurecimento da política de segurança, elogio a mecanismos de gestão – privada, no caso de Skaf e Dória – e propostas genéricas semelhantes para melhoria da saúde, como mutirões, por exemplo, permeiam as principais candidaturas”, explica ele. 

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.